quarta-feira, agosto 31, 2005

Rumor assassino

"Rumor de atentado suicida em Bagdade faz 647 mortos"

Alegre out, Alegre in

Um dia antes da decisão de Soares, Manuel Alegre afastou-se da corrida presidencial. Traçou um diagnóstico preciso dos problemas que o país enfrenta, especialmente no que diz respeito à política e às desigualdades económicas. Não se refugiou em meias palavras, foi frontal no seu desacordo com a candidatura de Soares e com as decisões do PS, especialmente no pré-condicionamento das candidaturas que a direcção do partido praticamente impôs. Demarcou-se das duas e deixa o sucesso ou insucesso nas eleições inteiramente à responsabilidade de José Sócrates e da sua direcção.
Deixou subentender ainda uma antevisão negativa do futuro de Sócrates. Não há outra forma de entender a vontade manifestada em continuar a actividade política noutras batalhas, à espera do inesperado. Esse inesperado não pode ser outra coisa que não o fim prematuro do governo PS. A assim ser, deve entender-se que Manuel Alegre e a ala esquerda do PS se posicionam para disputar mais uma vez a liderança do partido e que o esperam fazer mais depressa do que se julga. E são capazes de ter toda a razão.

O ideal fascista

O abaixo-assinado que citei no post anterior é promovido pela Juventude Nacionalista, um órgão do Partido Nacional Renovador. O PNR defende um ideal discriminatório de índole marcadamente racista e xenófoba. Dizer que a linha de argumentação usada tem características fascistas acaba por ser uma redundância.

No entanto, é importante, ainda assim, salientar o carácter fascista do texto, na medida em que evoca alguns mitos correntes sobre a sexualidade, de forma geral, e a homossexualidade, de forma particular. É importante que as pessoas que acreditam que existe qualquer coisa intrinsecamente errada com a homossexualidade percebam que pisam um caminho que se aproxima perigosamente do ideal fascista. Afirmar, por exemplo, que a homossexualidade é intrinsecamente promíscua é manifestamente igual a afirmar que os judeus são intrinsecamente avarentos e intriguistas. Um preconceito inaceitável.

Da última vez que o ideal fascista assumiu relevância política, o mundo entrou em guerra durante seis anos, a Europa ficou devastada, morreram dezenas de milhões de pessoas e foi levada a cabo uma tentativa de extermínio de judeus, ciganos, homossexuais e deficientes. Foram estas as consequências de uma forma de ver o mundo e a humanidade que só aparentemente se baseia na segurança de saber o que é certo e errado. O fundamento do fascismo é uma concepção anti-democrática do espaço público e uma imposição de formas de pensar e de agir no espaço privado. Não admite oposição e não só recorre à violência como se baseia nela para se legitimar. Numa palavra, o totalitarismo.

Denunciar o cariz destas linhas de argumentação justifica-se e continuará a justificar-se enquanto continuar a haver quem nem sequer se aperceba de todas as implicações do que está a dizer. Existe uma certa hesitação em dar publicidade a este tipo de discursos e de acções que têm como suporte o puro preconceito. Mas a hesitação que possa existir dissipa-se perante a necessidade de desmistificar as supostas fundamentações racionais da discriminação da comunidade homossexual. Os argumentos em que se baseiam os defensores da discriminação da comunidade homossexual não têm qualquer base que resista a uma crítica justa e racional. Isso, por si só, faz merecer o esforço de denúncia.

(O último parágrafo foi aumentado após a publicação do texto)

terça-feira, agosto 30, 2005

Fascist eye for the queer guy

Encontra-se disponível on-line mais um abaixo-assinado. Desta vez, o motivo é a oposição a um programa que a SIC pretende transmitir brevemente, baseado num original americano intitulado Queer Eye For The Straight Guy. O programa gira em torno de um participante (heterossexual masculino) que se disponibiliza para alterar toda a sua imagem, tendo como objectivo tornar-se mais apelativo para o sexo feminino. Para tal, segue os conselhos de outros cinco homens, assumidamente gays. Segundo os subscritores do abaixo-assinado, este modelo destina-se a "promover e estimular o comportamento homossexual na sociedade e, em particular, junto dos mais novos". O texto considera ainda que "a homossexualidade é um comportamento não natural e socialmente inútil", "anti-natural do ponto de vista fisiológico e da própria anatomia sexual" e, portanto, "deve ser considerada como um desvio dos comportamentos normais, naturais, saudáveis e profícuos do Homem". Desta forma, as reivindicações da comunidade homossexual não só não devem ser reconhecidas, como toda a "promoção/propaganda pública do ‘estilo de vida’ gay afigura-se igualmente inadmissível."

Em primeiro lugar, e para que não restem quaisquer dúvidas, é preciso afirmar peremptoriamente que todas estas afirmações são falsas e se baseiam na ignorância, na má-fé ou nos preconceitos mais atávicos sobre a sexualidade.

O comportamento sexual tem muitas nuances e encerra muitos aspectos problemáticos. Mas nenhum deles inclui o efeito de contágio. Não está provado, de forma alguma, que o contacto com o estilo de vida gay, ou mesmo a convivência próxima com homossexuais, afecte o comportamento sexual do indivíduo, mesmo que se trate ainda de uma criança. De resto, definir o estilo de vida gay é uma ideia tão peregrina como definir o estilo de vida heterossexual. A orientação sexual de uma pessoa não lhe define o estilo de vida. Aquilo que uma pessoa é não pode ser definido tendo por base somente um traço da sua identidade pessoal e ignorando todos os restantes aspectos que influem nesta composição. Pode efectivamente acontecer que as crianças com relações de proximidade com homossexuais – nomeadamente, no interior da família mais chegada – não desenvolvam papéis de género tão rígidos. Mas isso não representa nenhuma deficiência de formação. Os papéis de género são socialmente determinados e é de uma arrogância inconcebível defender a priori que determinado modelo não só é o mais recomendável como também o único legítimo. O que se torna relevante para o indivíduo é que ele saiba reconhecer e interagir em diferentes contextos, sendo essa a chave da interacção em sociedade. A rigidez dos papéis sociais levanta mais problemas do que facilidades.

Outro ponto em que o texto do abaixo-assinado insiste é no factor contra natura da homossexualidade. Esta concepção resulta da sobreposição de duas confusões: uma entre sexo e sexualidade, que já abordei anteriormente, e outra entre normal e natural.

A sexualidade não tem nada de natural. Não só não é estritamente reprodutiva, como nem sequer é fundamentalmente reprodutiva. A sexualidade tem sobretudo a ver com os códigos simbólicos que as sociedades desenvolvem, e que são adoptados pelos indivíduos, para a sedução e o prazer sexual. E, na medida em que não violentem nem causem dano a ninguém (exceptuam-se, portanto, os casos de abuso e as parafilias), não existe nenhuma razão plausível para serem criticados, por mais estranhos que possam parecer. De qualquer forma, se se quiser repudiar a homossexualidade por não cumprir uma função reprodutiva, é preciso também repudiar todas as outras práticas de índole sexual, incluindo as heterossexuais, que não tenham por finalidade a reprodução. Muito provavelmente, as intenções dos autores do texto estarão muito próximas desta vontade. Mas, nesse caso, precisam de deixar de confundir o normal e o natural. Porque se para a homossexualidade a confusão entre os dois termos lhes convém, na medida em que a homossexualidade é um comportamento minoritário, facilitando-lhes a associação falaciosa entre o que é pouco comum e o que é anti-natural, já em relação a determinados comportamentos heterossexuais sem finalidade reprodutiva o mesmo não se pode dizer. Assim, tal como o argumento da naturalidade, também o argumento da normalidade se encontra fundamentado em equívocos e incorrecções, revelando a extrema fragilidade destas concepções da sexualidade.

