segunda-feira, maio 17, 2004

A credibilidade da política

As reacções e contra-reacções blogosféricas à acumulação de cargos políticos por Edite Estrela foram várias. Vital Moreira veio relativizar o comportamento da deputada/autarca. Entre os críticos podem destacar-se Rui Branco, Paulo Gorjão e o Irreflexões. Este último tece um comentário que me parece tocar nos pontos mais importantes da questão. Nomeadamente, no que diz respeito ao exercício de cargos políticos, deve exigir-se um comportamento exemplar, cujas premissas deverão ser ainda mais rígidas do que noutros casos. Pela própria defesa do bom nome dos políticos e da política, é do interesse dos detentores destes cargos que as suas práticas estejam bem delimitadas. E, de uma forma geral, estão. Subsistem, no entanto, alguns casos que se prestam a interpretações dúbias que não ajudam a credibilidade e a respeitabilidade da política. Sobretudo numa altura em que esta enfrenta uma crise junto da opinião pública.
Retomando a relativização de Vital Moreira e os comentários do Irreflexões, é claro que o facto de não existirem incompatibilidades legais entre o exercício de vários cargos não inviabiliza que possam existir incompatibilidades físicas. Para o eleitor que sabe não ser portador do dom da ubiquidade, é insultuoso que um político faça constar que esteve presente em mais do que um local ao mesmo tempo. Ainda que a lei o permita, como já disse, é do próprio interesse dos políticos defenderem-se destas situações. E se quisermos ir um pouco mais longe, não seria demais pedir aos políticos que fossem eles os primeiros a lutar contra estas situações menos claras, furtando-se à acumulação de cargos fisicamente incompatíveis, ou até à acumulação de cargos de todo. Certamente que a exclusividade de exercício de determinadas funções, ainda que não exigível por lei, seria tida em consideração pelos media e pelos eleitores.
Por último, se bem compreendi, Vital Moreira não pretende branquear o comportamento de Edite Estrela evocando situações ainda mais escandalosas (nas palavras do Irreflexões). O que VM pretende é chamar a atenção para o facto de a atenção mediática sobre este caso permitir que outros, de contornos bastante mais escuros, sejam eclipsados. Evidentemente, não é inteiramente comparável um político que se ausenta de plenários para cumprir outros compromissos políticos e um político que se ausenta para dar seguimento à sua vida profissional particular. No entanto, ambos os casos estão para lá do limite do aceitável e por isso devem ser denunciados sem que com isso estejamos a entrar numa dicotomia fundamentalismo moralista/populismo antiparlamentar. Porque as críticas que foram feitas não entram no campo do fundamentalismo mas no do bom-senso, porque, de facto, não há outra forma de estar na política do que com moralidade e porque se se cumprirem os mínimos exigíveis estaremos a contribuir para a credibilidade das instituições políticas, quer se trate do parlamento ou doutras quaisquer.