O dolce fare niente segundo Matilde
A Matilde é uma gata com, sensivelmente, seis meses de idade. Os dois donos da Matilde, sendo que eu sou um deles, não gostam muito de nomes de pessoas aplicados aos animais de estimação. Mas esta gata, por motivos que não vêm agora ao caso, tinha de receber o nome de Matilde. A Matilde não é uma gata especialmente bonita. É uma gata europeia, elegante, listada em tons de cinzento e castanho, que tem o aspecto comum que os gatos têm quando não são persas, nem siameses, nem de alguma dessas raças mais exóticas.
Nunca tive, verdadeiramente, um animal de estimação. Havia lá em casa, há muitos anos, um canário extremamente resistente e pouco dado a cantorias. Mas não se pode dizer com sinceridade que, apesar de me ter sido oferecido, eu tivesse sobre ele alguma responsabilidade ou atenção especial. E chegou a haver em casa do meu pai uma cadela, já mencionada num post de antanho que gerou vivos protestos. Por isso, nenhuma destas experiências constituiu uma verdadeira relação afectiva com o animal em causa, não obstante a simpatia que a cadela do meu pai era capaz de gerar e o meu intenso desejo de ter um dia um cão, objectivo que se pretende alcançar, através de um pacto de regime que satisfaça os grupos de oposição, talvez por volta da passagem de ano.
A Matilde é, por isso, o primeiro animal de estimação que sinto que verdadeiramente me pertence, ainda que não seja o único, nem sequer o principal, responsável por ela. Também por isto, é extremamente curiosa a relação que temos. O meu conhecimento sobre gatos foi quase integralmente adquirido depois da chegada da Matilde e fortemente condicionado pelos boatos mais ou menos generalizados sobre a espécie. Que não se pode ensinar gatos, que eles são demasiado independentes, que fazem o que querem, que não vêm quando são chamados, etc. Depois deste meio ano, estou cada vez menos convencido destas ideias preconcebidas.
Como todos os gatos, suponho, a Matilde é brincalhona, não excessivamente dada a meiguices e com uma personalidade que se vai sedimentando de dia para dia. Está a tornar-se uma especialista a jogar às escondidas e é capaz de arquitectar elaborados planos de emboscada. Trepa para muitos locais onde não devia estar, mais por curiosidade do que por outra coisa qualquer, mas, muitas vezes, basta que lhe apontemos o sítio onde deve permanecer para que, mesmo sem repreensões, obedeça quase imediatamente. Adora andar de carro, posicionando-se sempre perto do vidro traseiro ou em cima do tablier, a estudar o curto percurso que separa as duas casas que conhece. Delira a atacar mãos, braços, pernas, pés ou virtualmente qualquer pedaço de pele que encontre, mas é significativamente mais comedida com pessoas a que não esteja muito habituada. As mordidelas e as arranhadelas doem e deixam marcas, mas ela já aprendeu a praticamente não recorrer às garras e a dosear a força das mandíbulas. Para um dono convertido às deliciosas traquinices de um animal felpudo de três ou quatro quilos, é o suficiente para se suportar quase tudo estoicamente com um sorriso embevecido na cara.
Também como todos os gatos, suponho, tem os seus sítios preferidos para fazer as suas sonecas, por baixo de determinado cadeirão na sala, ou em cima do sofá. Mas o que mais a caracteriza é o facto de ser uma gata que gosta de companhia. Já houve um tempo em que tinha tamanho para se vir aninhar no pescoço de um de nós para dormitar. Neste momento, já está demasiado grande para esses equilíbrios, mas continua a preferir a companhia dos donos às sestas solitárias. Invariavelmente, pode ser encontrada na mesma divisão que nós. E com alguma frequência, naquelas tardes pachorrentas de fim-de-semana, não hesita em saltar para junto de nós, descobrindo um confortável recanto colado ao nossos corpos, onde adormece ronronando pelo simples prazer de estar ali. Uma experiência que transmite uma tranquilidade e uma gratificação difíceis de descrever. Agora que sei o que é, já nem saberia viver bem sem isso.
3 Comments:
Gostar de animais diz muito do nosso carácter! Eu prefiro cães mas respeito o direito à diferença. :)
Desde que não sejam reptéis ...
Eu era daqueles que gatos só a tiro ou à pedrada...mas a partir de certa data que me vieram colocar um lá em casa aconteceu o que acabou de descrever..
Embora nunca tenha tido nada contra gatos, sempre preferi e continuo a preferir cães. Têm mais a ver comigo. Ou melhor, com aquilo que procuro num animal de estimação. Mas estou a ganhar um crescente respeito pelos gatos.
Também já não é a primeira vez que descubro que as pessoas que não gostavam de gatos mudam a sua opinião depois de passarem pela experiência de serem os donos de um. Tenho mesmo uma amiga que já teve um cão e que agora tem uma gata e que afirma convictamente ter passado a preferir gatos. Feitios...
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