SIDA e prevenção (I)
O Acanto publicou um post sobre a prevenção da SIDA, centrando-se em dois aspectos: a sexualidade e a toxicodependência.
Em relação à sexualidade, o Acanto acusa determinadas organizações de culparem a Igreja Católica do estado actual das coisas. Não sei se a IC é realmente a principal responsável por este estado, mas penso que existem pessoas dentro do clero que não poderão ficar isentas de alguma responsabilidade. Sobretudo, aqueles que, alimentando tão acesa contestação ao uso do preservativo, se esquecem das realidades concretas em que muitos dos seus ouvintes vivem. Ao não levarem este factor em linha de conta estão a contribuir directamente para o aumento do flagelo.
Esta perspectiva reinante em determinados círculos sociais parte de uma noção de sexualidade que julgo desenquadrada da realidade. A sexualidade, nos dias de hoje, tem de ser encarada como um comportamento dissociado das dimensões amorosa e reprodutiva. Não quero com isto dizer que o amor e o desejo de criar família estejam totalmente separados da experiência sexual. O que deve ser entendido é que a sexualidade, o amor e a família não estão sempre juntos, como, se calhar, nunca estiveram. Há pessoas que não fazem a dissociação entre as duas ou as três dimensões referidas. Para elas, a sexualidade é, por exemplo, uma forma de expressão do amor. Mas haverá outras para quem o sexo, o amor e a família não têm de estar forçosamente relacionados. E é pensando nesta realidade que o discurso idealista se mostra desadequado. Qualquer pessoa tem direito a viver a sua sexualidade da forma que lhe apetecer; e tem o direito de fazê-lo defendendo-se e defendendo outros das doenças sexualmente transmissíveis; e sem ter de estar sujeito a juízos de valor sobre a sua conduta. Só porque não partilhamos os estilos de vida, não temos de tentar converter os outros ao nosso.
Mesmo aceitando a hipótese de distribuição de infectados como a sugere o Acanto, não se pode negar que a influência da visão católica em diversos sectores da sociedade que não necessariamente limitados aos católicos praticantes. Através da sua vontade de impor a hegemonia dos seus conceitos de sexualidade e prevenção, o que se nota nas pressões sociais exercidas, o alcance destas concepções é muito mais vasto que a comunidade católica praticante.
Estou de acordo que o combate à SIDA, idealmente, deve passar pelo esclarecimento, pela sensibilização e pela educação. Mas, enquanto não passa, não se pode cruzar os braços ou invocar situações ideais que não correspondem de todo à realidade. É sobretudo contra estas perspectivas que me insurjo e não contra a Igreja Católica como um todo ou contra os seus crentes.
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