quarta-feira, abril 21, 2004

Yes, Minister

Diziam-me, ontem ao jantar, que este país apresenta notórias semelhanças com a série britânica ‘Yes, Minister’. Quando surgem estas notícias capazes de absorver a atenção da comunicação social, inevitavelmente outros assuntos caem na sombra. Assim, embora o caso das suspeitas de corrupção e tráfico de influências no mundo do futebol seja justamente merecedor de cobertura jornalística, muitos outros assuntos, alguns de importância bastante superior, são relegados para segundo plano. Como se costuma dizer que em política não há coincidências, os timings destas ocorrências convidam a interpretações conspirativas sobre os interesses que realmente se defendem quando os focos da atenção pública se centram somente numa ou duas questões, por vezes menores.
Sendo certo que a justiça está a entrar num terreno até agora conotado com uma certa impunidade, dificilmente o problema da corrupção na arbitragem representará o cerne dos problemas de corrupção no mundo do futebol. O desempenho da arbitragem e dos organismos que a tutelam pode ser fundamental para a credibilidade do futebol enquanto espectáculo, mas as nossas principais preocupações deviam antes passar pela fuga generalizada aos impostos, pela criminalidade financeira de grande envergadura nos clubes, pelo branqueamento de capitais, pela promiscuidade entre o dirigismo futebolístico, os cargos políticos e os interesses económicos privados.
O fenómeno do futebol atingiu uma dimensão em Portugal que ultrapassa o bom senso. A liga principal tem envolvidos dezoito clubes que alimentam três jornais desportivos diários e sabe-se lá quantos programas televisivos e radiofónicos. Isto num país populacional e geograficamente pequeno, sem clubes de nível europeu, exceptuando as recentes façanhas do FC Porto. A dimensão do fenómeno futebolístico nacional é, pois, exagerada. Mas cumpre a função de ocupar os noticiários e as mentes portuguesas como poucas coisas mais. E enquanto se vai falando do mais recente escândalo da bola, caem no esquecimento a descredibilidade internacional das previsões financeiras da coligação governamental, as contas dúbias dos Hospitais SA, o lugar de Portugal no atoleiro que é o Iraque, a descoordenação dos ministérios e a inépcia dos governantes. Não se discute convenientemente a justiça, a educação, a investigação, a cultura, o desenvolvimento, a economia e as finanças. É toda a política interna e externa que deixa de ocupar os lugares de destaque. É claro que as coincidências podem não passar disso mesmo. Mas que dão jeito...