quarta-feira, fevereiro 23, 2005

A superioridade moral dos votos

Ivan Nunes publicou, ainda antes das eleições, uma reflexão longa, porém muito interessante, sobre o seu sentido de voto. Nela discorreu sobre a agenda do BE, a agenda do PS e respectivas diferenças.
Mas não é sobre essa parte do texto que me quero debruçar. Em jeito de introdução, Ivan Nunes tece algumas considerações sobre o voto em branco. Fundamentalmente, estas considerações baseiam-se em generalizações e, como todas as generalizações, são profundamente injustas, quando não simplesmente erróneas. Há, subjacente a toda essa parte do texto, uma superioridade moral que em nada difere da que é apontada aos votantes em branco.
Mesmo considerando todas as implicações futuras de um acto eleitoral, o voto é algo entre o votante e a sua consciência. Outra coisa é que seria de estranhar. Aliás, só assim faz sentido a reflexão que cada um faz para decidir o seu voto. Se assim não fosse, o votante não passaria de um inimputável, de um inconsequente ou de um clubista. Também os há, é certo, mas não deve ser essa a essência do voto. O voto deve ser reflectido, deve ser contextualizado e devem ser avaliadas as suas implicações.
As consequências sociais do voto não deixam de estar presentes só porque a opção escolhida passa pelo voto em branco. Pelo contrário, podem ser essas mesmas consequências que impedem uma pessoa de sancionar com o seu voto a chegada ao poder de determinado grupo de interesses, de determinada filosofia social ou de determinado modelo económico.
Por outro lado, o voto em branco pode traduzir, mais do que uma recusa do sistema político, uma falta de representação ideológica no sistema partidário. Distancia-se da abstenção na medida em que permite compreender que o eleitor optou por não escolher. A abstenção é incapaz de garantir, por exemplo, que o eleitor levou a cabo uma opção voluntária, ou se apenas se viu impossibilitado de se deslocar às mesas de voto. Desta forma, o voto em branco é um indicador muito mais concreto do que a abstenção.
Não me parece razoável fazer juízos morais sobre o voto, exceptuando, talvez, algumas circunstâncias muito particulares. A Constituição garante que ninguém deve ser discriminado pelas suas opções políticas e isso inclui, evidentemente, o voto em branco. Graduar valorativamente a respeitabilidade da orientação do voto é uma acção profundamente discriminatória que vai contra os princípios básicos da democracia.
Embora concordando que o voto é um assunto substancialmente muito diferente do da religião, do amor ou do sexo, julgo que, acima de tudo, não deixa de ser uma matéria pessoal. Pensar que se deve divulgar o sentido do voto é, na realidade, uma séria limitação às liberdades individuais. Quem quer divulga, quem não quer não divulga e não deve ser censurado por isso. Apesar das diferenças, quando interrogado sobre a orientação do voto, tal como sobre a orientação religiosa ou sexual, a resposta pode ser a mesma: ninguém tem nada a ver com isso. Se querem pedir satisfações, façam-no, sobretudo, a quem de direito, aos representantes políticos, aos que governam, aos que decidem. Não a quem vota.

1 Comments:

At 2:36 da tarde, Blogger mfc said...

Eu, por exemplo, não consigo votar em branco, quanto mais deixar de votar.
Não critico, mas não entendo essa opção.

 

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