sexta-feira, setembro 10, 2004

A candidatura de Sócrates

Miranda Calha publicou ontem um artigo de apoio a José Sócrates. O título é sugestivo: "Naturalmente, José Sócrates!". Mas o artigo, propriamente dito, começa assim:

"A demissão do secretário-geral do PS originou a realização de um congresso para escolha de um novo líder. Há três candidatos ao cargo. Julgo que José Sócrates já ganhou. Há quatro razões para tal."

De seguida, Miranda Calha enumera e explica estas quatro razões. A saber: a afirmação pela liderança (Sócrates é o único que é verdadeiramente candidato a líder), a clareza de opções (Sócrates não se compromete com coligações à esquerda), a ausência de clivagem esquerda/direita (Sócrates é o único capaz de operar no equilíbrio perfeito entre o melhor de dois mundos) e, por último, a visão do partido (Sócrates não avilta o aparelho partidário).
Estas quatro ideias dizem muito sobre a candidatura de José Sócrates, da qual Miranda Calha é apoiante. Para apoiantes como MC, Sócrates é o melhor porque quer ser um líder no partido e no país, mesmo que as eleições do PS não sejam extrapoláveis para as legislativas. A ambição parece ser mais meritória do que a validade das propostas. Outro aspecto interessante é a contradição notória entre a reivindicação de clareza de opções quando José Sócrates parece ser o candidato mais comprometido, incapaz de definir uma posição concreta sobre políticas de alianças. Nesse campo, qualquer dos seus dois adversários oferece uma posição muito mais clara e definida. Num cenário de maioria relativa nas legislativas, que nenhum candidato parece desejar, Sócrates é o único que não assegura aos seus eleitores a sua posição sobre um cenário de alianças. Ao certo, não se sabe o que esperar de uma maioria relativa com José Sócrates. Teremos uma reedição dos governos minoritários de Guterres, uma política pragmática de alianças à esquerda ou, até, um regresso ao loco central, reeditando uma aliança com o PSD? O terceiro ponto revela uma característica reconhecida na candidatura de José Sócrates. O ex-ministro do Ambiente é um herdeiro clássico da tradição guterrista de indefinição ideológica. O que nos leva de imediato a questionar a capacidade desta candidatura para apresentar soluções inovadoras. Bem pelo contrário, a candidatura de Sócrates radica em pressupostos muito conhecidos e, em alguns casos, bastante gastos. A quarta e última razão defendida por Miranda Calha como mais valia da candidatura de José Sócrates é a sua visão do partido. Mas, surpreendentemente (ou talvez nem tanto, para os mais críticos), para MC, José Sócrates representa uma vantagem para o partido ao renegar as críticas ao peso do aparelho. Aliás, à semelhança do que Jorge Coelho também vai dizendo, MC parece negar veementemente que no PS haja aparelho, caciques, interesses instalados ou relações dúbias no poder local. Para estes dois apoiantes, o PS é um partido de virgens e Felgueiras nunca existiu. Se é esta a postura dos próximos de José Sócrates, algo está muito errado com esta candidatura.
Em suma, a candidatura de Sócrates, na opinião de Miranda Calha, é uma candidatura vencedora e as razões são sobretudo a manutenção do status quo interno do PS. A análise até é boa, o problema é Miranda Calha pensar que são essas também as razões pelas quais José Sócrates merece apoio. De facto, o texto de Miranda Calha diz muito sobre a candidatura de José Sócrates, mas talvez também diga muito sobre Miranda Calha. José Sócrates pode, por causa ou apesar destas razões, ganhar as eleições para líder do PS. Miranda Calha apoia.