quarta-feira, junho 30, 2004

Era o cúmulo

Aprovação de Durão Barroso não está garantida

A Feliz Prisioneira

Um texto interessante para se perceber as implicações da cobertura mediática do Euro 2004.

Outras notícias

Governo da Madeira cria mais empresas públicas para aumentar endividamento
Situação Financeira "Dificilmente Sustentável"

Empresa que faz controlo de bagagens no aeroporto não tem alvará de segurança privada
"Operar com Máquinas de Raio-x Não É Fazer Segurança"

O adeus de Durão

Durão Barroso chega à Presidência da Comissão Europeia como terceira ou quarta escolha. O cargo tem o prestígio que tem. Ser terceira ou quarta escolha também. É concebível que a visibilidade de Portugal aumente na Europa e talvez no mundo. É expectável que o facto de ter um português a ocupar este cargo desperte maior atenção dos meios de comunicação social pelas questões europeias e que o país siga essa tendência. No entanto, as vantagens para Portugal terminam aqui. De DB, enquanto presidente da CE, não se espera que beneficie Portugal. Não se deve esperar isto da mesma maneira que é totalmente inconcebível que qualquer presidente da CE use o cargo para beneficiar o seu país. O cargo de presidente da CE, como cargo político que é, deve ser desempenhado no interesse de todos e não na defesa de interesses particulares. É conveniente que o afirmemos hoje, com um português no lugar, para melhor podermos reivindicar amanhã quando outros falharem nesta missão.
Pelo que demonstrou enquanto PM de Portugal, não se pode esperar grande desempenho de DB à frente da CE. Se, de facto, o que é bom/mau para a UE é bom/mau para os seus Estados membros, então podemos até duvidar que existam quaisquer vantagens para Portugal pelo simples facto de DB ter chegado onde chegou. Pelo contrário, e pelo que já se pode constatar da indefinição política que deixou no plano interno, a saída de DB para a CE tem trazido muito mais inconvenientes do que os eventuais benefícios que se encontram ainda por confirmar. Até no momento de sair, DB consegue envolver-se numa aura de atabalhoada inépcia.

Doom

Ontem à noite, enquanto o consegui tolerar, no programa da SIC Notícias onde se discutia a saída de Durão Barroso para a UE, o único interveniente, de um total de seis comentadores e dois moderadores, que demonstrou vontade de aflorar o tema da reduzida legitimidade de uma solução que não passe por eleições antecipadas foi António José Teixeira. Das duas vezes que tentou introduzir o tema, o moderador João Adelino Faria virou rapidamente o rumo do debate. Por rapidamente entenda-se que AJT nem sequer concluiu o seu raciocínio.
Desconheço os critérios editoriais do programa. Custa-me a crer, mas ainda posso admitir, que não haja aqui uma tentativa consciente de desviar a atenção do problema central. Mas, mesmo não havendo, é incompreensível que se juntem oito pessoas, com uma posição profissional reconhecida, à volta de uma mesa e se divirtam a comentar todos os cenários possíveis e imagináveis sem entrar no cerne da questão principal que é a qualidade da nossa democracia. Mesmo com o tema quase em cima da mesa, os moderadores não pareceram muito interessados em explorar esse filão e a maioria dos comentadores também não lhe quis pegar.
Era tarde. Já passava da meia-noite e meia. Fui deitar-me.

terça-feira, junho 29, 2004

Estar à altura dos acontecimentos

Caso o Presidente da República decida antecipar as eleições, a solução mais adequada para o PS é antecipar igualmente o seu congresso. Se o PS já tinha agendado um congresso para antes das legislativas, a opção mais coerente é manter essa situação. Obviamente, se não estivesse agendada nenhuma data para antes das legislativas, ou se se tivesse realizado um congresso recentemente, a leitura poderia ser diferente. Não sendo esse o caso, não resta alternativa. A aversão de Ferro Rodrigues à realização de um congresso merece ser censurada. Do principal partido da oposição esperava-se, sobretudo neste momento, maior elevação, maior capacidade de defender os interesses dos eleitores, da democracia e de Portugal.
Numa altura destas qualquer bom exemplo é bem-vindo. Infelizmente, parece que não é o que está a acontecer. A direcção do PS reagiu tarde numa situação imperdoável. O que está em causa não é apenas mais uma questiúncula política. O que está em causa é a manutenção das garantias democráticas tal como as conhecemos. Como sempre, há quem não consiga percebê-lo. Desconfio que muita gente não domina da forma mais desejável o conceito de democracia. Mas o que é verdadeiramente intolerável é que havendo quem perceba perfeitamente os riscos deste caso se refugie em silêncios tácticos comprometedores ou tente descaradamente iludir a questão. Para esses a consideração política deve passar a ser nula. Sem remorsos e sem contemplações. Simplesmente nula.

Mais links

Mais uma mega-actualização da coluna de links. Como é costume, blogues para todos os gostos. Entre eles está o blogue de um dos (poucos) grandes amigos que fiz na vida. Tem um blogue absolutamente surpreendente, com tudo o que de bom possa ter a conotação da palavra. Devíamos passar muito mais quality time juntos, eu sei. A culpa é sobretudo minha, eu sei. Um dia emendo-me, prometo. Segue a lista completa das novidades.

Abstracto Concreto
A Natureza do Mal
Arte de Opinar!
A Toca do Gato
Casa dos Comuns
Congeminações
Descrédito!
Fonte das Virtudes
Memórias do Presente
Mundo Perfeito
Nós e os Outros
O Bicho
O Blog do Alex
Pintura Portuguesa
Puxapalavra
República Digital
Terra da Alegria
Victum Sustinere
What do you represent

CPeC

O Crise Política em Curso é um blogue que se destina a reunir os textos publicados sobre os momentos que se vivem na política portuguesa. Um instrumento precioso para acompanhar o que se vai dizendo por esta blogosfera.

Indispensável

Duas opiniões indispensáveis para uma leitura mais completa do cenário político actual.

A Fuga e a Crise - Vital Moreira

Carta Aberta ao Presidente da República - Freitas do Amaral

segunda-feira, junho 28, 2004

Eleições antecipadas

Encontrei esta mensagem no Irreflexões, que já a tinha retirado doutro lado. Para quem queira, é uma forma de se manifestar contra a golpada que estão a preparar.