O que estes grupos fundamentalistas defendem é uma negação do direito à liberdade sexual. O que acaba por ser o mesmo que recusar o direito à realização sexual e à consequente realização pessoal. Esta perspectiva entra em conflito com as liberdades individuais e constitui uma ingerência no espaço privado do indivíduo. Não se trata apenas de uma visão ultra-conservadora. Trata-se de puro fascismo. É ela que se torna inadmissível por representar um retorno à intolerância, ao puritanismo hipócrita e à moral e aos bons costumes tão ao gosto dos totalitarismos. No mínimo, quem subscreve tal abaixo-assinado fá-lo com a leviandade do ignaro. No máximo, fá-lo alimentado por uma profunda má-fé. Em qualquer dos casos, nem uns nem outros possuem legitimidade para fazer reparos à orientação sexual de quem quer que seja.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Passo a passo, talvez cheguemos a algum lado

Paulo Morais vai esclarecer denúncias

Aguardemos, então.

Imigração

Finalmente, alguém parece ter percebido que as regras de entrada de imigrantes em território nacional, tal como estão, não servem os interesses de ninguém. Quer dizer, sempre vão servindo os interesses de quem lucra com a imigração e com o trabalho ilegal.

Qualificações e choque tecnológico

A conversa sobre as qualificações dos portugueses cresceu e já chegou ao choque tecnológico. Para acompanhar, a quem interesse, no Água Lisa, do João Tunes.

Olha, pá, nisso estamos de acordo

"Tenho medo que isto tudo não dê os resultados esperados, que andemos a apertar o cinto em nome do Estado Social e ao fim nem mantemos o Estado Social, nem melhoramos a economia, perdemos muitos anos e perdemos as eleições."

História concisa da culpa, segundo Ricardo Gonçalves

Portanto, a culpa é do Campos e Cunha
"O Governo acabou por cair, talvez influenciado pelo anterior ministro das Finanças, na tentação de subir os impostos e tomar medidas de restrição da despesa do Estado. Isto significa que o Governo fez o mesmo que tinham feito Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite. O Governo sobe os impostos, retira regalias, aperta o cinto em determinados ministérios, e diz que isto é tudo para salvar o Estado Social - essa é talvez a única nuance que distingue este Governo do anterior."

Portanto, a culpa é da ala esquerda do PS
"Por outro lado, o argumento de que tudo é feito para salvar o Estado Social cimentou ideologicamente a ligação do Sócrates e de alguns dos seus apoiantes no PS à chamada ala esquerda do partido, que apoiou o Manuel Alegre. Isto levou a uma situação curiosa quem domina ideologicamente o PS, há muitos anos, é a chamada ala esquerda do partido."

Portanto, entre 1990 e 1995, quando o país era governado pela maioria absoluta do PSD, esses grandes esquerdistas
"Há efectivamente uma influência grande. Esta ala esquerda chega sempre ao encontro da História com dez anos de atraso. Repare que algumas das medidas que agora estão a ser tomadas, por exemplo em relação à função pública, já deviam ter sido tomadas há dez ou quinze anos."

Soares, esse amiguinho dos comunas
"Por isso é que eu não estou de acordo que seja um candidato da ala esquerda do PS - seja Soares, seja Alegre - a protagonizar uma candidatura presidencial."

Sim, pá, quer dizer precisamente isso
"É inconcebível que os candidatos [presidenciais] surjam dos 20% que, no congresso, estiveram contra José Sócrates. Quer dizer que os 80% que apoiaram o secretário-geral não são capazes de produzir um candidato?"

Portanto, a culpa é dos que criticam e não dos que governam
"E eu estou convencido de que este país só tem sucesso quando o PC e o BE criticarem com razão. Porque, por enquanto, têm criticado sem razão."

Portanto, afinal, a culpa é do Cavaco
"Cavaco viveu sempre de enganar os portugueses fez um Governo em que deu tudo a todos, manteve os lobis, lançou as bases da actual crise."



Entrevista completa ao DN

domingo, agosto 28, 2005

Meta micro-causas

Entendo os blogues como um entretenimento. Não aspiro a muito. Não aspiro a ter muita audiência, não aspiro a exercer influência, não aspiro a funções de zelador do que quer que seja. Não tenho agenda. Obedeço à vontade do momento e a mais não me obrigo. Este blogue deve ser um prazer e não uma obrigação. Sem obrigatoriedades, responsabilidades e aspirações a influência, falo e calo sem justificações. Tenho reservas sobre a verdadeira influência dos blogues, mas, ainda que me engane, não pretendo mais para este espaço do que uma forma de participação despreocupada.
Existe quem não entenda os blogues assim, quem reclame para os blogues outras funções. Sobretudo, influência. A influência implica poder; o poder implica responsabilidade. Quem reclama para os blogues uma forma de poder, tem de estar preparado para o exercer com responsabilidade, o que passa por não se furtar a comentar assuntos de relevância incontornável, por mais desconfortáveis que sejam.
O silêncio à volta das declarações de Carmona Rodrigues (que, sem assombro, confessou estar disposto a pagar apoios políticos com dinheiro público) contradiz o poder que se pretende para a blogosfera. Se não existe capacidade, ou vontade, de reconhecer o ultraje para a coisa pública que são aquelas declarações, então não se pode reivindicar para os blogues mais do que um estatuto de passatempo elaborado.


Carmona Rodrigues: Numa tentativa de estar bem com a minha consciência – sou uma pessoa de princípios – se tinha inicialmente dado abertura à inclusão de um nome na lista da Assembleia Municipal, e tendo o PSD inviabilizado essa hipótese, disse: olhe, apesar de tudo, se não houver viabilidade para isto, haverá viabilidade de outra forma.
Sábado: O que quer dizer com "outra forma"?
Carmona Rodrigues: Falei de outra forma de participar, algo ligado à autarquia, que poderia passar por uma consultoria ou qualquer coisa. O que aliás são coisas normais.
Sábado: E o que seria essa consultoria?
Carmona Rodrigues: Qualquer coisa, não faço ideia, ficou assim no ar.

Choque tecnológico

Já o deixei em comentário no Água Lisa e repito aqui: que choque tecnológico se pode implementar quando 80% da população não completou sequer o ensino secundário?

sexta-feira, agosto 26, 2005

Dois lados para cada história (pelo menos)

Parece que há para aí um estudo que conclui que os homens têm, em média, um QI superior às mulheres (abordado na 4R e no TdN). Sem outra informação que não seja a veiculada por estes dois blogues, é muito difícil tecer comentários. Ainda assim, admitindo a conclusão como correcta, é preciso ponderar os números com outros factores. Por exemplo, não restando dúvidas sobre a discriminação que as mulheres experimentam aos mais diversos níveis, interessa saber qual a população estudada e cruzar essa informação com o que já se sabe sobre este tipo de fenómenos. Se as capacidades do ser humano dependem de uma mescla entre as disposições genéticas e as influências do meio social, tudo o que pretenda atingir conclusões sem tomar em consideração estes dois aspectos peca por defeito.

Vinte por cento

A percentagem de portugueses que completou o ensino secundário não era só a mais baixa da UE em 2002. De facto, nem sequer havia nada parecido nos restantes países. Os valores mais próximos do nacional eram os da Espanha e da Itália, qualquer uma delas, ainda assim, com mais de 40%. A percentagem portuguesa em 2002 – 20,6% – era mesmo inferior à percentagem espanhola em 1992 – 24% – e neste período aumentou apenas 0,7 pontos percentuais. Uma realidade demasiado má para ser ignorada ou tolerada.

Números que arrepiam

Em 2002, Portugal apresentava uma taxa de população com o ensino secundário completo de 20,6% – a mais baixa da UE. A média europeia estava nos 64,6%, enquanto, a título comparativo, a Espanha registava 41,6% e a Alemanha registava 83%. Não explica tudo, mas explica muita coisa.

E pode adiantar nomes?

