As eleições do PS
A vitória de José Sócrates não sofre contestações. A escolha dos eleitores foi clara e confere-lhe uma margem de manobra muito confortável para moldar o PS à sua imagem. É de esperar uma reedição do guterrismo, mas com o estilo de José Sócrates. O que quererá dizer que talvez haja menor abertura ao célebre diálogo que caracterizou a direcção de António Guterres e maior capacidade de decisão. No entanto, aguardam-se as primeiras medidas para perceber onde vai ser traçada a linha de orientação. Sócrates, que tem fama de ter uma “personalidade difícil”, talvez não seja tão conciliador como Guterres chegou a ser. Mas vai precisar de muita força para resistir à tentação de navegar à vista das sondagens de popularidade. E vai precisar de muito trabalho para transformar a sua imagem mediaticamente apelativa em conteúdo político.
Por seu lado, o resultado da candidatura de Manuel Alegre fica aquém das expectativas. Os números são tão pouco expressivos que é provável que as intenções manifestadas pelo candidato de dar continuidade ao movimento criado não possuam fundamentação. A constituição de grupos de reflexão organizados pode não ter acolhimento junto das bases do partido. Tendo a candidatura de Alegre a fama de ter nascido de uma congregação de notáveis, poderá afastar muitos militantes que têm uma concepção pejorativa da política feita por intelectuais, sobretudo agora que o partido está sob a liderança mediática de José Sócrates. Na realidade, o espaço de relevo que a esquerda do PS vai ocupar dentro do partido vai depender muito da vontade da nova direcção. Se Sócrates fechar as portas, a esquerda do PS fica em stand by, à espera de melhores dias.
O grande derrotado é, sem dúvida, João Soares. O resultado é de tal forma decepcionante que talvez tivesse sido sensato optar pela desistência. Mas, pelo menos, tem a mais valia de ter levado até ao fim aquilo a que se propôs. É mais do que muita gente na política pode afirmar. Não falta já quem coloque em causa o seu futuro político e até parece razoável que estas interrogações surjam. Mas talvez ainda seja cedo para se vaticinar o encerramento do ciclo soarista no PS. Subestimar o peso e a influência da família Soares é uma precipitação. Para mais, em Portugal ninguém morre politicamente. Mais cedo ou mais tarde, todos renascem, mesmo das cinzas mais antigas.
Com José Sócrates, a ideologia do PS vai, sem surpresas, passar a ter uma orientação mais centrista, o que é um bom eufemismo para não assumir uma viragem à direita. A diferença em relação ao guterrismo, neste aspecto, pode passar por uma maior liberdade em relação à influência da Igreja. Se, do ponto de vista económico, se pode esperar um PS mais à direita, do ponto de vista social, talvez se possa esperar um PS mais independente e progressista.
Outro aspecto importante é que o PS vai ficar mais parecido com o PSD. Não só na aproximação (friso: aproximação) no campo da teoria económica, mas também na eventual desideologização do partido. Na realidade, o PS de Sócrates apresenta uma enorme vocação de poder, de uma forma que talvez ainda não se tivesse assistido, nem mesmo com Guterres. Perante a promessa de vitória da candidatura de Sócrates, o partido respondeu de forma esmagadora. O aparelho mexeu-se num só sentido e os militantes foram sensíveis ao apelo. Com Sócrates, o PS está preparado para se orientar exclusivamente para as vitórias eleitorais. O que não é necessariamente bom, nem para o exercício do poder, nem para o sistema democrático, nem sequer para o PS.
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