quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Fragmentação social

Num post no ...Blogo Existo, JPC aborda a fragmentação grupal da sociedade e manifesta algum receio que este processo conduza a um esboroamento da sociedade.
Importa dizer que a fragmentação social não implica, forçosamente, que a sociedade se esboroe à nossa frente. Permanecem laços que nos unem a todos. Tal como Giddens demonstra, há assuntos que têm um alcance global, tais como as ameaças nucleares e ambientais, pelo que nos dizem respeito a todos. Nessa medida, não parece que a(s) sociedade(s) corram o risco de colapso. Com efeito, existe uma tendência para que se criem grupos de interesses muito restritos, mas este facto é amplamente compensado pela rede de ligações que a mesma globalização permite. Os interesses podem ser cada vez mais dispersos, mas também o são as formas de interagir. Por exemplo, hoje é relativamente fácil para uma pessoa inserir-se num grupo transnacional de defesa das espécies ameaçadas da selva amazónica, ou de especialistas em medicina tradicional chinesa, etc. Para mais, não só aumentam as formas de interacção como as relações de interdependência, nem que seja puramente emocional. A tragédia que assolou recentemente a Ásia teve, a esse nível, repercussões mundiais. De forma semelhante, os atentados de 11 de Setembro provaram como um acontecimento local pode ter amplas consequências globais.

Podemos interrogar-nos, com pertinência, sobre a qualidade de cidadania que as nossas sociedades promovem. É incontestável que existem sérias ameaças neste campo e que provêm de diversos factores, muitas vezes interligados, dos quais a relação política-meios de comunicação é um bom exemplo. Mas os sentimentos de pertença estão, ainda assim, sempre presentes. O sentimento de pertença, tal como o próprio funcionamento de uma sociedade, depende dos processos de socialização e estes não estão para acabar, por mais que proliferem os micro-grupos. Somente num cenário de total ausência de referências culturais isso seria possível. Mas enquanto existirem, pelo menos, um sistema de ensino coerente, produtos culturais de massas e um sistema económico baseado no capitalismo empresarial temos asseguradas estruturas de socialização com referências comuns que abrangem várias pessoas simultaneamente.

O sentimento de cidadania que o JPC refere tem muito a ver, ainda, com a pertença a um estado-nação. Compreensivelmente, as mudanças que se têm registado, por exemplo, no seio da União Europeia levam-nos a equacionar o futuro deste conceito. Parece claro, hoje em dia, que uma pessoa se sente muito mais cidadã do seu país do que de uma região definida de forma mais ou menos abstracta como a UE. No entanto, caminha-se no sentido de uma progressiva integração e há ferramentas que podem ser utilizadas para promover o sentimento de pertença de que a UE ainda carece. Uma revisão da escolha dos representantes nacionais nas estruturas da UE e da sua capacidade de resposta aos problemas dos cidadãos, sem comprometer o louvável princípio da subsidiariedade, são dois dos aspectos que merecem maior atenção.

A globalização desenvolve-se por paradoxos. Qualquer análise não pode deixar-se apanhar nas suas teias. A sociedade transforma-se, agora a uma velocidade cada vez maior. O que está em causa são, precisamente, essas transformações. A velocidade e a profundidade destas tornam difícil perceber o seu sentido e arriscar uma previsão. Não restam dúvidas que a política tem a difícil e exigente tarefa de encontrar soluções para os problemas que se levantam, mas parece abusivo que a sociedade se possa esboroar algures pelo caminho. Trata-se, simplesmente, de definir para onde queremos ir, qual o percurso para lá chegar e quem reúne melhores condições de liderar a viagem.