"ENVIEM MENSAGENS AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

exigir eleições antecipadas TAMBÉM se pode fazer pela net, enviando um email ao presidente da república. não há link directo.

dirijam-se à página em baixo, se entenderem, e sigam as instruções/sugestões que lhe seguem


http://www.presidenciarepublica.pt/pt/main.html

menu à esquerda, link: CORREIO ELECTRÓNICO

--
apenas é necessário pôr o vosso endereço normal (e nome)

onde diz motivo escolher no menu "comentar, sugerir ou fornecer opinião"

onde diz área temática escolher no menu "assuntos políticos" ou "assuntos parlamentares" (ambos se adequam parece-me)

sugestão de formatação de mensagem---

asssunto: eleições antecipadas já!

texto:

venho por este meio comunicar a Vossa Excelência a minha preocupação pela situação política actual e o meu pedido de dissolução do parlamento e convocação de eleições antecipadas.

obrigado pelo seu tempo,
[nome]

---------
espalhem a mensagem"

Parabéns...

...à Janela blogosférica do NunoP.

It's oh so quiet

Os silêncios de Jorge Sampaio levam-me a crer que o Presidente tem uma noção de estabilidade diferente da minha. Só espero que não venha a verificar que temos também noções diferentes de legitimidade democrática.

Uma solução ou um problema?

A espera que Durão Barroso impõe ao país é intolerável. É inadmissível que os portugueses saibam o que se está, ou não, a passar com o representante máximo do seu governo através do PM irlandês. A única crise política existente decorre da péssima gestão que o actual PM está a fazer de todo este episódio. No fundo, DB está, mais uma vez, somente a demonstrar a sua grosseira incapacidade de estar à altura do cargo que ocupa. De resto, já o sabíamos. A pergunta que agora se coloca é: se este é o nome mais consensual para presidir a Comissão, o que é que isto diz da Europa que temos e que vamos ter nos próximos anos?

Dar o (meu) braço a torcer

Por que é que o PS também está calado? Não esperneiem enquanto podem que depois logo vêem.

Português

Achas que o governo tem feito pouco pela publicidade estática na tua terra? Achas que a tua freguesia tem poucos estabelecimentos de jogo legalizados? Achas que o trânsito à superfície é coisa do passado? Achas que a política está cheia de regras demasiado rígidas que retiram eficácia à capacidade de mostrar obra dos políticos?
Envia um e-mail para a Presidência da República a exigir a nomeação de Santana Lopes para primeiro-ministro.

Gostas de votar?

Deixa lá. Afinal, ainda agora votaste para as europeias...

sábado, junho 26, 2004

Uma situação excepcional

A possibilidade de um português ocupar o cargo de Presidente da Comissão Europeia não é despicienda. A consumar-se, seria de facto um prestígio para a política nacional e uma oportunidade dourada para relançar a visibilidade de Portugal, pelas melhores razões, na Europa e no mundo. O mérito de Durão Barroso para ocupar esse cargo pode ser discutível, mas se o primeiro-ministro decidir aceitar, como tudo parece indicar, é uma decisão sua que deve ser respeitada. No entanto, o respeito que a sua decisão mereça, qualquer que seja, não a isenta de críticas.
Durão Barroso liderou o PSD na vitória das legislativas em 2002. Os eleitores sabiam que ao votar PSD estariam a contribuir para que DB fosse o próximo PM. Foi esse o projecto escolhido nesse dia eleitoral. Por razões que o PSD julgou convenientes, o PP foi convidado a fazer parte do governo. Mas isso, recordemos, não fazia parte do projecto inicial que foi a votos. Os eleitores que votaram PSD não pretendiam ver Paulo Portas, Celeste Cardona e Bagão Félix como ministros. Assim, o próprio governo actual já é uma solução de recurso que não foi devidamente anunciada e ponderada antes das eleições. A única coisa que os eleitores tomavam como garantida era que DB formaria governo, sem grandes sinais visíveis de que tal pudesse suceder em coligação com o PP. Se DB decidir realmente interromper o seu mandato como PM, o seu projecto governativo, que já tem muito que se lhe diga, fica claramente comprometido.
Outro aspecto importante é o eventual sucessor no cargo de PM. Para já, o nome mais divulgado é o de Santana Lopes. PSL é o primeiro vice-presidente do PSD, é presidente da CM de Lisboa, tem experiência governativa e uma vida política assaz activa. Mas os eleitores escolheram tanto um projecto de governo de PSL como de coligação com o PP. Ou seja, não escolheram. A legitimidade de PSL para formar governo é mais que discutível. Para mais, PSL é uma figura que tanto gera fortes defensores como aguerridos opositores. Está longe de ser um político de consensos. É, sem dúvida, um político muito conhecido, mas isso não faz com que se torne num político amplamente reconhecido. O nome de PSL para o cargo de PM pode, por isso, levantar mais reservas do que aquelas que seriam admissíveis, mesmo numa situação de excepção como esta.
Desta feita, caso DB saia, parece que a melhor solução, aquela que se pode considerar mais sensata e democrática, passa necessariamente por eleições antecipadas. A julgar pelo que vai sendo divulgado na imprensa, nem a coligação, nem o Presidente da República parecem ser favoráveis a este cenário. Fala-se em estabilidade e na necessidade de evitar crises políticas. Mas parece haver aqui alguma confusão. A única crise que se vislumbra é a gestão de tempo e de informação que o PM está a fazer. É certo que DB não pode correr levianamente o risco de se precipitar. Mas está a deixar muito espaço de manobra para conjecturas que não contribuem para a tão desejada estabilidade política. Mais ainda, a saudável discussão que este caso gera está fortemente limitada pelo contexto desportivo que se vive em Portugal. A situação é altamente melindrosa e exige uma atenção especial que, como sabemos, está fortemente condicionada pelo mediatismo do Euro 2004. Por aqui sim, pode haver alguma indefinição política. Agora, ir a votos não pode ser considerado uma crise política. Votar não é, nem nunca foi, uma crise política. É uma expressão da cidadania e da maturidade democrática de um país que deve ser sempre valorizada.
A concretizar-se este cenário, é importante – é fundamental – que o próximo governo veja a sua formação e exercício legitimado. A melhor forma de o fazer é nas urnas. Os actuais intervenientes não o podem esquecer. É nestes momentos que se tem a oportunidade de ganhar ou afastar o eleitorado da política. Não se desperdice o que só raramente ocorre.

