domingo, maio 23, 2004

"Desperado"

A única forma de entender o discurso de hoje de Durão Barroso é tendo em conta a crise que o executivo atravessa. Não há outra forma de compreender a ausência total de propostas concretas para o país, os apelos bacocos à união nacional e os ataques patéticos à oposição. A forma repetida como DB recorre aos eventos que decorrem este ano em Portugal para pedir encarecidamente que não se levantem problemas ao governo é constrangedora. Como se qualquer mal-estar existente nos mais variados sectores da função pública não estivesse directamente relacionado com as privações que o governo lhe impôs. Como se as reivindicações dos trabalhadores da função pública não tenham origem directa no incumprimento por parte do governo dos compromissos que tem para com a sua principal força de trabalho.
Durão Barroso, à imagem do que tem sido a actuação do governo que chefia, demonstrou-se incapaz de assumir as suas responsabilidades. Mais uma vez, a culpa pode ser de toda a gente menos daqueles que têm, há mais de dois anos, a missão de decidir o presente e o futuro do país. Se as finanças não se endireitam, a culpa é do PS. Se há insatisfação social, a culpa é do PCP. E quando alguém apresenta alternativas concretas, pode sempre dizer-se que é a oposição que anda a reboque da agenda do BE.
No meio de toda esta ineficácia política, DB tenta desesperadamente continuar a fazer-nos acreditar que estamos no bom caminho. O problema do primeiro-ministro é que o seu discurso surge a contra-ciclo. No final do governo PS, quando os portugueses tinham mais poder de compra, as empresas não se encontravam asfixiadas, havia mais receita fiscal e o défice não estava disfarçado por medidas extraordinárias que depauperam o Estado, o PSD procurava dramatizar a situação económica e financeira do país. Agora que lhe convém, por razões meramente eleitoralistas, reverter o discurso, o país encontra-se mergulhado numa profundíssima crise, o desemprego atinge números assustadores, os trabalhadores perdem direitos e poder de compra e a justiça, a educação e a saúde atravessam um dos períodos mais conturbados dos últimos anos.
O congresso do PSD e o discurso de DB reflectiram os problemas que o governo atravessa: a falta de ideias, a falsa unanimidade, a desculpabilização e a desresponsabilização. Estamos a meio do mandato e a coligação PSD-PP já deu o melhor que tinha para dar. A agonia só dura mais dois anos.