Cuidado com as palavras
Temos uma responsabilidade acrescida quando falamos do 25 de Abril. Porque, eventualmente, também estamos a falar para uma audiência que não viveu o 25 de Abril (eu próprio ainda não era nascido), muito menos conheceu Portugal antes dessa data. O simbolismo da data começa, assustadoramente, a desvanecer-se. Para muitos, quer pela desilusão quer pelo desconhecimento, o 25 de Abril estará realmente reduzido à condição de feriado. Mesmo assim, não consigo evitar o desconforto ao ler, no Tugir, que ‘nem se evoluiu, muito menos se revolucionou’. Julgo que até percebo onde é que o CMC quer chegar. O crescimento registado nestes 30 anos podia ter sido muito maior. Continuamos a padecer das maleitas herdadas dos 48 anos de ditadura. O caciquismo, os maneirismos anti-democráticos, o analfabetismo funcional, a irresponsabilidade e a incompetência, o compadrio que tira lugar ao mérito e à excelência, substituindo-os por interesses obscuros. Todos desejaríamos que fosse diferente, que fosse melhor. Mas o caminho entretanto percorrido afasta-nos muitíssimo da realidade vivida antes da revolução. Por isso, é necessário ter cautela com os termos empregues. Portugal teve uma revolução e teve uma evolução. O nível de vida está muito melhor do que no tempo da ditadura. Os direitos conquistados não podem ser esquecidos, nem a sua importância pode ser negligenciada. Por muito mal que estejamos agora, pelo menos podemos expressar livre e publicamente a discordância com as linhas políticas seguidas pelos governos e escolher os representantes nas instituições de poder político.
Temos a obrigação de trabalhar para dissipar as brumas que ainda nos envolvem. Não podemos é confundir os dias de nevoeiro com o breu das noites passadas, sob pena de despoletarmos um efeito perverso que contribuirá ainda mais para encobrir o significado de Abril.
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