Existe um sketch do Gato Fedorento em que um dirigente desportivo dá os nomes e as provas que incriminam dois árbitros corruptos. O jornalista passa completamente ao lado das referências e, por sua vez, acusa o dirigente de não concretizar as acusações e ficar-se pelas insinuações, como é costume no mundo do futebol.
Com Paulo Morais sucede precisamente o contrário. Ainda não disse nada, mas toda a gente finge que ele já terá dito muito.

As suspeições sobre tráfico de influências e corrupção no poder local não são de hoje. Aliás, analisando os elementos que caracterizam os partidos, o exercício do poder e os interesses económico-financeiros dependentes das decisões políticas, nem são precisas as suspeições de Paulo Morais para se admitir que o sistema tem falhas susceptíveis de estarem a ser aproveitadas, quer no poder local, quer no poder central. Mas uma coisa é a desconfiança e outra, bastante diferente em substância, é a acusação fundamentada. Algo que se pareça com: "o senhor A, da empresa X, tentou aliciar o senhor B, para que a decisão sobre o assunto Y lhe fosse favorável, ao que se junta ainda a pressão do senhor C, do partido Z, que intercedeu a favor do senhor A e da sua empresa; passo a apresentar os documentos que provam esta acusação."
Tanto quanto parece, não foi nada disto que Paulo Morais fez, embora até tenha admitido conhecer nomes e casos concretos. Conhecendo-os e não os divulgando, isso tem de ser considerado cumplicidade ou, no mínimo, obstrução à justiça. O vice-presidente da CMP está longe de poder ser considerado um exemplo.

Coerência

Se o PSD reconhece que não é capaz de elaborar um orçamento realista no que diz respeito ao universo relativamente simples das contas de campanha eleitoral, como é que espera que alguém acredite que o foi capaz de fazer com o Orçamento de Estado?

quinta-feira, agosto 25, 2005

Qualquer coisa que não bate certo

O vice de Rui Rio lança umas acusações pouco definidas sobre o poder local, que confirmam uma suspeição há muito generalizada, mas que pouco ou nada acrescentam de concreto a essa suspeição, e meio mundo vem escrever sobre isso.
O candidato a presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ex-ministro e ex-presidente da mesma autarquia, admite publicamente, sem margens para equívocos, que se preparava para pagar apoios políticos com o erário público (porque era disso que se tratava) e o assunto, que merece ser escândalo nacional e custar a carreira política ao candidato, passa perfeitamente incólume.

Previsões difíceis

Vital Moreira defende que a divisão à esquerda não beneficia Cavaco. Mais ainda, afirma que se este não ganhar na primeira volta, muito mais dificilmente o fará na segunda.
Este raciocínio faz sentido mas encontra-se ligeiramente viciado, não levando em linha de conta que, na segunda volta, nem os votantes, nem as circunstâncias, serão forçosamente os mesmos que na primeira. Quer os resultados eleitorais da primeira volta, quer o seguimento da campanha para a segunda volta, podem motivar novos votantes ou desmotivar certos grupos que se deslocaram às urnas. Evidentemente, é de crer, e tudo aponta para isso, que a esquerda prefira endossar Mário Soares a ter Cavaco Silva como Presidente. Mas o eleitorado da direita também o sabe e pode perfeitamente mobilizar-se mais para uma segunda volta onde tudo se decida definitivamente.
O comportamento social tem esta característica: incorpora o conhecimento produzido para se modificar. O que, não impossibilitando, dificulta significativamente as previsões.

quarta-feira, agosto 24, 2005

As presidenciais do PCP

O PCP escolheu Jerónimo de Sousa para candidato à Presidência da República. Esta opção pretende ter um duplo impacto. Por um lado, o PCP aproveita para continuar a familiarizar o eleitorado com o novo SG. Em segundo lugar, tenta aproveitar o capital de simpatia conquistado por Jerónimo de Sousa durante a campanha para as últimas eleições legislativas.
O lado negativo desta estratégia, e que o PCP devia ter previsto, é que esta escolha representa um reforço do cenário revivalista das candidaturas à PR. Sobretudo, o resultado prático vai ser um desgaste ao qual o PCP se podia ter poupado, sabendo, como sabe, que a imprensa e os canais televisivos não são propriamente os seus melhores aliados e que o tema da incapacidade de renovação partidária está na ordem do dia. Com esta escolha, o PCP acabou por perder uma boa oportunidade para inovar e marcar a diferença.

Gripe das aves

Prenda de aniversário

Ingredientes:
1 Kg de farinha de trigo
300g de açúcar
4 ovos
1 l de leite
1 colher de chá de sal
1 colher de sopa de fermento de padeiro
3 colheres de sopa de margarina

Amassa-se muito bem a farinha, os ovos, o açúcar e a margarina derretida no leite, juntando o sal. Adiciona-se o fermento e deixa-se levedar.
Dá-se forma de bolo e deixa-se levedar durante mais meia-hora.

Leva-se a cozer em lume brando numa sertã de barro.


Receita dedicada ao segundo aniversário do Blogame Mucho. Que contem muitos e bons.

terça-feira, agosto 23, 2005

Luz

Se as amarguras se podem afundar, por que não também o simples amargo dos posts?


J. M. W. Turner, Mortlake Terrace, 1826

Sense and sensibility

Escapou-me o episódio da dúbia oferta de Carmona Rodrigues a Manuel Monteiro, em troca do seu apoio político nas autárquicas. Tudo o que há para dizer já foi dito pelo JPT e resume-se assim: a ser verdade, Carmona está a mais na política.

Sobre a sensibilidade política e moral de Carmona Rodrigues, relembro que este foi o ministro que quis explicar a queda de um viaduto pedonal sobre o IC19 com o bater de asas de uma borboleta do outro lado do mundo.

E esponencialmente? Em que sítios do país se escreve isso?

Tinha de ser. Estou a ser deselegante, o Vital Moreira até pode ter razão nas queixas que tem feito, mas tinha de ser. Já não há paciência para ler mais posts sobre o lisboetês.
Talvez seja de mim, que gosto de sotaques.

Adenda: O lapso foi emendado e este post deixou de fazer sentido. Assim sendo, recomenda-se vivamente um passeio retemperador até Mortlake Terrace, que fica um pouco mais acima.

Iberismo

Somos o terceiro país da UE a alimentar a imigração em Espanha. E ainda dizem que os portugueses não têm visão estratégica...

segunda-feira, agosto 22, 2005

Boas notícias

"Células estaminais criadas a partir da pele humana"

Um avanço que pode mitigar as questões éticas neste tipo de investigação e abrir portas para mais apoios.

A campanha que se espera

A campanha para as autárquicas está na rua há várias semanas. Para já, isso quer dizer, sobretudo, cartazes em abundância. Pelo menos em duas autarquias – Oeiras e Cascais – existem diversas referências à segurança e ao policiamento. Em Lisboa, embora a actual fase de propaganda verse somente o manifesto de boas intenções, ainda estão na memória uns antigos cartazes alarmistas do PS, do tempo da liderança de Ferro Rodrigues.
Muito mal estamos se vai ser o populismo securitário a pautar as campanhas eleitorais na área metropolitana de Lisboa. A capital e os concelhos que a circundam precisam de bem mais do que estratégias eleitoralistas que têm como único objectivo alimentar os sentimentos de insegurança das populações. Mas o que parece que se está a montar é, mais uma vez, um cenário que se centre no fogo de vista e impeça a discussão dos projectos e das concepções da cidade.

domingo, agosto 21, 2005

Cadeirão

"O professor de Jogo do Pau fez daquilo o cadeirão do curso."

