terça-feira, julho 06, 2004

Poupar quem a quê?!

Não vi a entrevista de Pedro Santana Lopes na televisão. Nem sequer me apercebi que ela se realizaria, senão teria feito o esforço. Leio agora algumas das suas palavras, referidas por vários blogues. Entre elas engasgo-me especialmente com a vontade de “poupar o povo a eleições”. Esta ideia condensa tudo o que PSL representa. O discurso fácil, baseado no imediatismo e na aceitação popular, sem olhar a consequências. Perigosamente alheio às consequências das suas próprias palavras e acções.
“Poupar o povo a eleições” é uma piscadela de olho àquele eleitorado que está farto da política e dos políticos, que, provavelmente, se abstém frequentemente, que não possui definição ideológica, que está tão separado da política que já não se interessa sobre quem faz o quê a quem. Na realidade, ainda mais do que a este eleitorado, PSL quer chegar aos que se reconhecem nesta saturação mas ainda são passíveis de ser mobilizados. Este é o primeiro ponto característico, que já tem sido numerosas vezes referido, da forma de estar na política de PSL. A preferência pelo apelo à emotividade e não à racionalidade. Porque, de facto, não se conhecem linhas de racionalidade na intervenção política de PSL. Em todos os cargos que já ocupou nunca se lhe conheceu uma fundamentação do pensamento político.
PSL quer ser – e nalguns meios é – conhecido pela obra. PSL quer que a acção funcione como produto de substituição do pensamento. Na ausência de capacidade, vontade, disciplina (o que quer que seja) para reflectir e planear, o acto é hiper-valorizado. Uma hiper-valorização artificial em que o produto final é desprovido de utilidade, de contextualização, de conexão com a própria realidade, em que as consequências nunca foram previstas ou, na melhor das hipóteses, foram menosprezadas.
O que nos remete para um segundo ponto. Na equação política que PSL formula, as consequências nunca têm lugar como variável. O perigo desta concepção da política é óbvio. Nos cargos políticos que tem ocupado, PSL tem tido a responsabilidade de gerir dinheiro que é de todos nós. Cada risco mal calculado, cada erro de planeamento e de execução é um custo suportado pelo erário público. Servem como exemplo a trapalhada do túnel do Marquês, a trapalhada do Parque Mayer, a trapalhada com o casino. Como poderão servir de exemplo as perigosas precedências da construção em altura na zona ribeirinha e da rentabilização imobiliária do Monsanto. Ou ainda a desmesurada proliferação de outdoors promocionais (muitas vezes quase no campo do culto da personalidade), a confusão, muitíssimo mal explicada e que ninguém parece recordar, da convocação de manifestações de apoio com o selo da CML, as ausências na CML para cumprir compromissos particulares, a sobreposição dos diversos papéis dos quais não abdica e a sobre-exposição a que voluntariamente se sujeita (edil, político, analista, comentador, opinion maker, etc.). Os custos já não se situam somente no âmbito financeiro, mas sim também no âmbito urbanístico, ambiental, político, ético e democrático.
É provável que PSL nem se aperceba da gravidade de muitos dos seus actos. Talvez não compreenda, pelo menos em tempo útil, como é grave o afastamento entre eleitores e eleições, entre eleitores e eleitos, que implicitamente propõe. Talvez não compreenda que, para quem se gaba de disputar e ganhar eleições, não resulta muito coerente tal afirmação. Talvez não compreenda que reduzir os actos eleitorais a períodos de fastio cuja principal característica são as fotografias dos candidatos em cartazes de rua é simplista, redutor e ilusório. É com este tipo de discurso que se quer combater a abstenção e credibilizar a política? PSL não compreende que é o maior inimigo de si mesmo. O problema é que as vítimas somos todos nós.