sexta-feira, junho 25, 2004

TdN

Um anito de Terras do Nunca. Estão por lá alguns dos melhores posts que alguma vez li. Humor, clarividência e princípios. Uma trilogia invejável. Parabéns e que conte muitos.

quinta-feira, junho 24, 2004

Começar pelo lado errado

Confesso que não compreendo bem como é que o governo quer indexar o preço do passe social ao IRS. Vamos passar a comprar a senha com a carteira numa mão e a declaração do IRS na outra? E como é que esta medida vai ser aplicada? Sobe o preço para quem tenha maiores rendimentos ou desce para quem tenha menores rendimentos? Mais ainda, acho sempre uma certa piada que se queira indexar o que quer que seja aos rendimentos quando é sobejamente conhecido que a fiscalização tributária não funciona devidamente. É estar a inverter todo o processo. Primeiro devem assegurar-se condições para que as declarações correspondam à realidade e que os contribuintes pagam o que devem. Só depois se pode indexar alguma coisa aos rendimentos declarados sem receio de se estar a produzir medidas perfeitamente desligadas da realidade.

Estão a brincar

O grande plano para o sector dos transportes públicos é mexer no preço dos passes sociais?

Irra

Ferro Rodrigues pior que Durão Barroso (post 1264)? Isso é que é má vontade.

Um feeling

Tenho a impressão que nos próximos tempos não se vai fazer outra coisa que não seja trocar parabéns entre blogues. Por exemplo, se não estiver enganado, amanhã há outro aniversário.

Um ano de incertezas

Parabéns à Aba de Heisenberg.

quarta-feira, junho 23, 2004

Diálogo desconhecido

Sujeito 1 (em jeito de quem vai continuar a conversa independentemente da resposta): Tu vais aos blogues?
Sujeito 2 (em tom de honesto desprezo, acentuado pelo álcool): Nunca!

Pega a galinha, rapa'!

O dvd do filme Cidade de Deus já cá canta.

terça-feira, junho 22, 2004

Só um minutinho...

...para desejar os parabéns ao Avatares.

Reflexividade

O conceito de reflexividade, que Eduardo Prado Coelho evoca hoje, significa que os actores sociais incorporam nas suas acções o conhecimento que vai sendo produzido sobre as mesmas. Este pormenor assume uma importância muito significativa. Ao incorporar nas suas acções o conhecimento que existe sobre elas, estas sofrem alterações que poderão mesmo transformar significativamente a sua essência. Não estamos somente no campo da amplificação de um fenómeno, mas também no da alteração do seu significado. Esta é, igualmente, uma das válvulas de escape que a Sociologia possui para se defender do facto de não ser, tal como Comte pretendia, uma ciência preditiva.

segunda-feira, junho 21, 2004

Paradoxos do futebol

O Ma-Schamba publicou um texto desencantado, de leitura recomendada, sobre a relação do público com os seus ídolos futebolísticos (post Viva Figo). Um dos aspectos abordados pelo JPT é a fama de “pesetero” que Figo granjeou em Espanha. Julgo que este é um dos mais cabazes exemplos dos paradoxos do futebol moderno. A FIFA, a UEFA, as federações, as ligas, os clubes e até os adeptos querem ver concretizado o clube-empresa, o futebol-negócio. Esperam-se resultados, não só desportivos mas também financeiros. Ele é cotação em bolsa, ele é accionistas, ele é lucros, ele é distribuição de dividendos, ele é gestores profissionais. No meio de tudo isto, a única coisa que parece ser mal vista é o facto de os jogadores também encararem a sua carreira de um ponto de vista fundamentalmente financeiro. Para mim é claro que o futebolista tem tanto direito a ver a sua actividade remunerada da melhor forma possível como outro trabalhador qualquer. Se os clubes pretendem assumir a dimensão empresarial do desporto têm de estar preparados para esta realidade. E os adeptos, por muito que lhes custe, também.

Critério estritamente pessoal

Após o jogo Portugal-Rússia, tinha começado a preparar um post sobre a experiência de ir assistir a um jogo do Campeonato Europeu ao vivo. Por diversas razões interrompi o texto a meio e agora não faço ideia de como pretendia conclui-lo. O que é pena, até porque gosto bastante das primeiras linhas escritas. Mas pareceu-me mal publicar um post inacabado. Já publicar um post sobre meio post pareceu-me perfeitamente legítimo.

Lições de futebol

Aprendeu-se mais sobre futebol em 90 minutos, a ouvir os comentários de José Mourinho, do que em toda uma vida a ouvir comentários na televisão portuguesa. Mesmo quando o ex-treinador do FC Porto não dava nenhuma novidade, fazia-o sem a banalidade de quem comenta o óbvio tão típica das transmissões televisivas nacionais.

Obviamente

Como não podia deixar de ser, saboreei a vitória de Portugal. Em abono da verdade, devo dizer que estava bastante céptico, mas a selecção arrancou uma exibição que nos devolveu a fé. A jogar assim podemos ganhar a qualquer equipa. E, sim, apesar de tudo, fiquei com pena que o apuramento tivesse sido à custa da Espanha.

P.S. Um pequeno esclarecimento: na minha rua, a varanda que ostenta uma bandeira espanhola não é a minha. Ok?

sexta-feira, junho 18, 2004

Na minha modesta opinião, claro

Nos últimos dias foram divulgadas suspeitas de que os abusos e a tortura sobre prisioneiros tinham a autorização expressa da Administração Bush. Esta semana surge o relatório que afasta qualquer hipótese de ligação entre o Iraque e a Al-Qaeda, inviabilizando o maior argumento para uma guerra que teve as terríveis consequências que se conhecem. Cada uma destas notícias, por si só, seria o suficiente para fazer cair um governo. Juntas constituem um ultraje ao estado de direito democrático e aos valores mínimos de vergonha e de decência.

