O fim dos dólares em Cuba
O regime de Fidel Castro está apostado em retirar os dólares americanos de circulação em Cuba. A justificação desta medida prende-se com a recuperação dos cerca de 400 milhões de dólares que se estimam que circulem na ilha.
Até ao Verão de 2003, e julgo que ainda seja o caso, existiam em Cuba três moedas: o peso cubano, o peso conversível e o dólar americano (segundo alguns relatos o euro também era aceite em algumas estâncias turísticas). As duas primeiras são moedas nacionais, ao passo que os dólares são introduzidos na economia local pelos turistas em subsectores relacionados com o turismo. O turismo, por sua vez, faz-se pagar bem. A título de exemplo, a entrada nos museus é paga e se se quiser tirar fotografias no seu interior paga-se uma sobretaxa. Uma garrafa de água de 33 cl. custa um dólar e nos locais com maior afluxo turístico pode chegar a pagar-se pequenas fortunas por uma refeição. Fazer uma vida mais barata em Cuba é possível mas implica algum esforço de contenção e de procura pela melhor relação qualidade-preço.
Não admira que, para evitar os inconvenientes dos câmbios e das contas de cabeça, o turista faça as suas despesas sobretudo em dólares. Os cubanos também não se fazem rogados a receber esta moeda, muito mais forte do que a sua que lhes permite alcançar um poder de compra bastante superior. Aqui reside um dos problemas que o regime cubano enfrenta e que poderá ser uma razão bastante mais relevante para retirar o dólar americano de circulação.
Em Cuba a teoria da ausência de classes sociais parece realmente funcionar. Existe um efectivo nivelamento proporcionado pelo controle económico total por parte do Estado. Não havendo propriedade privada e sendo o Estado a definir os regimes salariais, o poder de compra da população é, de uma forma geral, uniforme. Os profissionais mais bem pagos estão nas forças policiais e no exército, logo seguidos dos médicos que ganham, em média, 25 dólares mensais. O salário médio na ilha, segundo o que os próprios habitantes referem, é de entre 7 a 10 dólares mensais. Mas, em qualquer caso, estamos a falar de uma quantia insuficiente para assegurar um padrão de vida razoável, com acesso ao consumo na forma como o conhecemos, pelo que o nivelamento está feito, infelizmente para a população, bastante por baixo. As tensões e insatisfações provocadas por todas as limitações impostas pelo Estado não se repercutem em conflitos de classe, uma vez que estas são virtualmente inexistentes. Este é, sem dúvida, um dos cimentos mais sólidos do regime. O nivelamento praticado não permite ostentação de riqueza. Assim, não há franjas da população a sentirem-se injustiçadas em detrimento de outros grupos sociais.
Este cenário pode sofrer profundas alterações com o peso económico do sector do turismo e com a circulação do dólar. Os cubanos com acesso ao turismo acedem igualmente a essa moeda altamente valorizada, não só através dos canais oficiais da economia, mas sobretudo através de canais paralelos, nomeadamente, em negócios ilegais ou em gorjetas. Nesta perspectiva, quem tenha acesso aos sectores da economia onde circulem dólares está numa posição privilegiada dentro do sistema. Como as necessidades são muitas, a curto prazo este efeito é diluído. Mas a médio prazo pode representar já uma diferenciação notável criando uma classe social nova que se destaca pelo seu poder de compra, o que representa uma grande ameaça para o sistema social em vigor em Cuba. Estranho seria se o regime de Fidel Castro não reagisse.
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