A reflexão sobre as qualificações dos portugueses e o sucesso do choque tecnológico
prosseguiu no Água Lisa. Foram por lá levantadas uma série de questões relevantes às quais não quero, realmente, deixar de dar a minha opinião.
O choque tecnológico do governo é inegavelmente um conjunto de boas intenções. É tudo isso que o João Tunes descreve (apoiar as empresas com estratégias e resultados de inovação, a mudança nos procedimentos, na escolha dos produtos, na diferenciação, na qualidade, no valor incorporado e na criação de empregos para os jovens licenciados) e mais alguns outros aspectos, como a criação de novas empresas com novas competências e a aposta na sociedade de informação e na ciência e tecnologia. Não é possível estar contra tal programa. Seria como estar contra o progresso tecnológico e civilizacional. Mas como estes desejos não se concretizam por decreto, devemos questionar em que medida se articulam com o tecido empresarial português. E a minha dúvida é, então, se o tecido empresarial está receptivo a estes apoios ou se, por outro lado, vai continuar a passar ao lado deste desígnio.
É consensual que o país carece de mão-de-obra qualificada, tal como são conhecidas as deficiências dos empresários portugueses. Neste momento, já existem apoios à qualificação e ao investimento em desenvolvimento e inovação tecnológica que pretendem colmatar essas insuficiências. O Estado e a União Europeia comparticipam as mais diversas medidas de apoio em diferentes sectores e regiões. Apesar dos elevadíssimos montantes atribuídos, as taxas de execução são baixas (nalguns casos chegam a ser constrangedoramente baixas). Vários factores podem ser apontados como responsáveis por esta realidade. Por um lado, a carga horária média de trabalho é elevada, o que, já por si, dificulta a conciliação da vida profissional com a vida privada, deixando muito pouca disponibilidade para projectos de qualificação. Por outro lado, a dimensão média das empresas é pequena, o que dificulta a cedência de trabalhadores em horário laboral para acções de qualificação. Não é por acaso que são as grandes organizações as que mais apostam na formação. Além disto, existe ainda uma profunda opacidade no acesso aos programas de apoio. Encontrar a medida adequada aos objectivos pretendidos pode ser como encontrar uma agulha num palheiro. Por último, as empresas não demonstram capacidade de aproveitar os apoios, precisamente, porque lhes falta quem reconheça a importância da mudança de paradigma.
A minha perspectiva é que a convergência com os níveis europeus não se alcança à martelada. Pelo contrário, se se pretendem resultados, tem de se planear uma convergência sustentada. Se bem compreendi, o João Tunes aposta num choque tecnológico que dinamize a procura de mão-de-obra qualificada. Eu nem me oponho a esta ideia. Mas, sem exagerada desconfiança, interrogo-me: quando os empresários finalmente procurarem pessoal qualificado, onde é que o vão encontrar? Para todos os efeitos, se continuarmos a ter somente 20% da população com o ensino secundário completo e menos de 10% com um curso superior, a oferta não abunda. É nesta óptica que manifesto as minhas reservas quanto ao sucesso das boas intenções do plano tecnológico do governo. Ou seja, por uma questão de prioridades. A título de exemplo, o plano tecnológico, avançado pelo Programa do Governo, pretende tornar obrigatória a prática experimental em disciplinas científicas e técnicas do Ensino Básico e Secundário. Louvável medida, em perfeita consonância com a complementaridade entre o choque tecnológico e a aposta na educação dos mais novos. Mas existem laboratórios em todas as escolas do ensino básico e secundário? E estão devidamente equipados? Se as respostas forem não, isso não retira mérito à ideia, mas retira-lhe exequibilidade. Assim sendo, faria bastante mais sentido dotar as escolas de todos os meios adequados à prossecução da sua notável tarefa de educação das novas gerações. Sendo que isso não só não é incompatível com a vontade de tornar a prática experimental obrigatória, como se mostra mesmo condição necessária. Mas, neste caso, faria também muito mais sentido dizer que estamos mais no campo do investimento no ensino do que no campo do choque tecnológico.
Não julgo, portanto, que as nossas visões sejam exclusivas entre si, antes complementares. Mas se me pedirem para nomear uma prioridade estratégica, indico sem hesitações o Ensino. Comecemos por aí que é um excelente começo.