quinta-feira, junho 16, 2005

Sem fachada

Existem ideias que nos ajudam a formar uma visão da realidade. É através delas que interpretamos os acontecimentos e sobre eles formamos opinião. Por exemplo, Peter Berger, um dos mais esclarecidos sociólogos contemporâneos, defendeu que a análise da realidade implica ir para além das fachadas que se levantam ao olhar desprevenido do observador. Por isso, mais do que a queda das fachadas, que já se sabe existirem, o que causa verdadeira perplexidade é não chegar sequer a encontrá-las. Isto é, constatar que não houve qualquer esforço dos actores sociais em construir uma fachada, uma aparência mais socialmente conveniente.
É esse o caso com a ratificação do Tratado Europeu. Sabemos que esta proposta se encontra ferida de morte. Mas a vontade de suspender os restantes referendos resulta mais de não querer assumir as consequências das vitórias do Não do que de uma necessidade reconhecida de reflectir sobre o Tratado. O que se faz notar é que nem parece existir preocupação em construir a fachada. As evidências estão aí. O processo de consulta às populações deve parar porque não está a correr conforme planeado. Torna-se assim perfeitamente evidente que os políticos responsáveis por este processo queriam um único resultado e que a soberania do eleitorado é uma abstracção quando o resultado não promete ou não prova ser o desejado.
Votar para um nado morto não é o melhor exercício democrático que existe. Mas sempre é melhor que prometer um referendo e depois não o realizar com receio do resultado. Isso nem um mau exercício democrático se pode considerar. Não chega a ser um exercício democrático sequer. O mínimo que se pode pedir é que se se promete consultar as populações, se chegue efectivamente a fazê-lo. Apesar das consequências. Parece que é isso a democracia.

1 Comments:

At 1:08 da manhã, Blogger Luís Novaes Tito said...

Caro Miguel
Fiz uma nota no Tugir
Abraço

 

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