Blogosfera

No Avatares surgiu há uns tempos uma interessante hipótese sobre as redes de relações na blogosfera. Defendia o Bruno Sena Martins que “o que agora se verifica é que os blogs entram em relação dialogante com outros blogs com quem já têm uma ‘tradicional’ simpatia ou antagonismo”, acrescentando de seguida que “a profusão e consolidação de familiaridades concêntricas faz respirar uma nova lógica no modo de ser da rede.” Concordo inteiramente com esta visão da blogosfera. É certo que em cada bloguista há um leitor mais ou menos assíduo de blogues. A última vez que li alguma coisa sobre isto, o número de blogues nacionais já ia em aproximadamente 3000. É absolutamente impossível seguir tudo o que se vai escrevendo por aí. Como em qualquer relação de leitura, vão-se criando laços mais especiais com determinados escribas. Os temas preferidos, a qualidade das ideias e dos textos atraem públicos particulares. Os olhares e os comentários continuam a cruzar-se, mas provavelmente em círculos mais restritos. Como refere o BSM, não há aqui qualquer laivo de saudosismo dos tempos passados. Trata-se simplesmente da constatação de uma nova realidade.

Evidentemente que há relações de leitura que, por um ou outro motivo, não transparecem para o blogue. Deste modo, até certo ponto, julgo que a melhor forma de se aferir o tipo de relações que se estabelecem entre blogues é através dos links. Quer através dos links permanentes, quer através dos links em cada post.
É sempre com uma estranha sensação que me deparo com mais um link para este blogue. A decisão de não ceder aos sitemeters acarreta como consequência (neste caso, desejável) que nunca se possua uma ideia concreta da “dimensão” do blogue. No entanto, não posso estar senão agradecido a todos os que me enriquecem com um pouco do seu tempo. Pelo que pensam e pelo que escrevem, muito me honra que façam o Viva Espanha constar nas suas listas, nas suas leituras ou, por vezes, nos seus posts. A todos, obrigado.

P.S. Uma palavra especial para o Paulo Gorjão pelo enorme elogio que teve a amabilidade de me fazer. Ele sabe que o apreço é recíproco.

quinta-feira, junho 17, 2004

Porquê Ferro Rodrigues

Ferro Rodrigues como líder do PS e Ferro Rodrigues como Primeiro-Ministro são duas coisas diferentes. FR tem sido sistematicamente acusado de ser um fardo para o PS e de não permitir que o partido se assuma como alternativa. Os votos têm dito o contrário. É claro que podemos falar de estratégias. É claro que se pode criticar a liderança socialista pelas opções políticas que tem. Mas se essas críticas são feitas tendo por base a hipotética diminuição de uma base eleitoral mostram-se, até agora, infundadas. Isto parece-me uma realidade evidente. O PS de FR aparece à frente nas sondagens e acabou de ganhar as eleições de uma forma contundente. O PS de FR pode ser a “solução menos má”, como costuma ser referido. Mas, por muito mau que seja, constitui a solução preferida pela maioria dos eleitores. Nas corridas, eleitorais o menos mau é o que ganha.
Não são os partidos dos extremos que estão a crescer, excepção feita ao BE. É a coligação que ocupa o poder que está a perder e essa transferência de votos está a dar-se preferencialmente para o PS. O tal PS de FR que alienava o voto e que não tinha condições de disputar vitórias eleitorais. Muito honestamente, esta análise parece-me totalmente independente de uma pessoa se rever no PS ou na sua actual liderança.
Outro facto é o que é que esta liderança do PS conseguirá mostrar se ganhar as legislativas. Qual a governação que vamos ter, quais as principais áreas de intervenção, quais as reformas propostas? Parecendo-me que o capítulo da capacidade de FR para ganhar eleições está resolvido, entre outras, estas são as perguntas que realmente interessam.
Admito que as minhas intervenções têm sido quase sempre em defesa do actual líder do PS. Esta labuta teve início aquando do período mais difamatório do processo Casa Pia. O timbre inicial dessas posições limitava-se a afirmar que a calúnia nunca poderia servir de suporte à crítica política. O que pretendi salientar, desde aí, foi a legitimidade da liderança de FR e o seu direito a disputar eleições sem se ver boicotado interna e externamente. Sou pouco dado a intrigas e a golpes palacianos. Quem quiser o lugar de FR que o afirme claramente. Esta direcção tem o direito a não ver o seu trabalho, independentemente do valor que lhe atribuamos, condicionado pelo boicote dissimulado e sistemático. Aliás, toda a gente que ocupe uma posição e execute o seu projecto de uma forma legítima tem este direito.
Tenho defendido que a política não pode ser refém de um fundamentalismo táctico. É necessário que as estratégias de médio e longo prazo sejam reconhecidas, valorizadas e difundidas. Perante o desinteresse aparentemente crescente de uma boa parte dos eleitores, a solução não pode passar senão por uma exigência crescente. Exigência em relação aos projectos, em relação às pessoas, em relação ao exercício. Continuo plenamente convencido que se FR não tivesse resistido ao véu difamatório que sobre ele caiu isso só contribuiria para o decrescimento de qualidade da nossa política, da nossa justiça, da nossa comunicação social e da nossa cidadania. Por este motivo, principalmente, escrevi muitas vezes a favor do actual líder do PS. Por outro lado, também sempre me pareceu estranho a enorme onda de contestação a FR. Sobretudo quando me parece que essa contestação se apoia mais na vontade de satisfazer ambições pessoais, ou de grupos muito particulares dentro do PS, e a servir de seguro de vida a um governo fraquíssimo. Se me quiserem explicar que FR dá um mau PM, tudo bem. Se for essa a razão para o PS mudar de líder, é perfeitamente compreensível. Se quiserem apear FR em nome de interesses mal explicados ou uma suposta ineficácia eleitoral, já é outra conversa. Se FR chegar a PM e meter as mãos pelos pés, cá estarei para receber o julgamento das minhas opiniões. São as vantagens e os inconvenientes de fazer as coisas às claras. É mais do que muitos candidatos a ocupar lideranças partidárias podem dizer.

terça-feira, junho 15, 2004

Interessante asserção

(...) os portugueses devem ser o único povo no mundo que é capaz de aturar turistas sem depois odiar a nação dos mesmos.