Isto parece tirado de um sketch do Gato Fedorento, mas eu juro, por tudo o que é sagradinho, que corresponde à mais pura das verdades. Há um curso do ensino superior, pelo menos, que tem uma cadeira de Jogo do Pau. A qual, ao que parece, pode ser bem exigente.

sexta-feira, agosto 19, 2005

Genealogia

Do meu avô paterno recordo muito o seu sorriso calmo. Trabalhou e correu atrás de autocarros e eléctricos até adoecer. Morreu octogenário, vencido, em menos de um ano, por um cancro nos intestinos. No dia em que soube da morte do último irmão vivo, sentou-se, fechou a cara e murmurou, sem uma lágrima, mas com toda a tristeza do mundo, "agora só sobro eu".
O meu avô materno, homem cheio de ternura e compreensão, tinha também um sorriso calmo, mas com mais traços de garoto. Sabia o valor infinitamente mais alto de mostrar caminhos, em vez de apontar locais de chegada. Portuense e portista indefectível, viveu para celebrar a final de Viena, mas a máquina vitoriosa de Mourinho, que o teria enchido de alegria e orgulho, veio muitos anos depois da derradeira trombose que o levou. Numa noite de Consoada sentiu-se mal e deu entrada num hospital do Porto, onde veio a falecer aos primeiros dias do novo ano. O Natal nunca mais foi o mesmo, depois disso.
A minha avó paterna está, neste momento, a passar uns dias em casa dos nossos primos, numa aldeia perto da Sertã. Há anos que se esforça por vencer as saudades do marido e dos mais de cinquenta anos que estiveram juntos. E também de ter a família mais perto. Desconfio que nunca se habituou à ideia de ter filhos e netos adultos. Tem de se preocupar com as quedas, para que não voltar a partir mais um dos seus frágeis ossos, perigosamente rendilhados pela osteoporose. Para seu desgosto, está muito longe do planalto angolano, onde nasceu, e da cidade do Lobito, para onde foi viver depois de casar. Não consegue evitar emocionar-se ao recordar esses tempos imortalizados nos álbuns de fotografias.
A minha avó materna já não se preocupa com as quedas, que tanto a martirizaram, porque está há mais de um ano reduzida a uma cadeira de rodas. De todos, sempre foi a mais dura. Maria-rapaz, enquanto nova corria atrás dos carros de bombeiros pela cidade do Porto. Os pais não a deixaram fazer mais que a quarta classe e a Escola de Belas Artes nunca passou de um sonho. Agora há-de passar os dias com saudades da mui nobre e sempre invicta cidade natal. Deve ter medo de não lá voltar, para rever vivos e mortos. No dia em que enterrou o marido, sentou-se ao meu lado, consolou-me o choro e disse-me para ser forte pela minha mãe. E eu tentei ser.
Tiveram e têm os seus defeitos; quem não os tem? No essencial, pessoas honradas e honestas. E, se me perguntarem, a avaliar pela geração seguinte, mas não só, deram um excelente contributo para formar uma família de pessoas com as mesmas qualidades.

Qual cartelização?

A variação entre o preço de referência para a gasolina sem chumbo 95 da GALP e da BP é de 1/5 de cêntimo. Um quinto. Todas as diferenças que possam existir na produção e colocação no mercado nacional de gasolina sem chumbo de 95 octanas pelas duas super-empresas que são a GALP e a BP traduzem-se, para o consumidor, nuns significativos 0,002 euros. Não há cartelização? Pois não, não há...

Concorrência nos combustíveis (actualizado)

A reacção às acusações de Correia de Campos sobre o sector dos combustíveis não tardou. Segundo o JN (link retirado do Pé de Meia), o presidente da Associação Portuguesa das Empresas Petrolíferas, António Comprido, declarou que "toda a gente sabe que a subida dos preços dos combustíveis se deve à situação do mercado internacional", negando de seguida uma relação entre os aumentos e a liberalização do sector.
Mas António Comprido está a ver mal as coisas. O problema, como acusa a ANAREC, e que o JN recorda, é a existência de uma prática de concertação de preços. O problema não são só os aumentos, embora esses já sejam suficientemente preocupantes, mas, sim, a nítida sensação de não existir verdadeira concorrência entre as entidades fornecedoras de combustível ao consumidor.
Neste momento, os preços de referências das principais marcas a operar em Portugal são os seguintes:

GALP
Gasóleo – 0.998
Sem chumbo 95 – 1.237
Sem chumbo 98 – 1.302

BP
Gasóleo – 0.998
Sem chumbo 95 – 1.235
Ultimate 100 – 1.365

REPSOL (preços de 19 de Agosto, segundo notícia da SIC)
Gasóleo – 0.996
Sem chumbo 95 - 1.235
Sem chumbo 98 - ?

Vale a pena, ainda, passar por esta edição do suplemento de negócios do DN de 8 de Agosto.

quinta-feira, agosto 18, 2005

O valor da opinião anónima

O João Morgado Fernandes partiu de uma premissa, a meu ver, bastante correcta. Existem factos e existem opiniões e os dois não se equivalem. Um facto, em princípio, é passível de verificação empírica. Ou corresponde à verdade ou não corresponde e ponto final. Encontra o seu valor no respeito por esta relação com a verdade.

Uma opinião é, por definição, subjectiva. Não tem a correspondência unívoca com a verdade que o facto pode ter. A opinião é uma visão da realidade, pelo que convém que se aproxime desta, mas o grau de aproximação é muito difícil de estabelecer. Por esse motivo, também não se pode dizer que a opinião valha por si só. Em última análise, isso seria o mesmo que admitir uma reabilitação da moral sofista. A adequação à realidade tem de ser sempre um factor a considerar na avaliação da opinião.

O mundo actual caracteriza-se por uma profusão de informação, de saberes e de campos de conhecimento. Existe, de facto, uma impossibilidade para o comum mortal de se pronunciar com autoridade sobre uma vasta gama de acontecimentos, pelo simples facto de não ter capacidade para os acompanhar a todos. É nesta óptica que surge a figura do perito. A maior parte das vezes delegamos a função de conhecimento aos peritos e formamos opinião baseados no que é, com efeito, a opinião deles. Esta escolha permite que nos concentremos naquilo que são as nossas competências, facilitando-nos, e muito, a vida quotidiana.

O facto de não dominarmos os assuntos não nos impede de sobre eles opinar. Quanto muito, diminui-nos a credibilidade para o fazer, e é até justo que isso aconteça. Ninguém se quer meter num avião baseado nas garantias de segurança dadas pelos bagageiros, mas sim pelas dos técnicos competentes. Tem que se estabelecer uma relação de confiança com o perito para que a sua palavra seja mais credível que a opinião de senso comum.

Isto deixa-nos num ponto crucial que é o dos papéis e das identidades. A relação de confiança só se estabelece com sucesso se a identidade do perito corresponder à que se espera desse papel social. Falamos de identidade e não de identificação. Não interessa se o perito é A ou B, mas se o comportamento adoptado corresponde ao que acreditamos que um perito deve ter. Porém, negar o peso do nome seria ingénuo. Os peritos tornam-se tanto mais credíveis quanto mais conhecidos forem. É essa a razão pela qual quando se procura um canalizador se telefona aos amigos a perguntar se recomendam alguém. Não conhecendo o perito, podemos garantir, pelo menos, que conhecemos quem o conheça.

Mas não é esta a questão fundamental. O ponto onde nos devemos centrar é na questão da identidade da pessoa em causa. Não quem é, mas, sim, se possui as características de quem afirma ser. Um problema de expectativas.

A construção da imagem, ou seja, da expectativa, resulta dos preconceitos correntes na sociedade sobre o objecto em questão e, posteriormente, da relação concreta que com ele se estabelece, a qual pode servir para reforçar ou desfazer o preconceito. Transpondo este cenário para a realidade dos blogues, verificamos que o anonimato não é importante enquanto função (des)legitimadora da opinião emitida. Em última análise, é possível fazer corresponder ao texto publicado a identidade do bloguista. Basta acompanhar um blogue durante algumas semanas (durante alguns dias?) para se descobrir simpatias políticas, modelos valorativos, até pormenores da vida pessoal, como o estado civil, progenitura, profissão, etc. Portanto, sendo possível reconduzir a opinião emitida num blogue à identidade do bloguista, relacionando-a com tudo o que aí foi publicado, existe uma responsabilização pública efectiva do bloguista pelo que escreve e a questão do anonimato torna-se secundária. O mais importante é fazer corresponder a opinião emitida aos possíveis conhecimentos que o bloguista afirma ter.

