sexta-feira, abril 16, 2004

Evolução escreve-se com R de revolução

A defesa do R faz-se para frisar bem que o que hoje somos não tem nada, mesmo nada, a ver com o que éramos dia 24 de Abril de 1974. Deixar cair o R dilui essas diferenças. Como já disse, é óbvio que desde essa madrugada o processo evolutivo sofreu uma dinamização inegável. Estatisticamente, estamos hoje muito melhor, a todos os níveis, do que estávamos nessa altura. Mas conceptualmente nem sequer se pode comparar as duas eras. Essa evolução só aconteceu porque houve um corte radical com a realidade podre que vinha a ser mantida por um regime ditatorial de direita.
A minha insistência neste tema deve-se ao facto de julgar fundamental para a identidade histórica nacional que não se deixe de encarar o 25 de Abril como uma revolução, nem que se deixe de pensar que o período imediato que se lhe seguiu, até à consolidação de todo o sistema democrático, foi claramente revolucionário. Também é certo que todos os momentos revolucionários deixam de o ser um dia. É fatídico que assim seja. Assim que termine o período transitório, a revolução deixa de existir e passa a vigorar um sistema político. Em Portugal tivemos a sorte de implementar um sistema democrático sem grandes convulsões, com forte apoio e empenho popular. As primeiras eleições livres registaram níveis de participação verdadeiramente invejáveis. Esta herança democrática do 25 de Abril deve ser acarinhada e transmitida às gerações que não tiveram a possibilidade de viver esse período de transição nem de aferir correctamente as diferenças entre os dois regimes.
Para quem já nasceu em democracia, como é o meu caso, só resta a hipótese de tentar imaginar o que terão sido os tempos negros da ditadura. Tenho a sorte de conhecer pessoas que puderam dar-me a ideia do que era viver com a possibilidade de ser preso por conversar com um grupo de amigos na rua, ou por comprar e possuir livros proibidos, ou o que era ser torturado nas celas da PIDE, ou ver as oportunidades diminuídas por não se querer alimentar a farsa que era o Portugal salazarista. Nem todos têm a sorte que eu tenho por conhecer estas pessoas. Nem todos ouviram o que eu ouvi. É por esses que não sabem o que foi a ditadura salazarista que se deve defender o famoso R. Porque o 25 de Abril não foi uma mera evolução. Nesse dia começou a revolucionar-se a cultura, as mentalidades e as liberdades. E isto não pode ser negado nem sequer relativizado.