Em casos delicados como a sexualidade, impõe-se o bom senso. Não é, de todo, uma zona onde o experimentalismo seja aconselhável ou a boa vontade seja suficiente. A sexualidade alcança um nível muito íntimo da pessoa, pelo que deve ser abordada com o cuidado de respeitar as fronteiras definidas por cada um. Este aspecto é válido para a generalidade das pessoas, sendo as crianças um público ainda mais vulnerável.
Convém frisar desde já que embora o sexo seja algo natural, a sexualidade não o é. O sexo faz parte das ferramentas naturais de sobrevivência da espécie humana, tal como noutras espécies animais. É uma capacidade inata, comum a todos os seres humanos. Por seu lado, a sexualidade é uma das expressões culturais variáveis da espécie humana. Não pode nem deve ser confundida com o sexo. A sexualidade envolve códigos simbólicos partilhados entre indivíduos, códigos esses que definem o que é adequado e o que não o é. São aspectos que derivam dos contextos sócio-culturais e que dependem das realidades sociais específicas em que se desenvolvem. Enquanto com o sexo estamos a falar ao nível biológico, com a sexualidade falamos ao nível antropológico, sociológico e psicológico. É toda uma perspectiva de análise que se altera.
Contra a suposta naturalidade da sexualidade discorrem os mais diversos estudos antropológicos, que deixaram claro como diferentes sociedades possuíam diferentes formas de encarar as iniciações e práticas sociais. Complementarmente, pelo menos desde os trabalhos de Margaret Mead, a antropologia também é muito eficaz a demonstrar como as identidades de género variam culturalmente, deixando claro que os papéis atribuídos ao homem e à mulher diferem com o enquadramento cultural.
Por seu lado, a psicologia diz-nos que as crianças não precisam dos pais para, desde cedo, descobrirem e explorarem as suas zonas erógenas, muito embora a relação que mais tarde desenvolvem com essas experiências seja fortemente influenciada pelo contexto familiar. De igual modo, uma boa parte dos adolescentes estará familiarizada com os conhecimentos mínimos essenciais sobre sexo e sexualidade. No entanto, estes factos não impedem que a família possa intervir no desenvolvimento da sexualidade da criança. Ninguém mais do que ela terá o direito de o fazer. Nem podem impedir que a escola, enquanto local privilegiado de socialização, possa também desempenhar um papel importante neste capítulo. De resto, muito provavelmente, é com o grupo de amigos e amigas da escola que a criança mais aprende sobre a sexualidade, nomeadamente, sobre a identidade de género, sobre o namoro e sobre a relação sexual. Trata-se de uma aprendizagem salutar que tem início mais cedo do que, provavelmente, a maioria dos pais gostaria que tivesse e à qual, em regra, não podem aceder nem controlar.
A criança cedo aprende a diferenciar os estilos de intervenção consoante o local e os intervenientes. Não colocará aos pais as suas dúvidas nos mesmos termos em que as coloca aos amigos, ou aos professores, e vice-versa. Cada contexto social exige uma adequação dos indivíduos intervenientes e não se deve menosprezar a capacidade das crianças de agir em função desse conhecimento.
Se, por um lado, o papel da família na socialização é primordial, por outro, a escola detém a capacidade de compensar aspectos em que a família, por si só, não é suficiente. A família é o primeiro agente de transmissão dos modelos culturais e dos padrões normativos às crianças. A escola acaba por desempenhar também um papel muito semelhante, tendo como agentes de socialização os professores e, obviamente, os colegas da criança. A grande diferença entre professores e família é que os primeiros são agentes institucionais, ou seja, não têm o vínculo afectivo com a criança que a família possui. Já o grupo de amigos consegue desenvolver laços igualmente muito fortes, podendo em alguns casos ultrapassar a influência familiar. A vantagem que a escola introduz é a de compensar as dificuldades comunicacionais da família. Não é fácil falar de sexualidade. Mas os agentes institucionais possuem a vantagem de poder manter uma relação mais distante com as crianças, facilitando as trocas de informação. À medida que decresce o grau de afectividade, pode decrescer também o grau de constrangimento mútuo.
Esta função pode perfeitamente ser desempenhada pela família, até mesmo com grande naturalidade. Exemplos não faltarão. A educação sexual na escola não pretende substituir-se à família nem ir manifestamente contra os seus modelos valorativos. Vale a pena salientá-lo novamente: a educação sexual escolar é um complemento ao trabalho da família, fornecendo uma oportunidade para suprir dificuldades que esta possa sentir. A educação sexual faz todo o sentido dentro do meio escolar, gerida com bom senso, com responsabilidade e com respeito pela intimidade de cada um. Bem explorada, ajudará a criança a compreender as transformações do seu corpo, ao mesmo tempo que lhe incute uma maior segurança e um maior sentimento de normalidade. Em última análise, e Goffman explica isto muito bem, com o reforço deste sentimento de segurança, é a própria qualidade dos relacionamentos sociais em que o indivíduo se envolve que sai a ganhar.