O que nem sempre é possível é fazer corresponder à identidade do bloguista uma identificação pessoal, fruto do anonimato ou da utilização de um pseudónimo. A questão das caixas de comentários é ligeiramente diferente, porque estas podem permitir um anonimato total. Mas também só tem caixas de comentários quem quer e há-de ser sempre possível, se necessário, indagar IP’s. Aliás, para este efeito, não se pode nem se deve meter no mesmo saco a difamação, ou o insulto, e a opinião. A opinião pode ser mais positiva ou mais negativa, mas só é censurável se entrar no terreno do ilícito e nesses casos há figuras jurídicas para assegurar os direitos dos ofendidos.

Sobretudo, não podemos esquecer que as pessoas tanto têm direito à opinião como à privacidade. Quem conhece as realidades distintas da vida numa grande cidade e numa pequena aldeia sabe bem as vantagens e desvantagens do anonimato social. Numa pequena aldeia (e nalguns bairros citadinos) é praticamente impossível ter vida privada. Por outro lado, numa cidade, as relações entre vizinhos são, a maior parte das vezes, institucionais e altamente formais. Nas cidades ganha-se em privacidade o que se perde em intimidade. Na blogosfera, apesar das devidas diferenças, não existem razões para que os relacionamentos não se pautem pelas regras que imperam nas relações presenciais. A blogosfera exerce uma auto-vigilância muito crítica. Está-lhe na essência. É de uma rede que falamos, com múltiplos pontos de contacto e há assuntos ou acontecimentos que acabam por ser transversais a um número muito elevado de blogues. A título de exemplo, toda a gente sabe que existem blogues extremistas, que professam, por exemplo, causas racistas e xenófobas, mas, como pode ser comprovado nos sites que se dedicam a inventariar esses registos, a notoriedade que alcançam é diminuta.

Por tudo isto, talvez não seja demais afirmar que a blogosfera reúne condições de excelência. Permite uma participação cívica intensa e empenhada sem cobrar demasiado em perda de privacidade. Ou cobrando apenas na exacta medida do que estivermos dispostos a ceder. E parece que, até ao momento, tem funcionado muito bem assim.

Bloguista famocrata, não!

A minha provocação para o João Morgado Fernandes mereceu resposta do José Pimentel Teixeira. Adianto-me, por isso, ao que o JMF tenha mais a dizer sobre o assunto do anonimato e sobre o meu post em particular e passo a esclarecer umas coisas com o JPT.
Desde logo, para evitar confusões e mal entendidos, afianço ao JPT que não reconheço qualquer legitimidade na estratificação e no estatuto social a que ele alude. Bem pelo contrário, é-me bastante indiferente a assinatura nos blogues, embora reconheça a formatação do vício de prestar mais atenção às assinaturas na imprensa e nos noticiários.
Já me hei-de ter queixado por aqui desse triste fado de sermos um país de salamaleques classistas, expressos nessa instituição nacional que é a utilização compulsiva dos "Exmos. senhores doutores" e dos "Exmos. senhores engenheiros". Somos um país de muitas aparências e poucas substâncias. Contudo, eu gosto de pensar que vou pautando os meus juízos pelas substâncias e não pelas aparências.
Não nego preconceitos. Tenho-os como toda a gente os tem. Aplicados à blogosfera, ajudam-me a categorizar previamente o que vou ler. Desajudam, nessa mesma medida, se após a leitura se impuser simplesmente o preconceito e não a confrontação racional de ideias. Assim, concordo com quase tudo o que o JPT escreveu, excepto com o facto de me encontrar incluído nessa lista de "opiniões acomodadas, podres e risíveis", que perpetuam famocracias através da auto-desvalorização. O JPT interpretou-me muito mal, ou a minha ironia não funcionou como eu desejei, mas não há no post Opinião ou boca nenhuma vontade de legitimar as estratificações sociais baseadas no nome ou no grau académico. Li e reli tanto as minhas palavras como as do JPT e não consigo enfiar essa carapuça.
Para concluir, repito, os nomes e as assinaturas, sobretudo nos blogues, são-me relativamente indiferentes. Não me prendo nos nomes, nas assinaturas ou nos anonimatos, porque, da mesma forma que não acredito que um nome legitime, por si só, uma opinião, também não julgo que o anonimato a desautorize. A afirmação do JMF pareceu-me, por isso, precipitada e injusta. Não sei como serve a assinatura para diferenciar a opinião da boca. E falo de assinaturas mas posso falar também de nomes, porque não é o nome, em si, que se torna relevante, mas a adequação à realidade da opinião emitida, e isso depende apenas das capacidades de análise da pessoa, as quais, escusado será dizê-lo, não se encontram no nome.

Cartel

Ontem à noite, Correia de Campos admitiu sem assombro que, ao contrário do que se espera com os medicamentos, a liberalização de preços dos combustíveis não funcionava a favor do consumidor porque este sector está cartelizado. Como se trata do ministro da Saúde, talvez a acusação não tenha repercussões. Muito mais interessante seria ouvir o mesmo do ministro da Economia, ou do responsável pela Autoridade da Concorrência.
Aguardam-se reacções, mas sem grandes expectativas.

quarta-feira, agosto 17, 2005

Opinião ou boca

"No que a matérias de facto diz respeito, quase que por tique profissional, habituei-me a joeirar as coisas, a tentar perceber o que é facto factual e o que não passa de facto ficcional.
Já quanto à opinião, tudo muda. Que valor tem uma crítica, uma opinião, face a um político, um juiz, ou um jornalista, quando essa opinião vem de alguém que se esconde atrás do anonimato ou do pseudónimo? Nesses casos, não estamos, de facto, perante opinião, mas apenas face a bocas."


Perante esta opinião, eu gostava de colocar o seguinte problema ao João Morgado Fernandes. Garantindo-lhe eu que o meu nome é efectivamente Miguel Silva, pelo que não se pode dizer que escreva no anonimato, sendo certo também que sou um ilustre desconhecido, sem uma única linha publicada noutro lado que não seja na blogosfera, não havendo muito mais de meia dúzia de pessoas que possam comprovar a veracidade disto que afirmei e nenhuma delas com grande paciência para o fazer, poderia o JMF esclarecer-me se o que escrevo são opiniões ou apenas bocas?

Os sonhos não morrem

O anonimato nos blogues

Esta história do anonimato nos blogues ultrapassa-me. De tempos a tempos o assunto volta a ser tema do dia, debatendo-se credibilidades, legitimidades e responsabilidades. Acusam-se os blogues, muito particularmente os blogues anónimos, de alojarem muitas insinuações torpes e mal fundadas sobre figuras públicas. Não sei se será bem assim. Ao que parece, existem uns três mil blogues portugueses, o que torna perfeitamente impossível, para quem quer que seja, acompanhá-los a todos. Por este motivo, não sei até que ponto é justa aquela acusação. De resto, da forma como vejo as coisas, existe sempre um acto voluntário ao aceder a um blogue. Quem lê blogues anónimos enquanto se vai queixando da sua existência entra em contradição consigo mesmo. Faz recordar a polémica exibição do Império dos Sentidos pela RTP. Era possível encontrar pessoas que repudiavam veementemente a audácia do filme, mas que conseguiam recordar os pormenores mais provocantes com uma facilidade só ao alcance de quem tivesse visionado o filme com muita atenção.
Os blogues não favorecem mais a denúncia anónima do que a tradicional carta, ou o mais recente e-mail. Quem quiser fazer denúncias sem revelar o nome, por mais verdadeiras ou caluniosas que sejam, encontra diversos meios para o fazer. Muitas vezes são os próprios órgãos de comunicação social, ao abrigo da sempre presente figura da fonte anónima, que se posicionam como meio de eleição para verdadeiros autos de fé. O problema, nestes casos, como nos dos blogues, não passa pelo meio em si, embora seja de esperar mais de um meio de comunicação social do que de um blogue. O cerne da questão passa pelas pessoas que se dispõem a manipular ou a ser manipuladas, sendo de criticar a falta de escrúpulos das primeiras e a falta de juízo crítico das segundas.
É compreensível que as pessoas que escrevem e lêem blogues se preocupem com a legitimidade deste meio. Mas, por comparação com os meios de comunicação social, muito mais abrangentes e influentes, parece uma preocupação excessiva e desfasada. O verdadeiro poder ainda pertence aos meios tradicionais e é sobretudo neles que devem estar centradas as atenções.

