Um dos principais papéis do Estado é gerir e compatibilizar os diversos interesses da sociedade, controlando, para esse efeito, somas astronómicas de dinheiro, das quais a maioria dos mortais só é capaz de ter uma noção distante e abstracta. Por isso, é natural que na sua órbita gravitem não só os legítimos interesses da sociedade, mas também os corporativismos e os poderes mais ou menos ocultos.
A máquina do Estado é inegavelmente pesada, o que pode seguramente derivar de uma deficiente organização. Do orçamento que gere, muito é gasto consigo mesma. No entanto, por muito má que seja a organização do Estado, é impossível que este opere sem funcionários. Alguém tem de prestar os serviços que o Estado disponibiliza. Haverá certamente quem argumente que o Estado não tem vocação para a prestação de muitos dos serviços que actualmente estão sob a sua tutela. Embora esta ideia seja muito mais que discutível, por ora, e porque essa refutação não é o propósito deste texto, bastará afirmar que o Estado, e, entre outras coisas, os serviços por ele providenciados, contribuem definitivamente para a formação de uma identidade nacional, princípio tão caro a alguns dos seus mais fervorosos detractores.
O que está aqui em questão é, sobretudo, a relação que estas despesas têm com a sua má organização e com os interesses menos legítimos que dela tiram proveito. Se é certo que o Estado gasta muito com o funcionalismo público, não é menos certo que também existem despesas astronómicas na contratação de serviços externos, e até nas transferências para os Institutos Públicos ou nos apoios estatais. Mais uma vez, não está tanto em questão a necessidade e a legitimidade de constituir Institutos, nem os apoios públicos, geralmente sob a forma de subsídios, nem a necessidade do Estado realizar aquisições ou contratar serviços externos. Em abstracto, nenhuma destas acções é inerentemente perniciosa.
O argumento da ineficiência do Estado é repetido à exaustão. Existe uma justificação de carácter ideológico para isso. Enquanto a atenção está centrada no mau funcionamento do Estado, ninguém procura aprofundar as razões pelas quais ele se mantém assim, ou, mais correctamente, as razões pelas quais ele assim é mantido. É garantido que onde existe a oportunidade de defraudar, ou simplesmente explorar, um qualquer sistema, existirá quem esteja disposto a fazê-lo. Corre-se o risco pelos eventuais superiores benefícios retirados da operação. A vantagem em manter esta desorganização crónica é clara para os interesses que lucram com o despesismo do Estado. Somente com esta configuração semi-anárquica e semi-arbitrária da administração pública é que se perpetua a possibilidade de vampirizar os dinheiros públicos.
A optimização da racionalidade do Estado não serve senão os interesses dos que não têm real poder para exigir essas melhorias. Os verdadeiros lobbies, os do imobiliário, das energias, do turismo, das actividades financeiras, têm muito a perder com uma alteração nesse sentido. Aliás, não será por acaso e simples simpatia pelas pessoas que os políticos alternam entre os lugares estratégicos da administração pública e os cargos milionários do sector privado.
O Estado está permanentemente a ser atacado em várias frentes. Enquanto o ónus estiver artificialmente colocado sobre si, de uma forma abstracta, é mais difícil identificar os nomes e os interesses que provocam ou tiram proveito desta situação de desarticulação. Só com essa identificação se pode avaliar correctamente a dimensão do problema, com vista a inverter radicalmente esta calamitosa situação.