terça-feira, janeiro 06, 2004

Globalizar o quê

O termo globalização é, já de si, dado a interpretações diversas. As divergências atingem a sua definição, as suas causas e as suas consequências. No artigo de ontem no DN, Francisco Sarsfield Cabral defende a recente deslocação de postos de trabalho dos EUA para países de salários baixos. Diz FSC que esta deslocação de empregos beneficia não só os países de destino, como também, a prazo, os próprios EUA.
A argumentação de FSC, talvez devido ao exíguo espaço da sua coluna, é de uma ingenuidade e optimismo admiráveis. Não há razões nenhumas para crer que a deslocação de postos de trabalho para países onde se praticam salários muito baixos beneficia quem quer que seja. Em primeiro lugar, a desejada concentração de recursos em actividades de maior valor tem, no imediato, como reconhece FSC, consequências muito negativas para os trabalhadores do país de origem. Não só se encontrarão no desemprego, como estarão a lutar directamente num mercado de trabalho com menos postos de trabalho e a competir indirectamente com regiões do globo onde se praticam salários impensáveis em qualquer sociedade ocidental. Mais ainda, muito provavelmente estão inseridos num sistema económico altamente desregulado e liberalizado. Ou seja, em condições que não são conhecidas por privilegiar a segurança e a solidariedade social. Em segundo lugar, mesmo no país de destino, onde possivelmente se podem encontrar benefícios com a criação de emprego, também se torna necessário reflectir sobre as implicações totais destas medidas. Se por um lado são criados postos de trabalho, por outro é muito duvidoso que os mercados ocidentais se abram às economias dos países pobres ou em vias de desenvolvimento. Pelo contrário, não faltam exemplos de entrada abusiva nos mercados não ocidentais por parte das multinacionais sedeadas no ocidente, medidas estas acompanhadas de um proteccionismo desproporcionado às economias ocidentais. A deslocação de empregos faz ainda menos sentido se pensarmos que os postos de trabalho criados são bastante mal pagos, mas os preços praticados nessas economias têm tendência a equiparar-se aos preços praticados no ocidente.
Não quero com isto defender o imobilismo do investimento. Somente chamar a atenção para o tipo de investimentos que se praticam, assim como para as suas consequências, quer para os países receptores quer para os países investidores. O referido progresso não se alcança sem regras definidas e protecção dos mais frágeis. As multinacionais buscam, primeiro que tudo, reduzir custos para aumentar o lucro. E este tem tendência a ser distribuído pelos accionistas. Sem regras, a única coisa que se está a globalizar é a espiral descendente de condições precárias de trabalho e de más remunerações.