Uma questão civilizacional

Não devia ser permitido aos taxistas ouvir qualquer tipo de música durante a prestação do serviço de transporte de passageiros. E não devia de ser excluída a hipótese de atribuição de avultadas indemnizações aos clientes caso esta regra fosse quebrada.

Somewhere

There’s something happening somewhere, I just know that there is.

terça-feira, agosto 16, 2005

Out

There must be some way out of here, said the joker to the thief.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Pluralidade

O diagnóstico feito no post anterior coloca-nos numa situação delicada. Com os aparelhos dos dois partidos que se apresentam alternadamente no exercício do poder dominados por relações dúbias, impõe-se uma alteração que salvaguarde os interesses do bem comum e da ética democrática. Desde logo, não se pode esperar que os partidos políticos tenham como meta última e única o bem comum. Os partidos políticos são, sobretudo, grupos de interesse, assim como o exercício do poder se pode considerar uma gestão desses mesmos interesses. Em teoria, o voto manifesta uma coincidência de interesses entre o eleitor e o partido. Mas uma coisa é a teoria e outra é a realidade e não se arrisca praticamente nada ao afirmar que a maior parte da população vota sem conhecer os propósitos dos partidos, o que se fica a dever quer ao desconhecimento dos programas de governo quer à impossibilidade de aferir a fiabilidade das intenções neles professadas.

O texto de Pedro Adão e Silva (sugestão de leitura do Bloguítica) aponta o financiamento público dos partidos como medida adequada para a sanidade do sistema político. É uma medida lógica, embora sujeita às objecções do eleitorado que ele mesmo reconhece. Contudo, deve-se ter em conta que mais financiamento público não erradica, por si só, os esquemas de financiamento privados ou ilegais. O crime não se erradica completamente de nenhuma sociedade, pelo que não se podem esperar soluções milagrosas. Nesse sentido, será mais aconselhável assumir o financiamento privado? Em teoria, estaria tentado a responder afirmativamente. Em teoria, o eleitorado deveria informar-se sobre os programas dos partidos, tal como deveria informar-se sobre os interesses privados que financiam os partidos. Mas, como sabemos, na maior parte dos casos, a primeira condição não se verifica, tal como é previsível que a segunda também não se verifique. E, apesar do afastamento entre o eleitor e o poder, existe aqui um outro problema que passa pela impossibilidade de se negar ao primeiro a capacidade de tomar as suas próprias decisões. Fazê-lo seria tão ilegítimo como insustentavelmente paternalista.

Nos comentários ao post anterior, o Raul, do Congeminações, chama a atenção para o controlo que um meio como a blogosfera ajuda a exercer. Pacheco Pereira também salientou a influência que este meio tem vindo a ganhar junto do poder político e das redacções dos meios de comunicação, se bem que ainda pouco reconhecida. No entanto, apesar da crescente influência dos blogues no exercício da cidadania, o verdadeiro escrutínio público do poder político tem de passar pelos meios de massas, como a imprensa e a televisão. A blogosfera, neste momento, não pode aspirar a mais do que uma influência relativa junto destes meios, deixando para eles a influência directa sobre a opinião pública.

Tendo estas ideias em consideração, um princípio de solução passará, assim, pelo exercício de escrutínio. Para isso, torna-se imperioso que a comunicação social se revele independente dos poderes políticos e económicos. Sabemos que a situação actual está longe de ser exemplar, pelo que é profundamente recomendável implementar medidas que impeçam a concentração dos meios de comunicação.

Esta necessidade conduz-nos ao que acaba por ser o passo decisivo para alterar esta realidade. Não é de supor que os interesses instalados cedam sem uma luta intensa. Pelo contrário, há movimentações nacionais e internacionais que demonstram que a tendência pode ser exactamente a inversa, como é atestado pelo escândalo do "mensalão" no Brasil, pela tentativa de controlo do El Mundo, em Espanha, pelas leis aprovadas por Berlusconi, em Itália, e pelos negócios envolvendo diversos títulos da imprensa, em Portugal. Mesmo considerando uma sociedade mais propensa à abertura e à discussão pública, é necessário que os centros de poder – partidos e interesses instalados – partilhem esta ideia, ou se vejam forçados a partilhá-la.

Esse caminho tem de passar por um processo de dispersão. A chave para esta questão passa pela pluralidade, conceito fundamental da democracia. Pluralidade não só ao nível da imprensa, como também ao nível eleitoral. É preciso afirmar inequivocamente que o modelo de alternância do bloco central está absolutamente esgotado e não permite a evolução do país. A solução não passa por uma alteração dos fundamentos da República ou do sistema eleitoral, muito menos se for para implementar círculos uninominais ou outras formas de bipolarização. O sistema que temos funciona, se não se encontrar, como encontra, amplamente minado. Torna-se necessário colocar os partidos numa situação em que se possam controlar mutuamente, diminuindo as situações de abuso, algo que só pode ser conseguido com mais pluralidade e nunca com menos. Talvez sejam precisos mais partidos que ajudem a fragmentar os resultados eleitorais, favorecendo diferentes formas de coligação. É preciso acabar com o mito da estabilidade conseguida exclusivamente por maioria absoluta. As coligações impõem-se como solução viável em inúmeros países europeus e não há nenhuma razão objectiva para que não possam funcionar igualmente em Portugal. Afirmar preconceituosamente o contrário acaba por fazer o jogo dos principais interessados no situacionismo actual.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Um mal de antanho

Maquiavel argumentou que um governo, para ter vida longa, devia favorecer o povo ou o exército, consoante encontrasse num ou noutro o mais poderoso aliado. Os tempos mudaram, mas mantém-se o fundamental da sua equação. O poder deve favorecer aqueles que o suportam, mesmo que à custa do bem estar de outros, contanto que estes tenham menor capacidade de colocar em risco a ordem estabelecida.

O povo, a população, a sociedade civil ou o que lhe queiram chamar, nada pode neste país. É o elo mais fraco da cadeia de relações de força. Vota, é certo, mas o seu voto é previsível. De uma forma particular, sabe-se com bastante antecipação quem serão os escolhidos nos actos eleitorais e, de uma forma geral, sabe-se que esses nomes provêm, quase sempre, de duas áreas partidárias. Nomeadamente, e para o que interessa, as eleições legislativas sempre ditaram vitórias do PSD ou do PS, da mesma forma que a maior parte das autarquias é também gerida por estes partidos. Com esta previsibilidade de sentido de voto, não é difícil estabelecer estratégias de influência para assegurar os interesses que se alimentam do poder central e do poder local.

