segunda-feira, novembro 29, 2004

Jorge Sampaio e o PS perante a degradação do situação política

As opiniões dividem-se entre os que defendem que o Presidente deve convocar eleições quanto antes e os que acreditam na fórmula pedagógica de deixar a coligação cumprir o seu mandato integralmente. Pelo meio sempre vai havendo quem argumente que Jorge Sampaio aguarda o momento mais adequado para retirar o suporte a Santana Lopes e a Paulo Portas, momento esse que ocorrerá quando o PS atingir o seu momento mais forte como alternativa.
Existem várias objecções que se podem colocar a esta teoria. Primeiro que tudo, não é admissível que o país, na sua vertente social e económica, continue a sofrer às mãos de um governo manifestamente mal preparado para as suas funções. A experiência pedagógica, para além de ser bastante discutível como tal, tem um custo elevadíssimo. Estamos a assistir a uma degradação galopante do cenário político, a uma deterioração das condições de vida da população, a um enfraquecimento dos direitos de protecção social e a uma tentativa de subversão de princípios fundamentais do funcionamento democrático da sociedade. É incompreensível que se pretenda continuar a sujeitar a sociedade portuguesa a tamanhas provações, até porque as consequências de muitos destes actos são não só gravíssimas como provavelmente de difícil ou mesmo impossível correcção. A colocação de comissários políticos na comunicação social, na administração pública e nas empresas com participação do Estado está em curso e promete ser um dos assuntos mais difíceis de corrigir. Quando um novo governo tomar posse, haverá lugares estratégicos ocupados por pessoas que não possuem mais qualificações para as suas funções do que os laços pouco transparentes com os políticos que os nomearam. Como é que esse governo poderá obviar esta questão? Demitindo os implicados, com as já famosas indemnizações que isso acarreta, ou através de uma convivência previsivelmente conflituosa?
Em segundo lugar, é politicamente insustentável que o Presidente da República, amiúde definido por outros e por si mesmo como “o Presidente de todos os portugueses”, defenda implícita ou explicitamente os interesses de uma força partidária em particular. O Presidente da República é uma garantia do regular funcionamento das instituições, uma figura que zela pelos interesses de todos e não pelos interesses de somente alguns. É incompreensível que se defenda uma perspectiva que privilegie os interesses eleitorais do PS em detrimento dos interesses sociais e económicos, e até democráticos, do país. Não há sustentação lógica nem ética para este género de argumentação.
Já quando ocorreu a crise originada pela demissão de Durão Barroso, o que se pedia com as eleições antecipadas era que se legitimasse politicamente o novo governo, apesar do apoio parlamentar que suportava e suporta a coligação PSD-PP. Nunca se pediu que se desse a hipótese a uma determinada força política de ascender ao poder, aproveitando um momento de fraqueza do governo de então. O que se queria era que o eleitorado, dadas as condições específicas da situação, fosse chamado a pronunciar-se. Se a vitória tivesse sorrido à coligação, seria essa a solução com que teríamos de nos contentar. O governo daí resultante teria a legitimidade política de que este carece, sendo certo que com Santana Lopes como PM e com o mesmo leque de ministros a desacreditação pela acção governativa seria uma consequência igualmente inevitável.
Quero crer que a inacção do Presidente em matéria de convocação de eleições antecipadas se deve ao custo político de se contradizer em tão curto espaço de tempo. Jorge Sampaio está preso à decisão que tomou. Quanto mais cedo retirar o apoio ao actual executivo maior será a percepção da dimensão do seu erro de análise. A posição do Presidente está, portanto, muito mais enquadrada numa perspectiva de gestão da sua identidade política, procurando sair desta situação o menos desacreditado possível, do que noutra perspectiva qualquer, seja ela pedagógica ou o que se lhe queira chamar.
Mas se, por outro lado, Jorge Sampaio considerasse realmente a opção de aguentar o actual executivo em função das conveniências eleitorais de determinado partido poderíamos afirmar que o Presidente teria perdido completamente a noção das suas funções e se teria afastado dos conceitos básicos que devem presidir ao seu exercício. Neste caso, Sampaio já não seria apenas um mero espectador da degradação da vida política do país e do nosso sistema democrático, mas sim um interveniente activo nessa mesma degenerescência dos valores fundamentais que o regulam.
Evidentemente, de um ponto de vista político e eleitoral, ao PS pode interessar aguentar um pouco mais a actual situação. Será sempre preferível que as eleições ocorram num momento em que o partido constitua uma alternativa credível, com um conjunto coeso de propostas e de estratégias, sob pena de parecer que os resultados eleitorais são mais uma derrota da coligação do que uma vitória do PS. Mas este interesse particular não deixa de colidir com a realidade tal como foi caracterizada acima. A situação do país continua a agravar-se e o PS move-se num delicado equilíbrio entre a maximização dos proveitos políticos da inabilidade governamental de Santana Lopes e o mero oportunismo político. A única solução viável para o PS passa por cerrar fileiras, definindo rapidamente uma linha de acção que se apoie em medidas alternativas concretas inseridas num projecto consistente, e pedir a convocação de eleições antecipadas quanto antes. O país agradeceria.