segunda-feira, setembro 01, 2003

Deus nos dê saúde

Por razões de saúde vejo-me obrigado a marcar um exame no final de Agosto. Desloco-me aos balcões de marcação da unidade de saúde, onde me indicam que me devo dirigir a um gabinete para falar com a enfermeira X (não me lembro do nome, mas se me lembrasse também não dizia). Ao fundo do corredor encontro o tal gabinete onde pontifica, na porta, uma folha a proibir a entrada a estranhos. Hesito. Volto atrás. Nos balcões de marcação confirmam-me o gabinete, é mesmo lá. Pergunto pelo proibição mas garantem-me que é para bater à porta e perguntar pela referida enfermeira. Novamente na outra ponta do corredor, bato à porta. Não há resposta. Enfio a cabeça no gabinete a anunciar a minha presença. Não se vê ninguém, mas existem duas portas e sente-se actividade atrás de, pelo menos, uma delas. Peço licença, em jeito de quem anuncia a sua presença, à espera de resposta. Aguardo um pouco, sempre junto à porta. Finalmente aparece uma pessoa. Ainda vem a empurrar bocados de bolo pela boca dentro. Olha para mim muito séria e estica o braço a apontar-me a saí­da. Ainda demora um pouco até arranjar fôlego para articular um: "Não pode estar aqui, tem de sair!" Quando o meu pai tinha a sua cadela, era mais ou menos assim que a expulsava dos quartos. Eu, que possuo maior capacidade de argumentação que os quadrúpedes, defendo-me: "Era só para falar com a enfermeira X, para marcar um exame." Não surte qualquer efeito. O braço continua apontado e a frase repete-se. Retiro-me perante tal demonstração de compreensão e respeito pelo utente. Aguardo no exterior do gabinete que me venham, então, contactar. Ao fim de certo tempo, nunca olho para o relógio nestas ocasiões para não agravar a espera, a enfermeira X aparece à porta do gabinete e pergunta se está alguém para falar com ela. Finalmente é-me concedido acesso ao gabinete e marcam-me o exame, com grande naturalidade, sem sequer se fazer referência ao episódio, como se nada se tivesse passado.
Desta requintada experiência concluo três coisas: que, aparentemente, o utente tem o dever de se desenrascar dentro das unidades de saúde à procura dos locais e dos profissionais que precisa de contactar; que a má organização das unidades de saúde, bem como a peregrina ideia de fazer a marcação de exames em locais de acesso condicionado, não parece fazer comichões a ninguém; que funcionários autoritários, empanturrados em bolos, a expulsar utentes parece ser um assunto que não levanta objecções aos respectivos responsáveis.
Só falta mesmo dizer que a unidade de saúde em questão é uma conhecida clínica privada da Amadora e que os quadrúpedes interessados desembolsam perto de 120 euros pela oportunidade de experimentar tão refinado tratamento. Deus nos dê saúde...