segunda-feira, janeiro 26, 2004

Parecendo que não, há diferenças

No que diz respeito à cobertura mediática dos acontecimentos da noite passada, existe uma diferença, que não é tão pequena quanto isso, entre o que se vai escrevendo pelos blogues e o trabalho efectuado pelos jornalistas. Em primeiro lugar, porque uns constituem um grupo indefinido de sensibilidades que recorrem a um meio semi-público de partilha dessas mesmas sensibilidades. São visões pessoais, por vezes intimistas, que raramente vinculam mais do que o autor. Já os jornalistas constituem um grupo profissional com preparação específica para o trabalho que realizam e com muito mais responsabilidades pelos textos que assinam. O que me mereceu condenação não foram tanto as explorações e especulações inconsequentes, mas antes essa queda, e as expressões de dor que se lhe seguiram, repetida vezes sem conta. Sei que a minha sensibilidade não representa mais do que a minha pessoa, mas julgo que passar as imagens uma vez seria suficiente para transmitir todo o conteúdo emocional. E, mesmo assim, não sei se já não seria uma transmissão a mais. Não nego que a morte de um atleta de alta competição no exercício das suas competências seja notícia. Mas não estaremos a entrar em campos demasiado sensíveis quando se transmite e retransmite o momento da morte de uma pessoa? Como é que se podem tornar públicos os momentos de maior sofrimento, sem se estar a cair numa violação da privacidade alheia, seja ela da pessoa em questão ou dos que lhe estão mais próximos?
A transmissão de imagens de conteúdo violento nos noticiários pode ajudar a sensibilizar as consciências para a barbárie que grassa por demasiados locais do globo. Assim terá sido com os campos de concentração nazis, com os inúmeros genocídios em África e com o 11 de Setembro. Não sei em que medida ficámos mais sensibilizados com a retransmissão (note-se: com a retransmissão) dos momentos fatais de Feher. Não terá chegado o choque inicial?
Compreendo que o JMF veja nalguns blogues uma certa incoerência. Ainda que admitindo essa possível incoerência, quantos desses posts terão tido como principal motivação as audiências? Parece-me que o JMF está a pecar por algum excesso de ingenuidade ao não querer ver estas motivações nos órgãos de comunicação social e a confundir aquilo que cada um de nós sente perante o imprevisto com aquilo que os responsáveis pelas redacções pensam na luta pelas audiências.