As cores da criminalidade
O pior que podia acontecer era que o problema da criminalidade se viesse a transformar numa questão étnica. Já aqui escrevi que não há qualquer interesse em revelar nomes, e muito menos fisionomias, de suspeitos, arguidos ou condenados. A menos que o nome e a circunstância se revelem manifestamente de interesse público. O que, geralmente, não costuma ser o caso.
Percebem-se as lógicas que estão por trás de divulgações deste género, mas estas não deixam de ser inaceitáveis. Fazer demagogia com a segurança das pessoas é fácil. É fácil porque mexe com sentimentos muito fortes em cada um. É normal que a criminalidade gere um instinto de justiça. De uma forma geral, qualquer sociedade quer ver a criminalidade reduzida à expressão mínima, da mesma forma que pretende ver os prevaricadores castigados e as situações reparadas, na medida do possível. Um dos castigos é a desacreditação social dos infractores. E funciona bastante bem, o que se pode comprovar pela marginalização que acompanha o percurso social de uma boa parte dos ex-condenados. Para algumas pessoas, no entanto, isso parece não ser suficiente. É preciso, também, atribuir uma cara e um nome ao mal.
Esta noção de justiça já pouco tem a ver com o sistema retributivo que supostamente está generalizado nas sociedades modernas ocidentais. O que essa concepção releva é a imposição de uma perspectiva quase puramente punitiva. A situação ficará reparada com o castigo do infractor, com o seu sofrimento, tal como este fez sofrer aqueles que prejudicou.
Por várias razões, o ser humano revela grande facilidade na construção mental de grandes grupos. Desde logo, por economia de esforço, para facilitar o relacionamento social. Desta forma, uma pessoa apenas precisa de aprender a relacionar-se com grupos de pessoas. Estereotipando não há necessidade de processar informação personalizada sobre todos os indivíduos com quem se entra em interacção. Se, por um lado, isto facilita o relacionamento no quotidiano, por outro, distorce significativamente a percepção do outro. A divulgação de dados referentes à nacionalidade ou à etnia dos suspeitos, por tudo isto, não só não se recomenda como deve ser alvo de forte crítica. Em rigor, a cor da pele ou o local de nascimento das pessoas não determina a sua tendência para o crime. No fundo, possui tanta relevância como a análise da cor do cabelo ou da cor dos olhos. O que existe são condições sociais que potenciam trajectos de vida ligados à marginalidade e à criminalidade.
O facto de ser relativamente fácil identificar determinados grupos que vivem nestes contextos sociais merece atenção e preocupação, mas por outras razões bem diferentes. A marginalização e exclusão social de grupos sociais é que merecia ser a notícia associada aos casos mais recentes de violência contra as forças policiais. Mas isso daria muito mais trabalho.
9 Comments:
Caro amigo,
Descreveu apenas metade da realidade. A politicamente correcta.
Quando tiver filhos seus na Escola Bartolomeu Dias em Sacavém onde existem turmas que conseguem ter dois alunos brancos, e onde os grupos étnicos baseados no Prior Velho e na Quinta do Mocho se degladiam com navalhas e se ameaçam com armas de fogo, e onde os carros dos professores são diariamente riscados e furados os pneus, venha, então, dar lições de tolerância étnica.
O meu amigo fala, certamente com boa intenção, do que deveria ser. Provavelmente não conhece o que está a acontecer.
Como podemos nós integrar - com a elevação propria das pessoas de bem - grupos étnicos que pura e simplesmente não se querem integrar, mantendo costumes, língua, fechando-se sobre si próprios numa realidade cultural e microeconómica de tipo tribal ?
Sabe que há miúdos naquela escola que só falam crioulo ?
Infelizmente para aqueles que gostariam de viver num mundo perfeito, a realidade é implacável para os princípios que você alinhavou.
E espero que tenha percebido que não sou nenhum tenebroso racista.
Tenho 3 filhos...
Atribuir determinadas características a uma etnia tem nome. Esse nome, lamento dizer-lhe, é racismo. O facto de ter três filhos a viver essa realidade no dia-a-dia permite compreender o seu interesse particular na questão, mas não inviabiliza o diagnóstico.
Confesso que tenho dificuldade em perceber, exactamente, qual(is) o(s) aspecto(s) do meu post que lhe merecem maiores reservas. Se me quiser referir uma realidade social muito específica, que é a das periferias dos grandes meios urbanos ou a dos bairros de habitação social, estou inteiramente à disposição para debater esse assunto. O que não pode é partir do pressuposto de que a integração de imigrantes depende, em exclusivo, da sua maior ou menor vontade para tal, que os exemplos que referiu servem de termo padrão para aferir a identidade de toda uma comunidade imigrante, ou que é boa política impor certos modelos culturais em detrimento de outros.
