quarta-feira, julho 21, 2004

Responsabilidades

O fenómeno Santana e Sócrates, para utilizar a expressão do Paulo Gorjão, resulta da demissão de terceiros. Mas não dos terceiros que o PG identifica. Em rigor, não é a demissão de Durão Barroso que permite a Santana Lopes chegar à presidência do PSD, assim como não é a recusa de António Vitorino que permitirá, eventualmente, que José Sócrates chegue à liderança do PS. Tanto JS como PSL alcançaram o reconhecido ensejo, já concretizado no caso do segundo, de liderar os seus partidos e, assim, alcançar também o lugar de primeiro-ministro. A forma como JS e PSL aparecem tão bem colocados para liderar os destinos do PS e do PSD é que merece alguma atenção.
É fácil perceber que a exposição mediática é boa parceira do protagonismo político. Aliás, muito protagonismo político passa hoje pela exposição mediática, seja na televisão, na imprensa, na rádio ou nas revistas de trivialidades. A forma como se chega a este ponto, em que a intervenção política vale mais pelos minutos de exposição do que pelos conteúdos ou pelo curriculum, é típica do nosso tempo. O que não quer dizer que nos devamos sentir confortáveis com isso. Aliás, estas situações têm vindo a ser denunciadas com maior ou menor sucesso. No entanto, se a superficialidade tem direito a honras de prime time na televisão e a manchetes apelativas na imprensa, os principais responsáveis não poderão deixar de ser as pessoas que tomam essas decisões editoriais. Ainda esta semana José Manuel Fernandes diluía as responsabilidades por todos. Mas não é verdade. Os leitores do Público e os espectadores da SIC e da RTP não têm qualquer responsabilidade na escolha dos comentadores. A responsabilidade é daqueles que preferem continuar a alimentar uma fórmula fácil e redutora que, todavia, garante audiências.
Se PSL e JS não têm conteúdo político relevante (e não é isso que está aqui em discussão), então quase toda a exposição mediática que têm é, na realidade, sobre-exposição. E, tal como diz a infinita e sempre ambígua sabedoria popular, o que é demais é erro. Se o erro está identificado – e há muito tempo que está identificado – por que esperam para o corrigir?
Neste cenário é compreensível que se perspectivem oportunidades fáceis para os que melhor souberem aproveitar o sistema montado. A comunicação social gosta da oratória fácil e a oratória fácil gosta das atenções da comunicação social. Entretanto, a massa de políticos que não tem perfil ou paciência para a subserviência mediática raramente vê facultada a possibilidade de divulgar formas alternativas e mais éticas de estar na política. Quando chega o momento de uns se confrontarem com os outros, sabendo que, para os leitores, os programas apresentados nunca são, na prática, o cerne da questão, o resultado é uma disputa bastante desigual entre figuras mediáticas e ilustres desconhecidos. As consequências são fáceis de adivinhar e estão um pouco por todo o lado para serem analisadas.

Seria injusto não reservar umas linhas para criticar as máquinas de interesses eleitoralistas que pululam nos partidos e cuja quota-parte de responsabilidade do estado das coisas é enorme. Felgueiras, Marco de Canavezes e Gondomar exemplificam até onde pode ir a relutância dos partidos em prescindir de uma reeleição. Chegamos mesmo ao triste caso de ver dirigentes partidários defender os caciques locais contra qualquer lógica. O apadrinhamento partidário dado aos maus exemplos, e podemos apenas recordar os casos já citados, é constrangedor e deveria fazer corar de vergonha o sistema político nacional. A democracia portuguesa estará de muito melhor saúde no dia em que escândalos desta dimensão impliquem um afastamento dos detentores dos cargos. E, uma vez provados em tribunal, não só encerrem a sua carreira política como passem a condicionar seriamente a dos que tornaram possível a sua ascensão no interior dos partidos.