terça-feira, novembro 18, 2003

O PS entre a Esquerda e o Centro III

Os erros de Guterres foram vários e graves. Por princípio, não me parece que os partidos devam pedir resultados eleitorais, por isso não posso considerar essa opção como muito grave. Nem sei se esses pedidos resultam na prática. O PS podia ter dramatizado mais o cenário eleitoral? Podia. Se ganhasse a maioria absoluta ganhava vantagens que serviriam para diminuir o desgaste? Depois do que assistimos, claro que sim. No entanto, julgo que a democracia se constrói com a participação de todos. É um dever dos eleitos, caso não tenham obtido maiorias absolutas, encontrar soluções governativas dentro dos limites que os resultados eleitorais definiram. Talvez seja um dos aspectos mais negativos do nosso sistema partidário o facto de parecer que não se pode governar em minoria. É com certeza uma limitação da cidadania e da democracia. De facto, limita a intervenção de outras partes, o que provoca um empobrecimento das soluções políticas avançadas.
Entre os apologistas das coligações maioritárias pode argumentar-se que o posicionamento político das diferentes forças partidárias portuguesas impede consensos alargados em matérias fundamentais. Mas, se assim for, não se pode negar a necessidade de ter um espectro político mais preenchido do que o actual. Apesar de não faltar quem queira ver os sistemas partidários somente dentro de uma lógica de oferta e procura. Se existisse um partido que se posicionasse claramente entre o PS e o PCP, admitindo que só o primeiro tem possibilidades de ganhar eleições sozinho, uma coligação estaria muito mais facilitada.
Guterres e sua via foram responsáveis pelos melhores resultados de sempre do PS. Mas também foram responsáveis pela derrota, como procurei explicar. Talvez caracterizar o resultado das autárquicas como hecatombe tenha sido incorrecto. Os resultados, se bem me recordo (não possuo os dados para afirmar categoricamente) até foram muito equilibrados em termos de votos. Só que perder as maiores cidades do país e perder a vantagem em número de autarquias é um rude golpe. Em termos objectivos, olhando para a frieza dos números, não terá sido uma hecatombe. Mas quem se lembra das expressões nas caras dos dirigentes do PS, quem nunca (nunca!) imaginou Santana Lopes e Rui Rio à frente dos destinos das suas cidades, recebeu a notícia como algo muito perto do desastre. Os números não o indicam, mas psicologicamente e politicamente foi uma noite péssima para o PS e para a Esquerda.
Já concordo inteiramente com o Paulo Gorjão quando diz que para a maioria do eleitorado a ideologia não tem qualquer importância. Podendo parecer elitista, arrisco dizer que o eleitorado, a maioria do eleitorado, não sabe bem o que são as ideologias dos partidos nem os programas que estes apresentam às eleições. A maioria do eleitorado não vota em coisas abstractas como as ideologias e os programas. Vota em propostas concretas, aparentemente palpáveis. Numa palavra, vota em promessas. Mais correctamente, vota nas promessas a que está mais sensível, se forem feitas pelo homem certo. O eleitorado não vota num candidato se este não tiver credibilidade nas áreas em que se compromete. Para exemplificar, recordo-me de uma história de um candidato brasileiro a uma prefeitura cujo lema de campanha era: rouba mas faz! Não lhe passava pela cabeça prometer seriedade, honestidade, transparência, que ninguém, porventura, lhe reconheceria. Prometia obra, o que talvez até fosse capaz de cumprir. Infelizmente, não me recordo do resultado da eleição. Mas, depois do que escrevi, espero que não seja necessário repetir qual é a minha posição sobre estes comportamentos.