As razões que estão por trás da criminalidade e da falta de integração social estão amplamente estudadas e não têm nada que ver com cor de pele. Se não conhece exemplos de escolas em que os problemas de violência que relatou são característicos de alunos caucasianos, então, provavelmente, é você que anda mal informado.
Também já tive para responder ao teu post. Porque me incomódam os antolhos, que queres colocar à quem quer olhar para o problema. Com boas intenções, claro. Mas não deixas de, à priori, exprimir a proibição de constatar eventuais factos:
Qua a criminalidade tem maior expressão em bairros maioritáriamente habitados por certas entnias. Ou que a percentagem de certas etnias nos delinquentes é maior do que corresponde a sua representação na população geral.
Porque temes que alguém concluisse, indevidamente, sim, que o "preto tende a ser criminoso".
Mas o medo de fazer observações porque se teme as eventuais conclusões que lhes pode tirar, é o caminho aberto para a desonestidade intelectual. Outro nome é "políticamente correcto", sim.
Uma questão política é se dou maior ou menos relevo a essas observações, e se dou o enquadramento ou nessessário ou não...
Expressei-me mal, então. Não sei se isto ajuda muito a minha causa, mas eu não quis impedir ou proibir abordagens. Por regra não o faço. Acredito na liberdade de expressão, mesmo que os pontos de vista assumam uma forte radicalidade. Se uma pessoa tem, por exemplo, convicções racistas, xenófobas ou fascistas deve poder dizê-lo. E eu devo poder criticá-la. O que fiz no comentário foi uma crítica. A minha escolha de palavras não terá sido a mais feliz, ok. Admito ainda que o comentário foi fortemente influenciado por dois aspectos: o facto de me terem sido imputadas supostas lições de tolerância étnica e o facto de, provavelmente, não saber do que estava a falar. Não gostei, admito. Outro aspecto relevante foi a tentativa de fazer notar que não é racista somente quem anda a sovar ou a desconsiderar pessoas de outras raças. O racismo está presente na forma como as etnias são percepcionadas.
Em relação ao post em si, considero evidente que a morte violenta de um polícia é tema de noticiário. Reconheço que isso não está explícito no post, o que é uma falha. Mas acho inqualificável ouvir jornalistas a perguntar – como, de facto, ouvi – qual era a raça do suspeito. Continuo a argumentar a esse respeito que é uma pergunta, no mínimo, irrelevante.
Também não me parece que esteja em discussão, por nenhum de nós os três, que a cor de pele, por si só, é relevante para compreender o crime. Foram referidos factores de ordem sócio-cultural que podem e devem ser analisados. Mas, assim sendo, temos de falar das coisas de uma forma abrangente. Temos de referir políticas de imigração, políticas de protecção social, políticas de habitação, políticas de emprego e da segurança social, políticas de integração, políticas de família e de menores, políticas de ocupação de tempos livres para crianças, políticas de segurança, políticas de reinserção social e políticas de formação e de remuneração dos profissionais que têm de lidar com estas realidades. É complicado, claro, e foi isso que procurei salientar no fim do post. No tempo limitadíssimo de uma peça noticiosa, é mais fácil deixar implícito que os habitantes dos bairros degradados e dos bairros sociais têm uma elevada tendência para gerar problemas.
E agora vou ali acima tentar explicar que o post sobre o Freitas era para ser considerado uma piada ligeira.
Note to self: ter mais cuidado a escrever posts.
Expressei-me mal, então. Não sei se isto ajuda muito a minha causa, mas eu não quis impedir ou proibir abordagens. Por regra não o faço. Acredito na liberdade de expressão, mesmo que os pontos de vista assumam uma forte radicalidade. Se uma pessoa tem, por exemplo, convicções racistas, xenófobas ou fascistas deve poder dizê-lo. E eu devo poder criticá-la. O que fiz no comentário foi uma crítica. A minha escolha de palavras não terá sido a mais feliz, ok. Admito ainda que o comentário foi fortemente influenciado por dois aspectos: o facto de me terem sido imputadas supostas lições de tolerância étnica e o facto de, provavelmente, não saber do que estava a falar. Não gostei, admito. Outro aspecto relevante foi a tentativa de fazer notar que não é racista somente quem anda a sovar ou a desconsiderar pessoas de outras raças. O racismo está presente na forma como as etnias são percepcionadas.
