Pluralidade
O diagnóstico feito no post anterior coloca-nos numa situação delicada. Com os aparelhos dos dois partidos que se apresentam alternadamente no exercício do poder dominados por relações dúbias, impõe-se uma alteração que salvaguarde os interesses do bem comum e da ética democrática. Desde logo, não se pode esperar que os partidos políticos tenham como meta última e única o bem comum. Os partidos políticos são, sobretudo, grupos de interesse, assim como o exercício do poder se pode considerar uma gestão desses mesmos interesses. Em teoria, o voto manifesta uma coincidência de interesses entre o eleitor e o partido. Mas uma coisa é a teoria e outra é a realidade e não se arrisca praticamente nada ao afirmar que a maior parte da população vota sem conhecer os propósitos dos partidos, o que se fica a dever quer ao desconhecimento dos programas de governo quer à impossibilidade de aferir a fiabilidade das intenções neles professadas.
O texto de Pedro Adão e Silva (sugestão de leitura do Bloguítica) aponta o financiamento público dos partidos como medida adequada para a sanidade do sistema político. É uma medida lógica, embora sujeita às objecções do eleitorado que ele mesmo reconhece. Contudo, deve-se ter em conta que mais financiamento público não erradica, por si só, os esquemas de financiamento privados ou ilegais. O crime não se erradica completamente de nenhuma sociedade, pelo que não se podem esperar soluções milagrosas. Nesse sentido, será mais aconselhável assumir o financiamento privado? Em teoria, estaria tentado a responder afirmativamente. Em teoria, o eleitorado deveria informar-se sobre os programas dos partidos, tal como deveria informar-se sobre os interesses privados que financiam os partidos. Mas, como sabemos, na maior parte dos casos, a primeira condição não se verifica, tal como é previsível que a segunda também não se verifique. E, apesar do afastamento entre o eleitor e o poder, existe aqui um outro problema que passa pela impossibilidade de se negar ao primeiro a capacidade de tomar as suas próprias decisões. Fazê-lo seria tão ilegítimo como insustentavelmente paternalista.
Nos comentários ao post anterior, o Raul, do Congeminações, chama a atenção para o controlo que um meio como a blogosfera ajuda a exercer. Pacheco Pereira também salientou a influência que este meio tem vindo a ganhar junto do poder político e das redacções dos meios de comunicação, se bem que ainda pouco reconhecida. No entanto, apesar da crescente influência dos blogues no exercício da cidadania, o verdadeiro escrutínio público do poder político tem de passar pelos meios de massas, como a imprensa e a televisão. A blogosfera, neste momento, não pode aspirar a mais do que uma influência relativa junto destes meios, deixando para eles a influência directa sobre a opinião pública.
Tendo estas ideias em consideração, um princípio de solução passará, assim, pelo exercício de escrutínio. Para isso, torna-se imperioso que a comunicação social se revele independente dos poderes políticos e económicos. Sabemos que a situação actual está longe de ser exemplar, pelo que é profundamente recomendável implementar medidas que impeçam a concentração dos meios de comunicação.
Esta necessidade conduz-nos ao que acaba por ser o passo decisivo para alterar esta realidade. Não é de supor que os interesses instalados cedam sem uma luta intensa. Pelo contrário, há movimentações nacionais e internacionais que demonstram que a tendência pode ser exactamente a inversa, como é atestado pelo escândalo do "mensalão" no Brasil, pela tentativa de controlo do El Mundo, em Espanha, pelas leis aprovadas por Berlusconi, em Itália, e pelos negócios envolvendo diversos títulos da imprensa, em Portugal. Mesmo considerando uma sociedade mais propensa à abertura e à discussão pública, é necessário que os centros de poder – partidos e interesses instalados – partilhem esta ideia, ou se vejam forçados a partilhá-la.
Esse caminho tem de passar por um processo de dispersão. A chave para esta questão passa pela pluralidade, conceito fundamental da democracia. Pluralidade não só ao nível da imprensa, como também ao nível eleitoral. É preciso afirmar inequivocamente que o modelo de alternância do bloco central está absolutamente esgotado e não permite a evolução do país. A solução não passa por uma alteração dos fundamentos da República ou do sistema eleitoral, muito menos se for para implementar círculos uninominais ou outras formas de bipolarização. O sistema que temos funciona, se não se encontrar, como encontra, amplamente minado. Torna-se necessário colocar os partidos numa situação em que se possam controlar mutuamente, diminuindo as situações de abuso, algo que só pode ser conseguido com mais pluralidade e nunca com menos. Talvez sejam precisos mais partidos que ajudem a fragmentar os resultados eleitorais, favorecendo diferentes formas de coligação. É preciso acabar com o mito da estabilidade conseguida exclusivamente por maioria absoluta. As coligações impõem-se como solução viável em inúmeros países europeus e não há nenhuma razão objectiva para que não possam funcionar igualmente em Portugal. Afirmar preconceituosamente o contrário acaba por fazer o jogo dos principais interessados no situacionismo actual.
1 Comments:
...de facto, a democracia como se conhece no ocidente, é o menos mau dos sistemas de representação da vontade das populações. A melhoria do mesmo passa por uma constituição adequada, ou uma prática constitucional adequada. O que não parece, de todo, ser o caso em Portugal, actualmente. Veja a interpretação que o presidente fez, ao não demitir o governo de SLopes, e em vez disso decidir dissolver a AR, aproveitando um lapso existente na mesma, cujo espírito não é o de permitir a dissolução antes de demitir um governo claramente apoiado por uma maioria no parlamento.
Com esta constituição, o país não parará de ter governos com uma duração média de dois anos, o que é mais urgente resolver ainda do que a questão de maioria absoluta versus governos de coligação...
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