sábado, junho 26, 2004

Uma situação excepcional

A possibilidade de um português ocupar o cargo de Presidente da Comissão Europeia não é despicienda. A consumar-se, seria de facto um prestígio para a política nacional e uma oportunidade dourada para relançar a visibilidade de Portugal, pelas melhores razões, na Europa e no mundo. O mérito de Durão Barroso para ocupar esse cargo pode ser discutível, mas se o primeiro-ministro decidir aceitar, como tudo parece indicar, é uma decisão sua que deve ser respeitada. No entanto, o respeito que a sua decisão mereça, qualquer que seja, não a isenta de críticas.
Durão Barroso liderou o PSD na vitória das legislativas em 2002. Os eleitores sabiam que ao votar PSD estariam a contribuir para que DB fosse o próximo PM. Foi esse o projecto escolhido nesse dia eleitoral. Por razões que o PSD julgou convenientes, o PP foi convidado a fazer parte do governo. Mas isso, recordemos, não fazia parte do projecto inicial que foi a votos. Os eleitores que votaram PSD não pretendiam ver Paulo Portas, Celeste Cardona e Bagão Félix como ministros. Assim, o próprio governo actual já é uma solução de recurso que não foi devidamente anunciada e ponderada antes das eleições. A única coisa que os eleitores tomavam como garantida era que DB formaria governo, sem grandes sinais visíveis de que tal pudesse suceder em coligação com o PP. Se DB decidir realmente interromper o seu mandato como PM, o seu projecto governativo, que já tem muito que se lhe diga, fica claramente comprometido.
Outro aspecto importante é o eventual sucessor no cargo de PM. Para já, o nome mais divulgado é o de Santana Lopes. PSL é o primeiro vice-presidente do PSD, é presidente da CM de Lisboa, tem experiência governativa e uma vida política assaz activa. Mas os eleitores escolheram tanto um projecto de governo de PSL como de coligação com o PP. Ou seja, não escolheram. A legitimidade de PSL para formar governo é mais que discutível. Para mais, PSL é uma figura que tanto gera fortes defensores como aguerridos opositores. Está longe de ser um político de consensos. É, sem dúvida, um político muito conhecido, mas isso não faz com que se torne num político amplamente reconhecido. O nome de PSL para o cargo de PM pode, por isso, levantar mais reservas do que aquelas que seriam admissíveis, mesmo numa situação de excepção como esta.
Desta feita, caso DB saia, parece que a melhor solução, aquela que se pode considerar mais sensata e democrática, passa necessariamente por eleições antecipadas. A julgar pelo que vai sendo divulgado na imprensa, nem a coligação, nem o Presidente da República parecem ser favoráveis a este cenário. Fala-se em estabilidade e na necessidade de evitar crises políticas. Mas parece haver aqui alguma confusão. A única crise que se vislumbra é a gestão de tempo e de informação que o PM está a fazer. É certo que DB não pode correr levianamente o risco de se precipitar. Mas está a deixar muito espaço de manobra para conjecturas que não contribuem para a tão desejada estabilidade política. Mais ainda, a saudável discussão que este caso gera está fortemente limitada pelo contexto desportivo que se vive em Portugal. A situação é altamente melindrosa e exige uma atenção especial que, como sabemos, está fortemente condicionada pelo mediatismo do Euro 2004. Por aqui sim, pode haver alguma indefinição política. Agora, ir a votos não pode ser considerado uma crise política. Votar não é, nem nunca foi, uma crise política. É uma expressão da cidadania e da maturidade democrática de um país que deve ser sempre valorizada.
A concretizar-se este cenário, é importante – é fundamental – que o próximo governo veja a sua formação e exercício legitimado. A melhor forma de o fazer é nas urnas. Os actuais intervenientes não o podem esquecer. É nestes momentos que se tem a oportunidade de ganhar ou afastar o eleitorado da política. Não se desperdice o que só raramente ocorre.