Expressei-me mal, então. Não sei se isto ajuda muito a minha causa, mas eu não quis impedir ou proibir abordagens. Por regra não o faço. Acredito na liberdade de expressão, mesmo que os pontos de vista assumam uma forte radicalidade. Se uma pessoa tem, por exemplo, convicções racistas, xenófobas ou fascistas deve poder dizê-lo. E eu devo poder criticá-la. O que fiz no comentário foi uma crítica. A minha escolha de palavras não terá sido a mais feliz, ok. Admito ainda que o comentário foi fortemente influenciado por dois aspectos: o facto de me terem sido imputadas supostas lições de tolerância étnica e o facto de, provavelmente, não saber do que estava a falar. Não gostei, admito. Outro aspecto relevante foi a tentativa de fazer notar que não é racista somente quem anda a sovar ou a desconsiderar pessoas de outras raças. O racismo está presente na forma como as etnias são percepcionadas.
Em relação ao post em si, considero evidente que a morte violenta de um polícia é tema de noticiário. Reconheço que isso não está explícito no post, o que é uma falha. Mas acho inqualificável ouvir jornalistas a perguntar – como, de facto, ouvi – qual era a raça do suspeito. Continuo a argumentar a esse respeito que é uma pergunta, no mínimo, irrelevante.
Também não me parece que esteja em discussão, por nenhum de nós os três, que a cor de pele, por si só, é relevante para compreender o crime. Foram referidos factores de ordem sócio-cultural que podem e devem ser analisados. Mas, assim sendo, temos de falar das coisas de uma forma abrangente. Temos de referir políticas de imigração, políticas de protecção social, políticas de habitação, políticas de emprego e da segurança social, políticas de integração, políticas de família e de menores, políticas de ocupação de tempos livres para crianças, políticas de segurança, políticas de reinserção social e políticas de formação e de remuneração dos profissionais que têm de lidar com estas realidades. É complicado, claro, e foi isso que procurei salientar no fim do post. No tempo limitadíssimo de uma peça noticiosa, é mais fácil deixar implícito que os habitantes dos bairros degradados e dos bairros sociais têm uma elevada tendência para gerar problemas.
E agora vou ali acima tentar explicar que o post sobre o Freitas era para ser considerado uma piada ligeira.
Note to self: ter mais cuidado a escrever posts.
Ó miguel, estamos aqui na Blogosfera, e acho que temos o privilégio de publicar posts sem de antes ter blindados todos os flancos que o nosso raciocínio oferece.
Quanto a mim, não estou nada seguro e em paz comigo próprio em relação como lidar com este problema. Porque sei muito bem que há um preconceito, que há xenofobia e que há racismo, e notícias que realçam o facto (nem sei se é facto, netste caso...) de o delinquente ser negro, alimentam esses sentimentos e apelam ao raciocínio fácil.
Só também sei, e aqui acho que somos nós, os bem intencionados, especialmente vulnerável para cair no "politicamente correcto" (que é uma forma de estupidéz) - sei que a auto-censura moral que nos proibe de olhar para um problema por determinados ângulos, por medo de chegar a conclusões que "não podem ser", não pode estar certo. Reslovi, de forma pouco satisfatória, a questão tentando fazer todas as abordágens falando só para comigo, mas falando para fora só em tom baixinho e com muitas cautelas.
Mas há outra questão que me incomoda muito nesta questão: Arranjamo-nos um grave handicap no debate com os preconceituosos: Como argumentar com eles, se estamos já de mãos atados e descredibilizados pelo tabu bem visível que arrastamos connosco?
Eu tenho o defeito ou a virtude de escrever, sobretudo, para mim – tanto na forma como no conteúdo. Foi a melhor forma que encontrei para gerir a minha relação com o blogue. Tem vantagens – sofro menos crises de ansiedade opinativa e é menos frequente querer acabar com o blogue – e tem desvantagens – estou mais sujeito a dar certas coisas como garantidas e a prejudicar a argumentação.
Essa pergunta é interessante, mas parece-me demasiado complexada. Todos acabamos por ter telhados de vidro. Se, nalguns casos, eles nos diminuem a autoridade, noutros não ficamos, forçosamente, de mãos atadas. Portanto, julgo eu, depende muito do caso em si.
Mesmo que estejamos de certa forma comprometidos, isso também não inviabiliza que nos desmarquemos daquilo que consideramos menos correcto na nossa linha de argumentação e prossigamos o debate. Penso que a honestidade intelectual passa, também, por aqui. Aliás, é confrontando as nossas ideias que melhor compreendemos a sua solidez. Limitar a argumentação acaba por ser mais asfixiante e comprometedor do que aceitar as fragilidades que todos carregamos.
Revejo-me nesse desconforto, mas a alternativa não deve ser imobilismo.
Os fenómenos migratórios sempre serviram para compensar “deficits” demográficos expressos nas necessidades de mão-de-obra.
guma.blogs.sapo.pt
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