José Sócrates comprometeu-se a combater a evasão fiscal e as fraudes nos subsídios de desemprego e de doença. Como princípio é louvável e ninguém discordará que as fraudes na segurança social constituem uma obscenidade que deve ser erradicada. Mas nestas medidas há indícios que se apresentam preocupantes. Quando era de esperar que fossem identificadas formas de combater a grande evasão fiscal, o que transpareceu foi, sobretudo, uma vontade de apertar o cerco nas situações de desemprego e de baixa. Ora, apesar da imoralidade destas fraudes, o que esta postura revela é um posicionamento ideológico próximo do individualismo e do neo-liberalismo.
Trata-se de algo que a Direita tem vindo a querer implementar – de uma forma muito mais eficaz, diga-se a verdade – nos princípios que regulam a protecção social. Porque o truque para poupar a sério na solidariedade social não reside numa máquina de fiscalização verdadeiramente funcional (é compreensível que assim seja: uma máquina organizada e dotada dos recursos necessários alcançaria um poder de acção que os interesses ligados à fraude fiscal não querem realmente conferir-lhe). Para poupar de uma forma mais barata e menos melindrosa para os interesses instalados, o truque passa por levantar barreiras no acesso à protecção social, quer isso seja feito através da diminuição selvagem de direitos quer seja conseguido através da criação de labirintos burocráticos. Assim tem sido com o subsídio de desemprego, com o subsídio de doença, com o abono de família, com o rendimento mínimo garantido e com o protelar da idade de reforma. Em cada um destes campos as alterações introduzidas destinam-se a dificultar o acesso inicial e a renovação das garantias concedidas, numa postura que contrasta aflitivamente com as facilidades concedidas noutras áreas.
Sócrates anunciou ainda, talvez como compensação, a convergência das pensões com o ordenado mínimo. O principal foco no ataque à pobreza deve concentrar-se nos mais idosos, que representam um dos vértices mais vulneráveis da exclusão social. O que, não deixando de corresponder à verdade, está longe de esgotar o problema da pobreza e da exclusão. Mas anunciar a convergência das reformas com o salário mínimo e aumentar o valor daquelas é algo que até a Direita já aprendeu a fazer, se bem que à custa dos fraquíssimos aumentos no salário mínimo. A ideia é, uma vez mais, louvável, mas não representa, realmente, nada de novo.
Como quer que seja, o PS de José Sócrates encontra-se numa encruzilhada difícil. O seu maior problema é que a corrente de apoio ao secretário-geral, assim como ele próprio, representam a Direita do partido, e a esta não difere muito da ala menos radical do PSD. Quanto mais se aproximam as eleições, mais exigente se vai tornando a opinião pública, e o que se constata é que esta direcção, que tanto criticou à sua antecessora, não se mostra capaz de ultrapassar as insuficiências que regista na sua capacidade de mobilização e de elaboração e divulgação de propostas. Pelo contrário, apresenta uma linha ideológica dúbia e é menos alternativa do que o PS de Ferro Rodrigues alguma vez foi. A responsabilidade pelos resultados que o PS alcançar em Fevereiro não pode ser, por isso, atribuída a ninguém que não ela mesma.
A continuar assim, uma vez esgotado o balão de oxigénio do desastre que foi a governação PSD/PP (especialmente a prestação do executivo de Santana Lopes), os tempos ficarão difíceis para José Sócrates. Tal como com Guterres, o PS de Sócrates ameaça perder-se no exercício de equilibrismo entre a Esquerda e a Direita. Com medo de se comprometer demasiado, há-de alienar intenções de voto tanto num lado como noutro. Ironicamente, depois das previsões mais catastrofistas sobre o futuro do PS com Ferro Rodrigues, a actual liderança do PS pode vir a ser o principal factor de relançamento da Direita em Portugal.