segunda-feira, outubro 31, 2005

Novo tempo

Por razões várias, impõe-se uma mudança de ares. A nova casa estará pronta nos próximos dias.

E, sim, talvez um dia se demonstre que também este blogue nunca existiu.

P.S.: Como isto não é uma despedida - é um mero até já - os agradecimentos ficam para outra altura.

P.P.S.: Tirando uma valente constipação e uma ligeira depressão conjuntural, não se passa nada de mais com o autor destas linhas.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Pouco sério

Um dia demonstrar-se-á que também Portugal não existe; que nunca passou de um ser de ficção, contraditório consigo próprio.

Ficcional

"Senhores do Júri, a quem unicamente de forma aproximada e metafórica posso chamar meus juízes: Vossas Excelências têm a certeza de que este acto, e vós próprios, e eu, temos existência real? Encontramo-nos, segundo parece, em Castroforte do Baralla, capital da província do mesmo nome. Mas, existirá esta cidade? Os senhores devem ter à mão um mapa do país. Mandem-no examinar por um cartógrafo especialista, examinem-no os senhores. Esta província aparece lá? Castroforte aparece? E se não constam no mapa, nem nos manuais escolares, nem nos registos da Administração, como é que é possível que se tenha sublevado? Como é que é possível que eu e estes dignos cavalheiros que me acompanham no banco dos réus tenhamos cometido esse crime cuja figura o senhor Delegado descreveu magistralmente? Para que exista crime, é preciso uma base material. Não só um Quem, mas também um Como e, é claro, um Onde. Ao Quem e ao Como referiu-se o senhor Delegado bastante pormenorizadamente, mas passou por cima do Onde. Mas o Onde tem aqui uma dupla importância. Antes de mais, se Castroforte não existe, também não pode ser palco de um crime e do julgamento em que o crime é sentenciado; mas, além disso, se o crime consiste em ter proclamado a sua independência, como é que, raios, Vossas Excelências querem que se tenha proclamado independente uma cidade que não existe? Assim, não só nos falta o Onde indispensável, mas também o Como ainda mais indispensável. Vejamos agora o Quem. Ou, melhor dizendo, os Quem, porque somos quatro os acusados, criminoso plural, e atrever-me-ia até a dizer que encartado; porque foi aqui citada a Távola Redonda, e sobre ela em conjunto, e sobre os seus membros um a um, se fez recair a responsabilidade. O que é, segundo o processo, a Távola Redonda? Um grupo humano sem consistência jurídica, uma tertúlia sem estatutos e sem bases, isto é, uma coisa sem personalidade. Nestas circunstâncias, como é que se pode cometer um crime? Para se segurar bem, o senhor Juiz que fez a instrução do processo convocou os membros da Távola Redonda. A mim e a estes cavalheiros. Mas os membros da Távola Redonda não são Rafael Ruibal, Ricardo Abraldes, Jacinto Barallobre (que não compareceu), Carmelo Taboada (que também não está presente), José Luís Díaz e Emilio Salgueiro, para vos servir, mas sim Merlim, Tristão, Lançarote, Galvão, Booz e o Rei Artur. O telegrama de que somos acusados ia assinado pelo Rei Artur em nome da Távola Redonda. Mas, Vossas Excelências não reparam na primeira e grave contradição? Como é que um Rei pode proclamar a República? E, se o fizer, não será porque é um ser de ficção, e não uma pessoa real? O ser de ficção pode ser contraditório consigo próprio, pode consistir numa contradição, mas não o ser real, Vossas Excelências, estes cavalheiros ou eu. O ser de ficção, além disso, só pode cometer um crime ficcionalmente e só ficcionalmente pode ser julgado e sentenciado. Ora bem, do que se trata aqui é julgarem-nos e sentenciarem-nos a nós, que não somos fictícios, mas reais e bem reais. Ou, dito de outra maneira: o senhor Delegado, nas suas conclusões, pediu que estes cavalheiros e eu fôssemos reduzidos ao nada por causa de um telegrama que o Rei Artur enviou a Manuel Azaña proclamando a independência de uma cidade que não existe. Isto, senhores do Tribunal, a estes cavalheiros e a mim não nos parece muito sério."

Gonzalo Torrente Ballester, A Saga/Fuga de J.B.

