Sobre o direito de fornicar
O que perpassa no post Sobre o direito de fornicar meninos é uma apologia do carácter natural da heterossexualidade e, por consequência, uma noção de carácter contra-natura da homossexualidade. Isso está bem patente na seguinte passagem:
"A ideia de que os actos homosexuais são iguais aos actos heterosexuais ou que, por exemplo, uma relação entre um adulto do sexo masculino e uma menor do sexo feminino é igual à relação entre um adulto do sexo feminino e um menor do sexo masculino é muito própria da esquerda bem pensante para quem a natureza humana é infinitamente moldável."
Os termos em que a hipótese é avançada podem ser revertidos para demonstrar que, mais do que uma alegada tendência da esquerda para considerar a natureza humana infinitamente moldável, o que é proposto, de forma implícita, é uma tendência para reduzir a natureza humana a duas formas pré-definidas: a heterossexualidade e a hipervaloração masculina. Ou seja, o que se vislumbra nestas linhas é uma visão não só sobre a sexualidade, mas também sobre a masculinidade e a feminilidade. Transparece aqui uma ideia de negação da mulher como sujeito activo num relacionamento sexual, ou, pelo menos, nunca tão activo como o homem. De outra forma, não se compreende como é uma relação entre um adulto do sexo masculino e um menor do sexo feminino é diferente de uma relação entre um adulto do sexo feminino e um menor do sexo masculino. E se o João Miranda considera que uma mulher não é capaz de violentar um rapaz com a mesma violência que um homem violenta uma rapariga é porque nunca teve acesso a esse tipo de relatos, ou então saberia que o grau de crueldade e de violência não está necessariamente relacionado com o sexo do agressor.
Verdade se diga, não falta quem pense que a homossexualidade só pode resultar de um defeito genético, de uma socialização deficiente, ou de uma depravação incontrolável. É comum o raciocínio de que “algo não deve estar bem”. Esta forma de pensar a sexualidade radica num biologismo desajustado do ser humano enquanto ser cultural. Não pretendo negar a pulsão sexual, mas argumento que a vertente cultural do ser humano o afasta, desde há muito tempo, de determinismos biológicos. Aliás, uma vista de olhos rápida pela História da sexualidade revela uma multiplicidade de sexualidades ao longo dos tempos. Dito de outra forma, a sexualidade sofre uma variação sócio-histórica iniludível. Na realidade, o sexo tem muito pouco de natural, de tal forma é condicionado pelos modelos culturais das sociedades. É preciso martelar nesta realidade até que se deixe de considerar que a orientação sexual é uma diminuição da integridade humana da pessoa.
2 Comments:
miguel,
sei que pode ser uma questão de lexico ou de ignorância minha, mas na minha formação, há coisas que podem não ser naturais que não têm necessariamente de ser contra-natura.... Isto apesar de todas as que são contra-natura não serem naturais....
Há uma diferença entre o que é "normal" e o que é "natural". Não é preciso explicar que o sexo é algo biologicamente natural. Mas a sexualidade já é algo para a qual o meio social é determinante. Dentro de cada meio social, podemos encontrar comportamentos mais "normais" ou menos "normais". Por outras palavras, mais comuns ou menos comuns.
É neste sentido que emprego os termos.
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