quarta-feira, março 02, 2005

O crescimento do BE e as estratégias do PS (II)

No post anterior ficou por analisar a estratégia ideológica de governação do PS.
Deve o PS direccionar-se mais para o centro ou mais para a esquerda?
Trata-se, obviamente, de uma questão ideológica, mas tentemos ver a coisa pelo aspecto prático, ou seja, do ponto de vista dos interesses eleitorais do PS.
O PS dispõe, nesta legislatura, de condições objectivas para orientar a sua governação conforme lhe aprouver. Pode procurar consensos ou entendimentos pontuais, mas não está preso a eles para aprovações no hemiciclo. Pode e deve, por isso, implementar as reformas que julgar necessárias. Nem outra coisa dele se espera nestes quatro anos que se avizinham.
Determinados sectores do PS têm reclamado uma governação de esquerda, usando como argumentos o facto de ser necessário segurar este eleitorado, assim como a necessidade de conter o ameaçador crescimento do BE. Não sendo de crer que o BE tenha muito mais por onde crescer, não deixa de ser relevante, no entanto, verificar a implantação dos partidos nos respectivos eleitorados.
As transferências de votos ao centro, entre PS e PSD, não são, obviamente, de desprezar. Mas, tal como refere André Freire num estudo publicado em 2001 sobre movimentos eleitorais, as transferências de votos dentro dos blocos ideológicos parecem ser muito mais relevantes para a definição dos resultados eleitorais. Com efeito, o BE tem vindo a ganhar peso em áreas que tradicionalmente favorecem a votação no PS, como os meios urbanos. Analisando os resultados nas eleições legislativas, Freire conclui que as clivagens tradicionais (urbano-rural, capital-trabalho, centro-periferia, religiosidade-secularização) detêm maior relevância para a compreensão do sentido de voto do que, por exemplo, a conjuntura económica ou as taxas de desemprego. Ou seja, a teoria do eleitor racional, nas eleições legislativas nacionais, não tem tanta aplicação como a das clivagens sociais.
Desta forma, faz todo o sentido que o PS não seja atraído pelo mito do peso fundamental do centro. O PS é, porventura, o partido que regista uma distribuição geográfica de apoio eleitoral mais equilibrada. Mas o apelo que exerce faz-se notar mais vincadamente nos meios sociologicamente conotados com a esquerda. É nesses meios que o PS fortalece os seus resultados eleitorais. Ignorá-lo acarretará custos mais altos do que uma suposta alienação do centro. É a esquerda que vota e dá vitórias ao PS. Faz todo o sentido que seja para a esquerda que o PS governe nos próximos anos. Se assim não for, haverá actuais eleitores do PS que votarão mais à esquerda (e neste caso o BE teria mais a lucrar que o PCP), haverá actuais eleitores do PS que se refugiarão na abstenção e, eventualmente, haverá até eleitores que, para ter um governo de direita, pensarão que mais vale votar PSD. Neste caso, não será somente a renovação da maioria absoluta que estará em causa, será a renovação da vitória eleitoral. O PS terá desperdiçado a oportunidade que as eleições de 2005 lhe deram.

3 Comments:

At 12:12 da tarde, Blogger LFP said...

Discordo num ponto fundamental: O PS tem muito mais a perder se governar à esquerda. Estive, por curiosidade a fazer umas contas com uns conhecidos meus dirigentes do PS. Tendo em conta as transferências de voto desde 85, podemos dizer que há uma franja de 15%-20% que pode ir para o PSD e uma franja de 5%-10% que pode ir para o BE. Não devemos também desprezar o facto de o BE ter dado um salto (não ideológico, mas de discurso)por cima do PCP, para a social-democracia nórdica. O objectivo é mesmo esvaziar o mais possível a bolsa eleitoral de esquerda do PS, tal como o PP de manuel Monteiro tentou fazer à bolsa eleitoral de centro-direita do PSD.

 
At 4:22 da tarde, Blogger Miguel Silva said...

Não sei se o salto ideológico do discurso do BE se prende com o objectivo de esvaziar a esquerda do PS ou com uma necessidade de adaptação mediática, embora reconheça que o resultado prático possa ser o mesmo.
O estudo do André Freire faz uma tem como unidade de análise o concelho. Como ele várias vezes admite, precisa de ser complementado com inquéritos individuais. Mas ao nível a que é feito, as conclusões são aquelas que, de forma muito breve, referi. Tenho curiosidade em saber como é que chegaram a esses números (15 a 20% para o PSD e 5 a 10% para o BE). Se não o considerar deselegante nem abusivo, gostaria de pedir que me explicasse esse raciocínio.

 
At 10:09 da tarde, Anonymous Anónimo said...

1- bons post(o 1 e o 2 sobre o crescimento do be,co-relacionado com a forma como o ps deve ou não governar)
2-cheguei aqui via bloguitica - em principio marcarei este blogue nos meus favoritos.
3- discordo de algumas coisas no post como de resto a realidade(a recente formação de governo)já se começa a desembrulhar e a mostrar que o proprio post é ,de algum modo ultrapassado pela realidade - se a ideia(do ps) é governar à"esquerda" não será com correia de campos/alberto costa que o conseguirá - 1 é liberal, o outro é imcompetente...logo,resta saber se os ziguezages costumeiros do ps já se começam a manifestar -pessoalmente penso que sim.
4-para lá das eventuais perdas se governar à esquerda ou a direita consoante a dor de cabeça do dia ,o ps deve é governar, tarefa que ainda nunca decidiu fazer desde que esteve no poder...

 

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