Tendo em conta esta realidade, sendo que o povo não tem poder real, as alianças têm de ser feitas com outros actores. É desta forma que as ligações entre os partidos políticos e os grandes grupos económicos se tornam tão fortes e frequentes. Para os partidos, interessados em ascender ao poder, a ligação aos grupos económicos traz a vantagem óbvia de ter ao seu lado o aliado mais poderoso que podem conseguir. Para os grupos económicos, a ligação aos partidos permite um controlo sobre a implementação das decisões políticas que mais os favorecem, com a vantagem adicional de poderem ir alternando entre duas possibilidades consoante a conjuntura. Saem a perder os suspeitos do costume: o Estado e o seu Orçamento, alvos fáceis dos saqueadores de serviço, e o povo, contribuinte fiscal sem regalias e consumidor final numa economia dominada pelos monopólios, pela concorrência falseada e pela concertação de preços. Enquanto isso, a promiscuidade entre cargos políticos e cargos empresariais vai sendo alimentada, sendo certo, ainda, que muito mais se joga nos bastidores por quem está muito pouco interessado em dar a cara.

Não tem faltado quem pergunte como chegámos a este ponto. A resposta é simples e a única razão porque não se apresenta imediata reside no engano da formulação da questão. Os problemas com que o país se debate não são tanto um estado a que se chegou quanto um estado do qual ainda não se saiu verdadeiramente. São consequências de 48 anos de ditadura, de poder discricionário, de oligarquias e de clientelismos. Meia década em que se divergiu da tendência de desenvolvimento e abertura do mundo ocidental, em que a maior parte dos portugueses foi mantida nas trevas, porque essa era a forma que mais beneficiava as práticas atávicas que sustentavam a nossa oligarquia económica e em que a educação permitia aprender os 1001 rios que percorriam a metrópole e as respectivas colónias, mas que não preparou ninguém para o risco, nem para a mudança, nem para a inovação, em termos sociais e empresariais. Em suma, são o resultado de uma democracia jovem, imatura e fraca, que ainda não soube libertar-se convenientemente do fardo que representam esses tristes anos. E recordemos que é possível fazê-lo, como o demonstra o exemplo que vem de Espanha, a qual cresce e se afasta cada vez mais de nós.

O problema deste país não é liberdade a mais, mas sim liberdade a menos. Falta de liberdade que afecta as capacidades e os direitos do Estado, enquanto agente económico, e as capacidades e os direitos dos seus cidadão, que se vêm na obrigação de financiar um enriquecimento do qual nunca chegam a usufruir. Enquanto não se implementarem medidas que refreiem os apetites vorazes dos que lucram com o estado actual da economia, a aposta na qualidade, na competitividade e na justiça social nunca será sincera e viável.

Jogar pelo seguro

Hoje optei por subir pelas escadas.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Ironia matinal

Saio já bastante atrasado de Caxias. Faço a marginal sem trânsito, nem sequer encontrando um único semáforo vermelho. Chego a Algés em 10 minutos ou menos. Tu sais, eu continuo. Sigo caminho pela CRIL. Não há problemas na junção com o final do IC19. O início da 2ª Circular promete uma viagem sem obstáculos e eu decido arriscar. Confirma-se o bom prognóstico. Deixo a 2ª Circular na zona do Campo Grande e em pouco mais de um minuto estou no meu destino, em pleno Lumiar. Em todo o percurso gastei qualquer coisa à volta de 20 minutos. Só possível em Agosto, claro.
Entro no edifício do escritório e... fico trancado no elevador perto de um quarto de hora.

terça-feira, agosto 09, 2005

Blue pill vs. red pill

"Quem engana encontra sempre quem se deixe enganar."

Nicolau Maquiavel

segunda-feira, agosto 08, 2005

Perfeito

Umas refeições muito agradáveis, uns telefonemas simpáticos, um bom livro e a companhia de quem mais se quer é tudo quanto é suficiente para tornar um dia perfeito. Ontem foi assim. Obrigado por participarem.

A utilidade do descrédito

A maior notoriedade que os casos de conflitos de interesses e práticas políticas de ética duvidosa têm registado não expressa, forçosamente, um acréscimo, em frequência ou intensidade, desses mesmos comportamentos. Pelo contrário, é possível fazer uma leitura mais positiva e conceber que a tolerância e o silêncio sobre estes assuntos começam a deixar de ser dominantes. A sociedade começa, finalmente, a perder o receio de manifestar publicamente o seu desconforto.
Este é o lado positivo. O lado negativo é que, não havendo responsabilização de todos os que comprovadamente incorrem nestes actos, generaliza-se um sentimento de impunidade. Nada de novo, aliás. Trata-se de algo que se verifica nos mais variados cenários. Sem determinismos, claro, mas igualmente sem ingenuidades. Generalizando-se esse sentimento de impunidade, duas consequências podem surgir em simultâneo. Desde logo, aí sim, uma tendência para aumentarem esses mesmos comportamentos. Em segundo lugar, fruto do péssimo exemplo, uma tendência para aumentarem os incumprimentos para com o Estado, tantas vezes confundido com os homens que, mal ou bem, o representam. E como o descrédito do Estado serve perfeitamente os interesses dos ultra-liberais, daí a defender-se novamente a alienação das suas funções sociais básicas, quer no campo da prestação de serviços quer no campo da regulação e intervenção na economia, irá um pequeno passo. Um pequeno passo que, bem vistas as coisas, acaba também por não ser propriamente novo.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Decapitação

Reconheço em mim, olhando para a política nacional, duas tendências distintas. Uma, a de imaginar com facilidade cenários negros. Outra, a de pensar que deveriam rolar cabeças com muita frequência.
Por enquanto, não estão visíveis todas as linhas. Nem sequer todos os pontos que elas unem. Mas não há-de faltar muito. E a continuarmos assim, não parece de todo improvável que se possa vir a pedir a maior cabeça de todas.

Linha de água

O estado a que está a chegar o exercício da política é preocupante. A prática política, tal como tem vindo a ser feita, ganhou uma conotação extremamente negativa. O descrédito instalou-se e ameaça conduzir a uma perspectiva nihilista generalizada. Para o eleitorado, a classe política, na sua generalidade, deixa de merecer confiança. Por arrasto, todo o sistema político sofre também um descrédito e as instituições deixam de merecer respeito. Perdem-se os pontos de referência e as escalas de valores porque, em última análise, resulta tudo no mesmo, quaisquer que sejam os partidos no poder e os detentores efectivos dos cargos.
Esta generalização, como todas as generalizações, não é correcta nem justa. Mas cada nova suspeita, cada caso de negligência ou incompetência, cada caso de favorecimento, contribui para o avolumar desta percepção e essa é uma realidade tão incontornável quanto perigosa.
A sombra que paira sobre a classe política tende a afastar os mais competentes e sérios. Por exclusão, sendo estes menos, sobram mais dos outros. Não é justo afirmar que a classe política é, no seu todo, ou sequer na sua maioria, incompetente ou desonesta. Mas pode esperar-se que o estigma que a vai cercando impeça a aproximação de caras e ideias novas. Um fenómeno que tende a agravar-se com as redes de influências e de interesses características dos aparelhos partidários, as quais tendem, naturalmente, a salvaguardar-se e a cristalizar as estruturas vigentes.
Existe, neste momento, uma necessidade urgente de transparência e ética na prática política. O fantasma da ingovernabilidade já paira no ar, tal como já se levantam vozes que questionam a legitimidade e a longevidade desta República. Duas visões que são, no mínimo, precipitadas. O problema não está tanto no sistema político quanto nos seus representantes. Encontrem-se formas de responsabilizar e manter afastados os maus exemplos e todo o sistema respirará melhor.
Não havendo dúvidas sobre o diagnóstico actual, resta ainda um problema nada negligenciável. Este reside no facto ter de se conseguir impor parâmetros éticos fundamentais sem abrir espaço ao aproveitamento populista e demagógico que o tema facilmente suscita. Ninguém pretende que o remédio saia pior que a doença.

Crónica de uma desilusão anunciada

Só se desilude quem acalentou esperanças. A hipótese de ter José Sócrates à frente do PS sempre representou um regresso ao pior do guterrismo. Prognosticava-se que daria, como deu, para ganhar as eleições com larga margem. Todos os outros indicadores, que não prenunciavam nada de bom, foram, por isso, menosprezados. As consequências estão à vista, e nem demoraram muito tempo a fazer-se notar.