Porque a pluralidade é uma dádiva

Para uma visão totalmente antagónica à que ficou expressa no post anterior, aconselha-se a leitura do Abrangente. O Evaristo é secundado nas suas opiniões pelo João Tunes. Não é comum estar em desacordo com nenhum dos dois, mas também não era nenhuma impossibilidade estatística.

As consequências das europeias para Ferro Rodrigues

Não há como iludir o facto, o resultado das eleições europeias representa uma retumbante vitória para o PS em particular e para toda a esquerda em geral. A tentativa de escamotear a consequente derrota da direita não surtiu qualquer efeito. Os números já são bem conhecidos e foram amplamente comentados, pelo que não valerá a pena acrescentar muito mais. Sendo indisfarçável que as políticas da coligação saem profundamente deslegitimadas deste acto eleitoral, o foco de atenção centra-se, como não podia deixar de ser, na liderança de Ferro Rodrigues. Parece uma sina que o líder do PS veja a sua liderança cronicamente discutida mesmo quando tanto há para discutir sobre o rumo que PSD e PP estão a imprimir ao país.
Inevitavelmente, qualquer que fosse o resultado do PS, a sua liderança sofreria críticas. Mesmo depois de levar o PS a uma votação histórica, ainda há quem continue a ver em FR o líder errado para o PS. No entanto, as razões para tal vão-se esfumando. O actual líder do PS tem provado sistematicamente que é capaz de manter o PS à frente da coligação nas sondagens que têm sido feitas. E na primeira prova de fogo, se excluirmos as legislativas de 2002, obtém um resultado que não pode oferecer contestação. Donde se pode concluir que, por muito mau que seja o seu projecto, parece ser mais que suficiente para atrair o eleitorado. Como se pôde confirmar nestas eleições, perante a ineficácia dos partidos que governam, o eleitorado responde votando preferencialmente no PS. É claro que se pode referir que estas eleições foram para o parlamento europeu e que a abstenção foi muito elevada. Mas o que é um facto é que neste acto eleitoral a maioria das pessoas decidiu escolher o PS de FR. Contra isto não há muito a dizer.
Temos, então, que quem pensava que FR jamais conseguiria cativar o eleitorado se enganou. Não é por aí que FR parece ser o líder errado para o PS. Porém, as críticas mantêm-se.
O principal problema de FR, dentro do PS, é a sua teimosa insistência em manter-se à frente do partido. FR, que estava destinado a ser um líder para “queimar”, conseguiu obter resultados, logo nas primeiras eleições que disputou, que legitimaram a sua liderança. A esta legitimidade deve juntar-se também o relevante facto de FR ter sido o único elemento a mostrar a coragem de assumir o partido no seu momento mais difícil dos últimos anos. Este acto não pode ser menosprezado e todos os que na altura não quiseram arriscar têm hoje um claro deficit de autoridade para se apresentarem contra o actual projecto de liderança.
Assim, depois de ter assumido a difícil tarefa de pegar no partido depois da saída de António Guterres, depois de ter discutido as eleições legislativas que se seguiram de forma muito positiva, depois de ter resistido a uma ainda mal explicada campanha para denegrir o seu carácter, depois de alcançar o brilhante resultado das europeias, provando a mais valia que representava Sousa Franco como cabeça-de-lista (seria interessante rever o que por aí se disse quando o seu nome foi anunciado), o grande pecado de FR parece ser, Deus lhe perdoe, o seu pendor de esquerda. Dos hipotéticos candidatos à liderança que se perfilam, ou são perfilados, FR aparenta ser o que se encontra mais à esquerda. Este facto tem servido para alimentar os receios de uma coligação entre o PS e alguma das outras forças políticas de esquerda com assento parlamentar. Se é certo que esta liderança pode ter dado sinais mais ou menos tímidos nesse sentido, também é garantido que tudo não passou, nem passa, de muito mais que uma mera hipótese. De resto, para descansar os críticos de uma coligação de esquerda, o PS tem condições para chegar às legislativas sem ter que se comprometer com outras forças políticas.
O que falta mesmo ao PS, neste momento, é que os seus militantes, sobretudo os mais mediáticos, se unam e trabalhem para ajudar a actual liderança a atingir os seus objectivos. O PS precisa que as intrigas internas, as lutas de poder, as questiúnculas, deixem de ser o prato forte. Se as diversas correntes dentro do PS gastarem tantas energias em construir uma alternativa coesa como parecem gastar na salvaguarda das suas pretensões, muito poucas coisas poderão impedir o PS de atingir registos eleitorais notáveis nas eleições que se avizinham, legislativas incluídas. Obviamente, sem ser necessário, de todo, afastar FR da liderança.

Regresso

Tinha previsto voltar aos posts na segunda-feira, mas um imprevisto impossibilitou-me de cumprir esse intento. Ainda assim, não sem um certo sacrifício, talvez ainda hoje seja possível escrever algumas palavras sobre o descalabro eleitoral dos socialistas e a forma como o seu líder continua a insistir em manter uma linha que conduz inevitavelmente ao desastre.

quarta-feira, junho 09, 2004

Pesar (act.)

Até segunda-feira o blogue não será actualizado. Fica somente uma singela nota de pesar por António Sousa Franco e pelo deputado Lino de Carvalho.

