quinta-feira, maio 05, 2005

Sobre o direito de fornicar

O que perpassa no post Sobre o direito de fornicar meninos é uma apologia do carácter natural da heterossexualidade e, por consequência, uma noção de carácter contra-natura da homossexualidade. Isso está bem patente na seguinte passagem:

"A ideia de que os actos homosexuais são iguais aos actos heterosexuais ou que, por exemplo, uma relação entre um adulto do sexo masculino e uma menor do sexo feminino é igual à relação entre um adulto do sexo feminino e um menor do sexo masculino é muito própria da esquerda bem pensante para quem a natureza humana é infinitamente moldável."

Os termos em que a hipótese é avançada podem ser revertidos para demonstrar que, mais do que uma alegada tendência da esquerda para considerar a natureza humana infinitamente moldável, o que é proposto, de forma implícita, é uma tendência para reduzir a natureza humana a duas formas pré-definidas: a heterossexualidade e a hipervaloração masculina. Ou seja, o que se vislumbra nestas linhas é uma visão não só sobre a sexualidade, mas também sobre a masculinidade e a feminilidade. Transparece aqui uma ideia de negação da mulher como sujeito activo num relacionamento sexual, ou, pelo menos, nunca tão activo como o homem. De outra forma, não se compreende como é uma relação entre um adulto do sexo masculino e um menor do sexo feminino é diferente de uma relação entre um adulto do sexo feminino e um menor do sexo masculino. E se o João Miranda considera que uma mulher não é capaz de violentar um rapaz com a mesma violência que um homem violenta uma rapariga é porque nunca teve acesso a esse tipo de relatos, ou então saberia que o grau de crueldade e de violência não está necessariamente relacionado com o sexo do agressor.
Verdade se diga, não falta quem pense que a homossexualidade só pode resultar de um defeito genético, de uma socialização deficiente, ou de uma depravação incontrolável. É comum o raciocínio de que “algo não deve estar bem”. Esta forma de pensar a sexualidade radica num biologismo desajustado do ser humano enquanto ser cultural. Não pretendo negar a pulsão sexual, mas argumento que a vertente cultural do ser humano o afasta, desde há muito tempo, de determinismos biológicos. Aliás, uma vista de olhos rápida pela História da sexualidade revela uma multiplicidade de sexualidades ao longo dos tempos. Dito de outra forma, a sexualidade sofre uma variação sócio-histórica iniludível. Na realidade, o sexo tem muito pouco de natural, de tal forma é condicionado pelos modelos culturais das sociedades. É preciso martelar nesta realidade até que se deixe de considerar que a orientação sexual é uma diminuição da integridade humana da pessoa.

2 Comments:

At 3:39 da tarde, Blogger cparis said...

miguel,

sei que pode ser uma questão de lexico ou de ignorância minha, mas na minha formação, há coisas que podem não ser naturais que não têm necessariamente de ser contra-natura.... Isto apesar de todas as que são contra-natura não serem naturais....

 
At 9:18 da manhã, Blogger Miguel Silva said...

Há uma diferença entre o que é "normal" e o que é "natural". Não é preciso explicar que o sexo é algo biologicamente natural. Mas a sexualidade já é algo para a qual o meio social é determinante. Dentro de cada meio social, podemos encontrar comportamentos mais "normais" ou menos "normais". Por outras palavras, mais comuns ou menos comuns.
É neste sentido que emprego os termos.

 

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