As motivações dos eleitores
Confesso que desisti de comprar o Expresso há uns meses, pelo que este post é exclusivamente baseado na informação disponível no post 1929 do Bloguítica. O Paulo que me corrija se eu estiver enganado, mas a argumentação que utiliza é claramente contraditória com a análise que se pode fazer da respectiva sondagem do Expresso. O Paulo diz que o discurso de Manuel Alegre colhe menos apoios fora do PS, mas a sondagem parece contradizer esta teoria.
Na minha opinião, os universos não são realmente equiparáveis. Não se pode extrapolar resultados do grupo de militantes para o de simpatizantes/votantes e vice-versa. São realidades sociais distintas, há muitos interesses (sem conotação pejorativa) diferentes, muitas relações de poder, de identificação e de influência que não são, de todo, comparáveis. Mas se tivesse que arriscar, diria que é exactamente o contrário do que o Paulo argumenta. O PS, neste momento, com esta conjuntura, aparenta estar muito menos receptível a uma candidatura como a de Manuel Alegre. As razões são simples: Sócrates é, há muito tempo, apontado como um dos mais prováveis nomes do partido com capacidade para ganhar as legislativas. E estas coisas vão-se sedimentando no imaginário do eleitorado. Mais ainda quando se trata do eleitorado militante de um partido. O que está aqui em causa é uma atracção pelo poder, à qual não será indiferente o facto de o aparelho (igualmente sem conotação pejorativa) ter apoiado em massa a candidatura de José Sócrates.
Aliás, esta poderá ser a explicação para João Soares ter atingido números tão baixos. A sua candidatura foi, desde sempre, apontada como pouco credível, não-ganhadora, para marcar terreno interno e sem pretensões verdadeiras de vitória. João Soares, pelo menos nos últimos tempos de campanha, ainda tentou inverter esta visão, repetindo diversas vezes a vontade de levar até ao fim a candidatura, adoptando um discurso de vitória, talvez mais que a própria candidatura de Alegre, que, por sua vez, a certo ponto dava a entender a impossibilidade de vitória e começava a preparar terreno para minimizar a derrota. São exemplos disso todas as referências de Alegre à irredutibilidade do movimento ao processo eleitoral e ao capital de transparência, não só ideológica, mas também de prática partidária.
Por estes motivos, o mais provável é que o eleitorado que não milita no PS, mas que se revê numa ideologia política suficientemente próxima para se afirmar votante, esteja mais receptivo a clarificações ideológicas (felizmente, julgo que isto seja real também para o eleitorado de outras forças políticas). Pode concluir-se que não são as posições ideológicas mais definidas que afastam o eleitorado, mas sim os unanimismos e o centrismo político, a noção de que, mais coisa menos coisa, “é tudo igual”. A política indefinida, titubeante e ziguezagueante tem mais razões para desmotivar o eleitorado do que uma orientação mais à esquerda do PS. Até porque ninguém no seu perfeito juízo pensa que com Manuel Alegre, ou com João Soares, ou com Ferro Rodrigues, o PS se transformaria numa força de extrema-esquerda e faria regressar as nacionalizações, a reforma agrária, o PREC e sabe-se lá que mais. Mas, por outro lado, com Sócrates sabemos que vamos ter um PS muito mais perto do PSD. Se José Sócrates não tiver aprendido estas lições, não chegará sequer a atingir o estado de graça que Guterres alcançou.
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