Morreu Sousa Franco

O cabeça-de-lista do PS parece ter sofrido um ataque cardíaco. Com o acesso aos sites dos principais meios de comunicação totalmente congestionado, não é possível avançar quaisquer informações adicionais. Um dia triste e estúpido.

terça-feira, junho 08, 2004

Vitorino e os Portas

Pergunta o Paulo Gorjão (post 1129) se ainda alguém (os suspeitos do costume) quer que ele explique o problema de uma coligação com o BE. Pela parte que me toca, estou sempre receptivo a discutir o nosso sistema político-partidário. Não deixa de ser curiosa a forma como as coligações, que chegaram a ser comuns a seguir a 1974, parecem ter gerado anti-corpos. Não é fácil encontrar quem seja um apologista confesso da coligação como forma de exercer a governação. Penso até que seria muito interessante discutir, com a pluralidade de opiniões que já são (re)conhecidas, os custos e benefícios das coligações numa perspectiva bastante ampla.
Neste caso concreto, a posição do BE sobre Vitorino nem me parece o maior inconveniente para uma eventual coligação com o PS. Há muito mais, sobretudo em política interna, por onde se pode pegar. O que está aqui em questão, sobretudo, é o tipo de construção europeia que se pretende. Numa UE cada vez mais perto de uma definição política fundamental, ou se pretende uma construção europeia mais ligada às solidariedades nacionais ou se pretende uma alternativa mais ligada às solidariedades ideológicas. Confesso que não vejo razão para que, numa óptica de progressiva integração europeia, não se opte pela segunda em detrimento da primeira. Se um dia vamos ter uma política externa e uma política de defesa comuns, assim como, possivelmente, uma política de impostos e de direitos sociais comum, faz muito mais sentido que as escolhas para a UE se baseiem na representação ideológica dos interesses de cada um. Suponho que há aqui pano para mangas.
Mas já que o Paulo Gorjão queria uma pergunta, eu deixo aqui uma. Se, por absurdo (mas mesmo muito absurdo), Paulo Portas estivesse em condições de concorrer à Presidência da Comissão Europeia, será que o Paulo apoiaria a sua nomeação, só porque ele é português, sancionando desta maneira, entre outras coisas, a sua forma de estar na política? Conhecendo a sua admiração pelo ministro da Defesa, sempre quero ver como é que descalça esta bota.

segunda-feira, junho 07, 2004

You know I'm such a fool for you

Estas palavras fazem parte de uma música qualquer de Cramberies. A palavra chave aqui é fool.

Se bem me lembro

Estes argumentos da "necessidade de estabilidade política" e do "ai Jesus se não ganhamos" também caracterizaram o estertor do cavaquismo.

Reaganices

"De 1980 até 2002 a economia norte-americana cresceu em média quase 1% ao ano acima da economia europeia. Há quem chame a isto "efeitos nefastos do neo-liberalismo"..."


Não, não bem a isso. É mais à forma como essa fantabulosa riqueza está distribuída, ao número de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza, ao acesso às redes de saúde e de segurança social. Essas coisas...

Estranhas ligações

Digam o que disserem, escrever directamente no blogue, sem a rede de segurança que o Word proporciona, tem um encanto diferente.

O reverso da medalha

Para servir de contraponto a todos os posts de veneração que se encontram por esta blogosfera, está um texto imperdível no Quase em Português sobre o recentemente falecido Ronald Reagan.

sexta-feira, junho 04, 2004

Desmontar o preconceito

O editorial de José Manuel Fernandes é uma óptima oportunidade para se desmontar um discurso repleto de preconceitos, ainda que talvez ignorados pelo próprio autor. Escreve JMF, logo no início:

Sempre me manifestei contra as quotas para as mulheres. Entre outros motivos porque condeno a engenharia social, que regra geral produz resultados perversos; porque entendo que se deve garantir a igualdade à partida e não construir a igualdade de cima para baixo, garantindo-a artificialmente à chegada; porque considerava aviltante para as próprias criar-se a dúvida se ocupava um cargo por mérito ou por fazer parte de uma quota; e porque estava convicto que a rapidez com que as mulheres estavam a entrar no mercado de trabalho, a sua superioridade na universidade (dois terços à entrada, quase três quartos entre os licenciados) haveria de fazer naturalmente com que chegassem onde desejassem chegar.

É compreensível que uma sociedade “ideal” não necessitaria do subterfúgio das quotas. Nela haveria lugar para todos em igualdade de circunstâncias, qualquer que fosse a diferenciação à partida: de género, de idade, de orientação sexual, etc. O que é inegável é que não vivemos, como nunca viveremos, numa sociedade sem preconceitos, sem ideologias, sem relações de poder. E como já sabemos que esta é a realidade que possuímos, temos ao nosso alcance o primeiro utensílio da transformação – o conhecimento. A partir deste momento é possível planear formas de corrigir os desvios e introduzir mais justiça social, que é um dos pilares do Estado de direito democrático.
Mas o que merece maior reparo, do ponto de vista do preconceito revelado por JMF, é que o director do Público manifesta a sua convicção na forma “natural” como se alcançaria esta igualdade. JMF toma o indicador do número de mulheres no ensino superior, ou já detentoras de uma licenciatura, e admite que está tudo bem encaminhado para atingirmos esse objectivo. O que ele não refere são todos os outros indicadores que mostram o contrário. Como, por exemplo, a diferença de salários entre homens e mulheres para a mesma função e o limitadíssimo número de mulheres que alcançam cargos de relevo, de chefia, de poder efectivo. Basta ver a percentagem de homens na administração pública e comparar com a percentagem destes que ocupam o lugar de director, sub-director, director de serviços. Porque de facto, a competência e o poder não andam necessariamente de mão dada.
No entanto, como já referi outras vezes, passa facilmente a ideia de que as condições são muito mais justas do que a realidade demonstra. O que dificulta muito mais a tarefa de desmascarar esse mito. Quando se repete algo até à exaustão, há sempre alguém que passa a acreditar.

O segundo momento a merecer atenção é o seguinte:

Não existindo barreiras à entrada que valorizem ou desvalorizem qualquer dos sexos, existirem profissões mais femininas e outras mais masculinas pode, e deve, decorrer unicamente das escolhas feitas e das vocações demonstradas. Afinal, os sexos não são diferentes apenas na sua morfologia externa.
Importa por isso saber se existem essas barreiras à entrada. Barreiras que podem ser formais ou informais, legais ou culturais. No caso concreto dos cursos de Medicina, tudo indica que não existem: para as faculdades entram os alunos que têm as melhores médias de acesso.