Não se pode dizer que os sectores do PS que apoiaram Sócrates na sua candidatura à liderança do partido o tenham feito discretamente. Pelo contrário, mostraram a cara e todos puderam ver quem eram. No final de Setembro do ano passado, o Público identificava, na primeira fila da recepção ao novo líder, António Costa, Jorge Coelho, Vitalino Canas, Edite Estrela, Jaime Gama, Sérgio Sousa Pinto, Capulas Santos, Armando Vara e Miranda Calha. As distritais e os autarcas do PS também apoiaram em peso a sua candidatura. Não havia como ser enganado. De resto, ainda antes das eleições, Miranda Calha escrevia, também no Público, um artigo de opinião a declarar o seu apoio a Sócrates. Miranda Calha prognosticava a vitória de Sócrates e avançava quatro razões para isso, sendo a última delas perfeitamente exemplar do que da sua liderança se poderia esperar em relação ao aparelho partidário. Essa quarta razão consistia, muito resumidamente, no facto de Sócrates ter uma visão para o partido, visão essa que não aviltava o aparelho. Sócrates estava com o aparelho e o aparelho estava com Sócrates.

Perante os acontecimentos verificados em menos de meio ano de governo Sócrates, chegou a hora de falar claramente. Esta liderança do PS e este governo não têm o valor que afirmam ter. Não contribuem para a credibilidade da governância, não contribuem para a credibilidade do PS e não contribuem para a credibilidade de uma alternativa política à esquerda. É verdade que não estamos perante uma reedição dos governos PSD-PP, que ainda podem classificar-se como o pior que nos aconteceu nestas últimas décadas. Mas o rumo do país continua a afastar-se, contra as mais elementares regras do bom senso, do trilho que deveria percorrer. O futuro está longe de corresponder aos legítimos desejos de progresso social e económico de qualquer sociedade. E o pior é que a luz ao fundo do túnel parece cada vez mais ténue.

quinta-feira, agosto 04, 2005

Há melhores maneiras de começar o dia

Hoje as temperaturas vão rondar os 40º em Lisboa.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Leituras de Verão

Enquanto metade da blogosfera, à imagem do país, anda a banhos, vale a pena percorrer as linhas através dos pontinhos que o Paulo Gorjão vai marcando. Leitura recomendada é também este post no Adufe. Podendo parecer que não, uma coisa tem tudo a ver com a outra.

terça-feira, agosto 02, 2005

Post anual

Agosto é o melhor mês para se estar em Lisboa.

Entre Cavaco e Soares

É provável que a reincidência neste tema me conote com o soarismo, seja lá isso o que for. Não é correcto. Serei, em vez disso, anti-Cavaquista. Convictamente, por princípio e por memória.

Recordações do cavaquismo

O declínio do PSD, em meados da década de 90, que culminou na vitória de Guterres, confunde-se com o declínio do cavaquismo. Não foi tanto Fernando Nogueira que perdeu essas eleições legislativas em 95. Foi Cavaco e o seu modelo de governação, o que viria a confirmar-se, se existissem dúvidas, quando perdeu igualmente as eleições presidenciais.

A aura de competência e rigor que Cavaco arrasta não tem equivalência com o que foram os seus governos, muito especialmente o segundo mandato. Um primeiro-ministro é o chefe do governo e o seu responsável último. É ele que responde pela equipa governativa e pelas políticas implementadas. Não se pode, por isso, deixar de associar Cavaco Silva aos muitos e muito maus ministros que teve nos seus governos. Ao nível das políticas por eles seguidas, e tendo presente as entradas significativas de dinheiro proveniente da UE, há muito a criticar. Durante os seus mandatos a aposta centrou-se no betão e no alcatrão. Não houve preocupações ambientais, sociais ou éticas. O interior foi progressivamente abandonado, não se fazendo nada para diminuir a desertificação, o envelhecimento da população e o êxodo rural. O litoral foi deixado aos predadores do sector imobiliário e do (mau) turismo, tendo os autores de toda a espécie de crimes ambientais ficado impunes. A já fraca agricultura foi completamente hipotecada aos interesses dos países do Norte e do centro da Europa. A educação foi deixada para segundo plano e nunca passou de uma pasta para queimar ministros. A qualificação da mão-de-obra foi desleixada praticamente até à obsolescência das competências. Verificaram-se fraudes gigantescas na atribuição dos subsídios à agricultura, à indústria e à formação, o que abalou de tal forma a sua credibilidade que ainda hoje existe esse estigma em relação aos apoios comunitários. Em suma, não ficou um único projecto estruturante digno desse nome, com mais valias a médio e longo prazo. Sobrou uma rede de auto-estradas que permite chegar mais depressa a locais onde não existe nada.

Da mesma forma, não se pode esquecer a desconsideração perante o parlamento e as oposições e o sistemático bloqueio às suas iniciativas. Os governos de Cavaco não conviveram bem com a pluralidade, o que, independentemente das putativas capacidades técnicas, é sempre um mau indicador democrático. Ao mesmo tempo, alimentaram-se as clientelas partidárias e o caciquismo autárquico, do qual o cavaquistão foi um dos melhores exemplos.

A governação de Cavaco Silva também ficou marcada por um estilo muito particular. Os governos de Cavaco sempre evidenciaram sinais de arrogância e de paternalismo, não só perante a oposição, mas também perante todo o país. Criou-se uma separação entre a elite governativa e os eleitores (“deixem-nos trabalhar”), no que isso pode ter de negativo em transparência e em confiança. Algo que a campanha do PS aproveitou muito bem em 1995 e que foi sintetizado em traços distintivos do guterrismo, como o diálogo e a relação com o eleitorado, se bem que mais tarde tenha tido também o seu lado negativo. A imagem que Cavaco cultivou, mais para si do que para os seus governos, tem muito de bafio salazarista: ascética, sobranceira, moralista e autoritária. Uma imagem que continua a cultivar e que pretende acrescentar valor à sua candidatura presidencial. Em verdade se diga, a crise económica que Portugal atravessa e com a crise de identidade que os países ocidentais experimentam em consequência do contexto internacional favorece este tipo de figura. Nos momentos de aflição surgem sempre figuras dispostas a dar o melhor de si para guiarem de novo as nações até ao bom caminho. Os períodos conturbados e nebulosos são solo fértil para o messianismo político.

Tanto as hipotéticas candidaturas de Cavaco e de Soares têm, assim, algo de messiânico. O messianismo não é, de forma alguma, um bom sintoma da saúde democrática. Esta é a maior e mais legítima crítica que se pode fazer às orquestrações postas em movimento para transformar em realidade o confronto que não foi possível fazer em 1996. Outras poderão ser feitas tendo por base a falta de renovação dentro dos partidos. Desde logo, para apurar se estes deixaram de conseguir atrair pessoas com perfil político relevante ou se, por outro lado, passaram a reservar as oportunidades políticas para um grupo muito restrito de militantes. Em qualquer dos casos, uma deficiência a necessitar de urgente correcção.

O descrédito da política passa, numa grande parte, pelo desfasamento com a sociedade. Nestas eleições joga-se uma carta importante neste capítulo. Sem comprometimento mútuo entre a política e a sociedade não há estratégia de evolução que medre.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Ruboresço

Quem presta atenção ao que escrevo sabe porquê. Quem não presta não sabe. E fica tudo muito bem, assim. O que ficaria mal seria calar este rubor, fingindo nada sentir, o que acaba por acontecer mais vezes do que deveria. São, em parte, estigmas culturais. Afinal, sempre disseram que os homens não devem corar. E que não choram. Mas choram, embora hoje não seja dia para isso. Apenas para rubores.

Vento

Ninguém escreve sobre o vento. Sobre esta força imensa que nos empurra, muitas vezes sem sabermos bem para onde. Deve ser por isso.

Auto-retratos



Edgar Degas, Auto-retrato, 1857