Enquanto uns adiam, outros sofrem
Sempre que aqui escrevi sobre o aborto procurei adoptar um discurso ainda mais cauteloso do que o habitual. A razão é simples. Não é um tema simples e facilmente se pode ferir susceptibilidades. Evitei, talvez nem sempre com sucesso, as categorizações fáceis. Tenho quase a certeza que passei sempre ao lado da ofensa e do insulto, quer nos textos que escrevi quer nas respostas que me endereçaram. Palavras comuns neste tema, como hipocrisia, nunca ocuparam lugar nestes textos. No entanto, começa a ser difícil manter o mesmo registo. Ao ler o Público de hoje fica a saber-se que o PSD admite mudar de posição sobre o aborto na próxima legislatura, adoptando uma posição próxima das propostas de Freitas do Amaral.
Não se percebe onde é que poderá estar a coerência desta tomada de posição. O PSD continua a invocar o compromisso eleitoral assumido para não flexibilizar a sua posição. Se era para cumprir compromissos mais valia optar por outros cavalos de batalha. Desconfio que uma boa parte dos portugueses preferiam ver o governo privilegiar outras áreas de actuação. Mas o PSD, entre tímidos sinais de avanço, logo seguidos de abruptos recuos, vai adiando a possibilidade de conferir outras condições de saúde e de dignidade à prática do aborto. E eu, que nem sequer sou pessoa de certezas inabaláveis, não consigo entender porque é que o direito à dignidade e à saúde pode ser adiado mais uns anos.
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