Nunca me confrontei com um estudo que indicasse conclusivamente que as diferenças entre os sexos ultrapassavam a morfologia. Apesar de JMF se centrar na morfologia externa, uma das principais diferenças entre homens e mulheres reside no interior do corpo. O tratamento hormonal e a cirurgia já permitem reconfigurar praticamente toda a aparência exterior de uma pessoa, mas ainda ninguém conseguiu contornar o facto de o homem não possuir útero. O homem não dá à luz e ponto final. Mas regressando às diferenças que não estão relacionadas com a morfologia, o que inúmeros estudos apontam é que elas são social e culturalmente determinadas. Desde trabalhos em que as “características” atribuídas ao mesmo bebé dependem do facto de ele ser apresentado como do sexo masculino ou do sexo feminino, até estudos antropológicos em que os papéis sociais desempenhados por homens e mulheres aparecem quase revertidos em relação aos padrões modernos ocidentais, ou estudos sociológicos que demonstram como o senso comum constrói interpretações naturalistas das capacidades de cada um dos sexos. É, por isso, bastante fácil encontrar quem refute uma concepção da humanidade em que homem e mulher possuem “habilidades” ou “características” inatas consoante o género.
Outro aspecto relevante é a análise das barreiras, como lhes chama JMF, formais ou informais, legais ou culturais. Decompondo em duas ordens de motivos esta análise, distância entre teoria e prática e imagens estereotipadas, podemos concluir que há muito que esclarecer antes de se avançarem conclusões ingenuamente optimistas. Quanto às primeiras, é claro que os enquadramentos constitucional e legislativo nacionais protegem, de uma forma geral, a igualdade de oportunidades e de direitos. Mas a prática nem sempre acompanha o espírito das leis. O que se verifica, como já ficou dito mais acima, é que há discrepâncias gritantes entre os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres, assim como há discrepância na valorização e na recompensa social em função do género. Juntamente com estas discrepâncias surgem os estereótipos sociais que permitem afirmar, como JMF faz, que “as raparigas, desde que o ensino se democratizou, se revelam regra geral alunas mais aplicadas do que os rapazes”. Ora, o que este tipo de raciocínio induz é que, caso JMF fosse responsável pela educação das nossas crianças, levaria consigo para a sala de aula a expectativa de ver um melhor desempenho por parte das raparigas da turma do que dos rapazes. E, também neste caso, é possível encontrar estudos que demonstram que a avaliação dos alunos é, muitas vezes, condicionada pelos estereótipos dos professores e está dependente do género, da classe, da etnia e doutros factores desta ordem. Ou seja, é bastante fácil encontrar factores mais ou menos ocultos que distorcem a apreciação objectiva e isenta da prestação dos indivíduos. Se é que alguma vez poderemos proclamar-nos verdadeiramente objectivos e isentos. Julgo que isso só seria possível numa sociedade mono-cultural ou a-cultural. Não me parece que caminhemos nem para a primeira nem para a segunda.
Quis com este texto, talvez demasiado longo para os parâmetros blogosféricos, focar alguns pontos de reflexão sobre a discriminação social, de uma forma muito particular sobre a de cariz sexual. Foram abordados alguns temas que mereciam mais atenção, mais substanciação teórica, talvez mesmo alguma bibliografia. Fica desde já feito o acto de contrição por não poder apresentar qualquer prova dos estudos que refiro. Teremos de confiar na boa fé e na honestidade uns dos outros. De qualquer forma, com as limitações reconhecidas, ficou o esforço de chamar a atenção para o facto de o preconceito e o estereótipo social estarem profundamente enraizados. De tal forma que surgem mesmo nos discursos que deles se querem desmarcar.
Para terminar, e mais uma vez, de encontro ao que foi o tom de todo o texto, em discordância com JMF, é sempre bom que estes temas se discutam. Quanto mais se falar neles, melhor se pode compreender a distância entre o mito e a realidade.

Souto Moura

Miguel Sousa Tavares traça, na sua coluna de opinião no Público, um cenário muito negro para o futuro do Procurador-Geral da República. Leitura recomendada, claro. Só ficaram a faltar algumas palavras quanto ao desempenho, ou ausência dele, da Ministra da Justiça.

A carreira e a maternidade

No Blogame Mucho tem-se produzido vasta quantidade de posts a propósito da relação entre as mulheres e a medicina. O distinto Besugo, que fala com a autoridade de quem conhece o sector por dentro, publica uma hipotética situação de conflito entre a, nas suas palavras, “legítima vocação procriadora [de uma mulher] com a sua (também verdadeira) vontade de fazer carreira”. Defende o Besugo, se bem o compreendo, que uma mulher que privilegie a maternidade não tem muitas razões para se queixar se for preterida na sua carreira profissional. Porque, no fundo, alguém se sacrificou para que, nos dias e nas noites em que essa mulher não trabalhou, o trabalho não ficasse por fazer.
O que me parece falhar na forma como o Besugo expõe o problema é que fica subjacente que o trabalho que fica por fazer pertence à mulher que está em casa por ter engravidado. Na forma como eu vejo a situação, esse trabalho pode pertencer a qualquer pessoa menos a essa mulher. Os responsáveis pelo serviço têm a obrigação de encontrar uma solução que preencha essa lacuna. O que não se pode é enfraquecer o direito à licença de parto. Esse período pertence inteiramente à mulher e ao recém-nascido. E ao pai, também, mas isso já seria outra conversa. É efectivamente injusto que uma mulher que opte pela maternidade seja prejudicada no seu posto de trabalho. Não podemos andar por aí a carpir as amarguras do envelhecimento da população e da baixa taxa de natalidade e depois não apoiar as medidas que ajudem a combater essas situações. de facto, a grande questão parece-me ser a forma como se pode conciliar o direito inalienável à licença de parto, a promoção da justiça nas carreiras profissionais e a manutenção de índices de produtividade razoáveis.

quinta-feira, junho 03, 2004

Welcome back

Mais um regresso. O blogue Pensativa voltou aos posts após um (demasiado) longo intervalo. Bom regresso.

Uma dúvida

Um segredo partilhado entre duas pessoas que pouco se conhecem é uma inconfidência ou um elogio?

Igualdade já!

