quinta-feira, agosto 11, 2005

Um mal de antanho

Maquiavel argumentou que um governo, para ter vida longa, devia favorecer o povo ou o exército, consoante encontrasse num ou noutro o mais poderoso aliado. Os tempos mudaram, mas mantém-se o fundamental da sua equação. O poder deve favorecer aqueles que o suportam, mesmo que à custa do bem estar de outros, contanto que estes tenham menor capacidade de colocar em risco a ordem estabelecida.

O povo, a população, a sociedade civil ou o que lhe queiram chamar, nada pode neste país. É o elo mais fraco da cadeia de relações de força. Vota, é certo, mas o seu voto é previsível. De uma forma particular, sabe-se com bastante antecipação quem serão os escolhidos nos actos eleitorais e, de uma forma geral, sabe-se que esses nomes provêm, quase sempre, de duas áreas partidárias. Nomeadamente, e para o que interessa, as eleições legislativas sempre ditaram vitórias do PSD ou do PS, da mesma forma que a maior parte das autarquias é também gerida por estes partidos. Com esta previsibilidade de sentido de voto, não é difícil estabelecer estratégias de influência para assegurar os interesses que se alimentam do poder central e do poder local.

Tendo em conta esta realidade, sendo que o povo não tem poder real, as alianças têm de ser feitas com outros actores. É desta forma que as ligações entre os partidos políticos e os grandes grupos económicos se tornam tão fortes e frequentes. Para os partidos, interessados em ascender ao poder, a ligação aos grupos económicos traz a vantagem óbvia de ter ao seu lado o aliado mais poderoso que podem conseguir. Para os grupos económicos, a ligação aos partidos permite um controlo sobre a implementação das decisões políticas que mais os favorecem, com a vantagem adicional de poderem ir alternando entre duas possibilidades consoante a conjuntura. Saem a perder os suspeitos do costume: o Estado e o seu Orçamento, alvos fáceis dos saqueadores de serviço, e o povo, contribuinte fiscal sem regalias e consumidor final numa economia dominada pelos monopólios, pela concorrência falseada e pela concertação de preços. Enquanto isso, a promiscuidade entre cargos políticos e cargos empresariais vai sendo alimentada, sendo certo, ainda, que muito mais se joga nos bastidores por quem está muito pouco interessado em dar a cara.

Não tem faltado quem pergunte como chegámos a este ponto. A resposta é simples e a única razão porque não se apresenta imediata reside no engano da formulação da questão. Os problemas com que o país se debate não são tanto um estado a que se chegou quanto um estado do qual ainda não se saiu verdadeiramente. São consequências de 48 anos de ditadura, de poder discricionário, de oligarquias e de clientelismos. Meia década em que se divergiu da tendência de desenvolvimento e abertura do mundo ocidental, em que a maior parte dos portugueses foi mantida nas trevas, porque essa era a forma que mais beneficiava as práticas atávicas que sustentavam a nossa oligarquia económica e em que a educação permitia aprender os 1001 rios que percorriam a metrópole e as respectivas colónias, mas que não preparou ninguém para o risco, nem para a mudança, nem para a inovação, em termos sociais e empresariais. Em suma, são o resultado de uma democracia jovem, imatura e fraca, que ainda não soube libertar-se convenientemente do fardo que representam esses tristes anos. E recordemos que é possível fazê-lo, como o demonstra o exemplo que vem de Espanha, a qual cresce e se afasta cada vez mais de nós.

O problema deste país não é liberdade a mais, mas sim liberdade a menos. Falta de liberdade que afecta as capacidades e os direitos do Estado, enquanto agente económico, e as capacidades e os direitos dos seus cidadão, que se vêm na obrigação de financiar um enriquecimento do qual nunca chegam a usufruir. Enquanto não se implementarem medidas que refreiem os apetites vorazes dos que lucram com o estado actual da economia, a aposta na qualidade, na competitividade e na justiça social nunca será sincera e viável.