A verdade das mentiras
Gosto das pessoas que não têm medo de expressar as suas incertezas. Tenho tendência a simpatizar com aqueles que não hesitam em gastar um pouco mais do seu tempo a amadurecer o pensamento antes da acção. Da mesma forma, sempre me pareceram estranhos todos aqueles que fazem gáudio da sua hiper-sinceridade; aqueles que se assumem sem papas na língua. Tanto a filogénese como a ontogénese nos têm afastado da espontaneidade. A mentira social, aquela que se emprega quando não nos queremos maçar demasiado, ou quando não queremos maçar terceiros, é uma ferramenta de utilidade inegável. Diferencia-se da hipocrisia e da calúnia na medida em que não tem como objectivo manifesto prejudicar ninguém. Usa-se como convenção, quando se diz que está tudo bem, mesmo se não for o caso. Sobretudo se não for o caso.
Desconfio que não há fronteiras para a utilização da mentira social. É empregue junto dos amigos, dos conhecidos e dos desconhecidos. Surge em casa, no trabalho e nos cafés. Talvez o principal elemento de diferenciação resida no facto de usarmos a mentira social junto dos amigos quando não os queremos importunar e junto dos desconhecidos quando não nos queremos maçar.
Como todas as regras, também esta conhece excepção. Existe um número muito restrito de pessoas junto das quais nos permitimos uma abertura quase total. Mas, se calhar, nesse caso já não é de sinceridade que estamos a falar. É de desabafos.
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