Enquanto vão discutindo esta peregrina ideia, também se podiam ir entretendo a estudar a hipótese de estabelecer quotas de discriminação positiva a favor das mulheres na área das engenharias. Ou então, introduzir uma quota para homens no sector das limpezas de escritórios. Tenho constatado uma posição dominante das mulheres neste campo que já vem de há muito tempo e que urge equilibrar. É, de facto, uma situação de gritante desigualdade que importa corrigir. Até porque se está a perder toda a riqueza de formas de trabalhar diferentes que os homens poderiam introduzir, revolucionando o sector.

Fechar as portas

Entre uma garfada ao jantar e um telefonema para começar a combinar férias, passa pela televisão a imagem de Luís Filipe Pereira, visivelmente atrapalhado, enquanto discorre sobre o lugar da mulher nas sociedades modernas. Quase que era possível adivinhar os pensamentos do ministro escondidos pelo sorriso encavacado: “Pensa Luís Filipe, pensa! Vê se dizes qualquer coisa que não pareça assombrosamente machista!”

A ideia de criar quotas de discriminação positiva a favor do sexo masculino na área da medicina não pode causar senão estranheza. Num dos casos em que o acesso está praticamente condicionado à meritocracia, quer fazer-se valer a ideia de que a equidade está em risco. Ora, sendo sem dúvida interessante tentar perceber por que é que determinadas áreas de estudo e de trabalho aparentam despertar maior interesse num grupo do que noutro, o que é fundamental compreender, como a Sociologia e a Antropologia demonstram, é que as “vocações” masculinas e femininas são socialmente influenciadas.
A divisão de tarefas, qualquer que seja o campo considerado, é uma herança cultural da qual, a custo, nos vamos libertando. Assim como o lugar que a mulher ocupa no campo laboral é uma consequência do facto de a verdadeira emancipação só ter chegado bem tarde no século XX. A forma despudorada como ainda se produzem discursos sexistas revela a profundidade do enraizamento cultural do preconceito. Embora se possa constatar com maior frequência que os casais tendem a partilhar mais tarefas, o que possibilita desde logo uma maior liberdade da mulher para se dedicar ao mundo profissional, ainda vigora uma visão social que atribui à mulher determinadas áreas de acção, sendo que o preconceito é consubstanciado por supostas “vocações”, “capacidades”, “feitios”, “apetências naturais”, “limitações biológicas”, etc.
Um outro aspecto revelador da mentalidade que vigora na nossa sociedade prende-se com a ideia de que a maternidade constitui uma desvantagem. Aqui faz todo o sentido aplicar medidas de discriminação positiva que impeçam que a mulher saia prejudicada. Quando a entidade empregadora concentra as suas atenções nos quatro meses que a mulher passa afastada do seu local de trabalho, algo está muito mal. Em primeiro lugar, porque há uma situação clara de preconceito. Em segundo, porque está a ser atacado o direito fundamental à maternidade e à licença de parto. Por último, porque as vistas curtas do preconceito não conseguem entender os benefícios que existem, a todos os níveis, em valorizar as políticas que favoreçam a maternidade e a relação entre pais e filhos. Benefícios que se traduzem em indicadores demográficos, sociais e económicos. Mas também a um nível menos lato, porém igualmente importante, da saúde e equilíbrio do ambiente familiar e até do equilíbrio do ambiente laboral.
Alterar as mentalidades é um processo sempre difícil e moroso. A igualdade de direitos e de deveres não está tão difundida quanto o discurso politicamente correcto pode fazer crer. Estamos, seguramente, a caminhar nesse sentido, mas não tão depressa como por vezes se quer fazer passar. A instauração de medidas de discriminação positiva, não sendo ideal, permite corrigir estes desvios de origem preconceituosa, sendo, para já, um intervencionismo necessário. Querer aplicá-lo ao grupo dominante seria uma perversão total da sua utilidade, sobretudo quando se constata que os argumentos invocados residem na mais bacoca concepção da vida social.

P.S.: Quanto a este assunto ver também o que se escreveu no Avatares e no Blogame Mucho.

terça-feira, junho 01, 2004

Sintomático

O debate com os cabeças-de-lista dos principais partidos às eleições europeias está a passar em directo na SIC Notícias. Portanto, só acessível para quem tenha televisão por cabo.

Dia da Criança

Certo dia deu-me para achar que só me devia considerar velho quando sentisse que este dia já não tinha nada a ver comigo. Continuo convencido que ainda tem. Felizmente.

O futuro dos blogues

O blogue Blasfémias, que já de si teve origem numa mega-fusão de blogues, assegurou mais uma participação de peso. João Miranda, do Liberdade de Expressão, acabou de se juntar à já incontornável equipa de blasfemos.
Sempre que um bloguista anuncia o fim do seu blogue é impossível evitar pensar na efemeridade deste meio. No entanto, os blogues colectivos introduzem uma variável que merece atenção na análise deste fenómeno. Já foi referido por vários blogues que o facto de partilhar a “responsabilidade” da publicação alivia, de certa forma, o peso de manter um blogue com uma actividade minimamente regular. Os blogues colectivos podem, por isso, representar um passo quase necessário para quem se depara com dificuldades de compatibilização do espaço blogosférico com outras dimensões da sua vida. Este é um aspecto que ajuda a conferir à blogosfera um carácter já não tanto efémero quanto volátil.
Outro aspecto relevante é o facto de os blogues colectivos que estejam abertos à renovação dos seus participantes activos permitirem que este meio atinja um patamar superior. A renovação dos nomes que fazem um blogue pode levar, em última análise, a que este se torne em muito mais do que os seus autores. Podemos estar perante uma condição fundamental para assegurar a existência do blogue para lá da vontade e possibilidade do(s) seu(s) fundador(es).
Tendo em consideração que, à semelhança de outros meios de comunicação como os jornais ou os canais televisivos, qualquer blogue possui também uma linha editorial, não será de estranhar que, com a rotatividade dos responsáveis pela publicação, se sintam mudanças na orientação dessa linha ao longo do tempo. No fundo, estaremos perante um fenómeno conhecido aplicado a um meio relativamente novo. A grande diferença residirá, provavelmente, na velocidade e frequência que essas alterações atingirão. Mas a rapidez de reacção deste meio não é novidade para ninguém que o acompanhe de perto. Assistir a essas transformações será somente o constatar de uma regra já decifrada há algum tempo.