segunda-feira, outubro 25, 2004

Esquerda vs. Direita

Um texto anterior, relacionado com as alternativas partidárias, deu origem a um post a revelar alguma perplexidade no Acanto. Vale a pena, então, desenvolver um pouco algumas questões que aí ficaram em aberto.
O mundo está cada vez mais globalizado. É tão inegável quanto inevitável. Mas o que não é inevitável é esta forma de globalização liberal que tem sido dominante até agora. O resultado, apesar das manobras estatísticas para nos convencer do contrário, é um crescimento das desigualdades, a todos os níveis, entre os que mais têm e os que menos têm. E esta realidade é notória a nível global, mas também a nível nacional e local. Perante isto, não querendo discorrer em pormenor sobre as diferenças entre os modelos de esquerda e de direita, parece-me claro que o modelo que tem sido aplicado é um modelo de direita e que as consequências são as que foram resumidas acima. Embora a globalização e a modernidade contribuam para criar microcosmos individuais de referências, as principais linhas de orientação política continuam a fazer sentido. É em relação a elas que nos posicionamos politicamente, embora as divergências sejam cada vez mais complexas de analisar.
Não me custa admitir que com a crescente complexidade da realidade social existam desafios à linearidade dos posicionamentos políticos. A apologia do intervencionismo do Estado pode coexistir com determinado moralismo social, ou vice-versa. Sem dúvida, os partidos políticos têm de encontrar soluções que correspondam à realidade em que estão inseridos, o que implica que as mensagens sejam, também, muito mais complexas (o que, infelizmente, nem sempre se verifica, caindo-se frequentemente em simplismos e reducionismos). Mas, qualquer que seja o caminho adoptado, e por muito complexa que seja a realidade, não se pode iludir o facto de continuarem a existir dois termos de referência com propostas divergentes, embora muitas vezes se possam cruzar.
De outra forma, ter-se-ia de admitir uma versão única, verdadeira, absoluta e inevitável da realidade política, económica, social e cultural. Mas não estamos a caminhar nesse sentido. O que acontece, como sempre aconteceu, é que temos um modelo dominante no mundo ocidental que tem um enorme poder. Poder de afirmação, de reprodução, de expansão e de dominação. Evidentemente, não será necessário explicá-lo, sendo o modelo dominante, os princípios e a visão da realidade que veicula são os seus. E, por isso, “oferece-se”, naturalmente, como a melhor opção. Desta forma, não é estranho que, sendo a direita que detém o domínio económico-social, seja comum encontrar teóricos que argumentam que o futuro da esquerda tem de passar seguramente por uma deriva centrista. Aliás, este é um dos principais indicadores de que as teorias de domínio da esquerda são mitos que têm como principal função o reforço do modelo dominante.
É inegável que uma deslocação da esquerda para o centro é uma deslocação no sentido da direita, o que assenta como uma luva às pretensões de hegemonia dos modelos liberais. Por estes motivos repito que faz ainda todo o sentido falar numa dicotomia esquerda-direita. Faz sentido que as pessoas desenvolvam uma auto e hetero-identificação política recorrendo a essa diferenciação. E faz todo o sentido que se continue a discutir os interesses e valores que estão por trás de cada modelo e as implicações das suas capacidades de acção e de transformação da realidade. Ainda que correndo o risco de ter de conviver com discursos demagógicos ou desonestidades de parte a parte, este é um debate com utilidade inquestionável para o progresso do pensamento político. Muito pior estaríamos se houvesse uma empobrecedora unanimidade artificial em volta de um destes pólos.

1 Comments:

At 10:40 da tarde, Blogger Carlos Araújo Alves said...

Claro, Miguel. Ninguém quer ou pode evitar a globalização por ela compreende muitos aspectos positivos. O que se pretende é que essa globalização não seja o terreno fértil para o capitalismo financeiro agiota criar, como se tem constatado, uma clivagem assustadora entre muito ricos e muitos pobres e, inclusivamente embobrecer a "classe média" o sustentáculo da democracia.
A este propósito, permira que sugira um texto muito bem esgalhado do "Albardeiro" no seguinte endereço:

http://albardeiro.blogs.sapo.pt/arquivo/2004_10.html#349683

 

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