quinta-feira, abril 07, 2005

Turismo religioso

Quem quis prestar a sua homenagem a João Paulo II, e chegou a tempo à fila, disponibilizou-se para aí passar 15 horas, ou mais. É um período de tempo que chega para reflectir sobre o que se quiser. Sobre a vida e a morte, sobre a fé, sobre o sacrifício pessoal e a força de vontade. Para quem assiste de fora, especialmente para quem não tem convicções religiosas, é difícil garantir que se acerta no diagnóstico das razões que levam milhares de pessoas a realizar tão penoso ritual. O que podemos tomar por garantido é que essas razões serão múltiplas e, nalguns casos, profundamente divergentes.
No entanto, mesmo para quem se dispõe a observar o acontecimento sem questionar a fé pessoal de cada um, não deixa de ser possível identificar momentos, no mínimo, desenquadrados do restante cenário. É o que acontece com as imagens dos milhares de pessoas que não resistem a fotografar o corpo do falecido Papa. Não pode haver grande concentração espiritual no momento em que se puxa da máquina fotográfica. É um comportamento que tem o seu quê de predatório. Uma versão quase turística da experiência vivida que evidencia uma necessidade de apropriação. Não chega viver o momento, torna-se necessário possui-lo, preferencialmente de forma perene. Naquele momento, de máquina fotográfica em punho, não há – é impossível que haja – uma comunhão de espírito. O momento da fotografia é um momento de posse, uma opção pelo ter em detrimento do ser. Não era isto, com toda a certeza, que a Igreja tinha em mente ao planear as exéquias.

6 Comments:

At 7:14 da tarde, Blogger Carlos Araújo Alves said...

Se não era isso então o que seria que a Igreja tinha em mente?

 
At 11:35 da tarde, Blogger Miguel Silva said...

Quero acreditar que imaginaram uma experiência mais espiritual. Um momento de dedicação dos fiéis, de comunhão com a sua Igreja.
A fotografia não tem nada a ver com isso. Não acredito que a IC se sinta confortável com esse tipo de comportamentos.

 
At 1:17 da tarde, Blogger Evaristo Ferreira said...

Eu penso que a IC, por vontade do defunto, sempre procurou envolver-se com as multidões, para daí tirar proveito - angariar + fieis.

 
At 1:17 da tarde, Blogger Evaristo Ferreira said...

Eu penso que a IC, por vontade do defunto, sempre procurou envolver-se com as multidões, para daí tirar proveito - angariar + fieis.

 
At 4:04 da tarde, Blogger cparis said...

as exéquias foram preparadas ao pormenor pelo próprio JP II.

quanto à fotografia:
despropositada? talvez.... quem sou eu para estar a julgar os outros pela sua maneira de sentir, ou de estar?
imagine que alguém que ama muito é devota do Santo Padre e está preso a uma cama. Não veria nesse gesto um acto de amor?

E que dizer dos que a tiram apenas para que ela venha a servir de inspiração para momentos de recolhimento, e de reflexão impossiveis de fazer naquele lugar naquela altura....

Mais uma vez, quem sou eu para julgar o sentimento dos outros?

 
At 5:01 da tarde, Blogger Miguel Silva said...

César, compreendo os exemplos, mas custam-me na mesma. Não é uma vivência, é uma apropriação, ainda que para terceiros ou para momentos posteriores.
Ainda como exemplo, para efeitos de inspiração posterior, não lhe parece que uma fotografia do Papa vivo é mais evocativa que uma outra com ele morto?

 

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