terça-feira, outubro 11, 2005

O estigma da homossexualidade

A propósito do casamento entre homossexuais, que se tem andado a discutir novamente entre alguns blogues, recomenda-se a leitura do texto da Helena no Dedos de Conversa. Prefiro os textos assim, a assumir desconfortos e incertezas. Confesso-me um pouco saturado dos que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. E depois da noite de domingo não faltará muito para termos dose reforçada de certezas nos próximos cinco anos.
Já escrevi alguns posts a expressar a minha opinião sobre o assunto. A preguiça impede-me de os procurar e linkar, mas quem acompanhe este blogue há-de saber que defendo o casamento entre homossexuais e, até, que estes possam adoptar crianças. A pluralidade de estilos de vida não nos permite criar uma imagem fiel da homossexualidade, da mesma forma que não o conseguimos fazer em relação à heterossexualidade. Sabe-se, porém, como os preconceitos funcionam e, neste aspecto, por exemplo, como a promiscuidade heterossexual masculina é vista de forma diferente da promiscuidade heterossexual feminina, e como estas duas são vistas de forma diferente da promiscuidade homossexual.
Para levarmos a nossa vida em sociedade enquadramos as pessoas em categorias e criamos representações de como os comportamentos dessas pessoas devem ser, em função da categoria em que se encontram. Depois estigmatizamos tudo o que escape ao que é considerado aceitável. A estigmatização é um processo omnipresente na interacção social, embora por vezes nem sempre consciente. Constantemente agimos e reagimos em função das perspectivas de estigmatização social, quer seja ao escolher a roupa para sair de casa, quer seja ao conversar com amigos e colegas de trabalho. A gestão da informação que fazemos no dia-a-dia, optando por abordar alguns temas com umas pessoas e não com outras, mais não é do que procurar corresponder às expectativas e evitar o incómodo ou a vergonha. Numa palavra, o estigma. Evidentemente, mais do que alternar entre juízes e réus deste julgamento público, assumimos simultaneamente os dois papéis nos nossos relacionamentos. Controlamos enquanto somos controlados.
Por vezes, quando determinadas situações sociais escapam demasiado à normalidade ou ao tolerável, o estigma torna-se virtualmente impossível de iludir. É o caso, ainda de forma muito significativa, da homossexualidade. Como poderia ser de outra forma quando a "lei natural" é um dos grandes argumentos dos que se opõem ao reconhecimento dos direitos dos homossexuais? Nestas situações em que o estigma está tão difundido na sociedade geram-se estratégias de reacção dos estigmatizados que podem ir desde a vitimização ou procura de aceitação ao desdém ou à hostilidade. Passando, claro, pela afirmação do orgulho na sua condição.
Ou seja, e para chegar finalmente onde pretendo, a imagem de extravagância e o orgulho gay que alguns homossexuais nos oferecem não podem ser entendidas como uma acção independente das relações sociais em que surgem. Em boa medida, estão interligadas com as ideias que vigoram na sociedade. Alterando-se as representações sobre as "naturezas" das sexualidades, necessariamente alterar-se-ão as estratégias de reacção dos grupos visados. Por esse motivo, a alteração de comportamentos depende da interacção, isto é, de acções mútuas. A responsabilidade em questões deste calibre é, muitas vezes (muito mais vezes do que gostaríamos de admitir), de todos os intervenientes. Sacudir essa responsabilidade apenas para um dos lados nesta questão não é apenas injusto. É simplesmente errado.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Avelino (estudo de caso)

Como se explica que a candidatura de Avelino Ferreira Torres tenha sido a única, daquelas que se apresentaram em condições semelhantes, a não lograr a vitória?
O candidato a Amarante foi o único a apresentar-se a eleições noutro concelho que não aquele onde exercia funções. E isso faz toda a diferença.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Água fresca

Aqui.

«Atrasado»

"O domínio universal da absoluta falta de escrúpulos própria do egoísmo interesseiro voltado para o ganho constitui, precisamente, uma característica específica de todos os países onde o desenvolvimento capitalista burguês – avaliado em termos ocidentais – se manteve «atrasado»."

Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

terça-feira, outubro 04, 2005

Arquitectura em Portugal

"Não digo que a qualidade execrável, que a vasta maioria dos projectos urbanísiticos e arquitectónicos têm em Portugal, é só culpa do Dec.-Lei 73/73, é também culpa de arquitectos e provavelmente mais ainda devido aos autarcas - vale a pena dar uma vista de olhos! - e a quem os elege.

Um bom ambiente urbano e arquitectónico não é um produto como qualquer um. Tão pouco como a saúde ou a justiça. Para produzi-lo é preciso cultura, ética e formação sólida.
O que é o que falta.
"

Tradição académica (definição marxista)

As praxes: ritual académico em que os líderes de amanhã dão largas à ancestral vocação dos homens para abusarem dos seus semelhantes.

Movimento


Marcel Duchamp, Nu Descendo uma Escada, 1912

segunda-feira, outubro 03, 2005

Na marginal, ao fim da tarde

Domingo, seis e meia da tarde, algures na marginal entre Cascais e Lisboa. Pela frente um Seat Ibiza, todo em laranja, debita a intervalos regulares apelos ao voto no PSD e em Teresa Zambujo. Ao passar por Caxias cruza-se com uma caravana da campanha de Isaltino Morais. Autocarro de dois pisos, seguido por um número de automóveis maior do que aqueles que me apetecia contar. A música e as apitadelas abafam completamente os apelos que, imagina-se, devem continuar a sair do comparativamente pequeno Ibiza, até que a distância surte os seus efeitos e volta a dar voz aos apoiantes de Teresa Zambujo.
É só uma imagem. Não tem mais valor do que isso. Tão real quanto exagerada e caricatural. Mas sempre ajuda a levantar uma questão. No próximo domingo como será?