quinta-feira, junho 30, 2005

Mesmo aqui ao lado

Espanha tornou-se no quarto país do mundo a permitir casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a admitir a possibilidade de adopção de crianças por casais homossexuais.
Durante séculos, Portugal e Espanha partilharam realidades semelhantes. Hoje as trajectórias dos dois países afastam-se cada vez mais. E toda a gente sabe qual é o lado errado da fronteira.

O contrapeso do bom senso

Ontem contaram-me uma história fantástica, a qual me pareceu logo ter tudo para dar um bom post. Do meu ponto de vista, transmitia uma certa mentalidade e uma certa forma de estar na vida altamente criticáveis, tanto mais que, tendo lugar num contexto empresarial e envolvendo mais que uma pessoa, me permitia fazer uma ligação com determinadas ideias feitas sobre a produtividade do trabalho e da gestão nas empresas nacionais.
Hoje pedi autorização à pessoa que ma contou para a publicar e recebi como resposta este mail:

É mesmo uma história fantástica, e todos que trabalham aqui hão-de ter uma dúzia de histórias destas.
Mas as mesmas pessoas que às vezes parece que só se vêem a si próprias, outras vezes são capazes de atitudes maravilhosas e altruístas.
Não é justo divulgar só o lado mau destas pessoas a outras pessoas que não estão no contexto.


Palavras de um bom senso inquestionável e que desmontam com uma simplicidade notável o meu raciocínio viciado.

quarta-feira, junho 29, 2005

A IVG não precisa de Malthus

Determinadas discussões deixam-se facilmente dominar por argumentos falaciosos que acabam por se voltar contra o lado da barricada de onde são proferidos. Invocar as duras condições em que as crianças vão crescer, como por vezes se ouve, não pode ser o argumento decisivo na defesa da despenalização do aborto. A despenalização do aborto defende-se argumentando com o desfasamento entre a sensibilidade da opinião pública sobre o assunto e a actual lei, com o facto de esta não demonstrar capacidade para impedir a criação de uma indústria ilegal que enriquece à custa do infortúnio alheio nem inviabilizar a proliferação de práticas medievais de interrupção da gravidez. No fundo, com a necessidade premente de oferecer condições de dignidade e de salubridade adequadas a quem toma esta opção.
A defesa da despenalização do aborto não pode deixar-se capturar por lógicas próximas do malthusianismo. Não só não tem nada a lucrar com isso, bem pelo contrário, como pode mesmo ver a discussão sair do eixo à volta do qual deve centrar-se.

terça-feira, junho 28, 2005

Naturalmente

Um grande poema. Do princípio ao fim. Um poema com dois anos.

segunda-feira, junho 27, 2005

O velho PS

Uma das características mais atractivas do PS é a sua capacidade para se assemelhar a um filme de pistoleiros com notável frequência. Volta e meia, lá aparecem meia dúzia de personagens a sacar das pistolas e a dar tiros para todo o lado. Inevitavelmente, muitas vezes acertam nos próprios pés.
A comparação pode pecar por exagero, é certo. Mas é um facto que o PS tem uma tendência indomável para trazer as suas lutas internas pelo poder para a praça pública. Uma prática que tem as suas vantagens e desvantagens, como tudo na vida. Desde que José Sócrates chegou à liderança que se passou a assistir a uma inversão nesta tendência. Aliás, para ser rigoroso, a influência de Sócrates já se fazia notar desde o tempo de Ferro Rodrigues. Havia falta de apoio à liderança de FR. Toda a gente o sabia e todos sabiam também de que lado sopravam os ventos de mudança. Mas, exceptuando o desabafo do ex-líder à frente de um microfone, a oposição de Sócrates nunca se mostrou à luz do dia. De tal forma que sempre pareceu menos oposição do que falta de apoio. Uma questão de semântica, dirão uns. Uma questão de método, dirão outros.
O método de Sócrates, posto em prática, portanto, desde cedo, foi especialmente notado na gestão da campanha e na gestão das nomeações para os gabinetes ministeriais. Há que reconhecer o mérito de ter conduzido com tanta discrição dois processos tão complexos e delicados. Poder-se-á afirmar que a sede de poder ajudou a calar as vozes mais reivindicativas. Afinal, uma maioria absoluta chega para apaziguar mesmo os ânimos mais exaltados. Mas a disciplina que Sócrates impôs não se pode negar. Mérito seu.
Os primeiros sinais de desordem vieram, sobretudo, da bancada parlamentar. Especialmente centrados em dois momentos mediáticos: a nomeação de Fernando Gomes para a Galp e o fim das regalias para os deputados. Ainda assim, a contestação caracterizou-se por uma dificuldade em assumir abertamente o confronto e viveu muito de declarações ao abrigo do anonimato. No entanto, este fim-de-semana assistiu-se a uma alteração significativa neste delicado equilíbrio. A propósito da composição das listas para a CML, circularam antagonismos, e respectivos nomes dos intervenientes, na imprensa. As lutas internas pelo poder voltaram aos jornais e ao horário nobre. E mesmo a rápida intervenção de Jorge Coelho não apagou totalmente a primeira imagem do que poderá ter sido o fim do mais recatado PS que conhecemos nos últimos tempos.
Este é o velho PS a que estamos habituados. A partir de agora inicia-se um período particularmente sensível para a liderança de José Sócrates. Um período em que tem muito a provar.

Tons de azul

Carla Bruni. E parabéns, ainda que atrasados.

Clairvoyance

A arrogância pode ser deliciosa nas mãos de quem sabe usá-la.

Auto-retratos



René Magritte, Clairvoyance (Self-Portrait), 1936

sexta-feira, junho 24, 2005

Conclusões sobre o 11-M

"A comissão parlamentar de inquérito sobre os atentados de 11 de Março de 2004 (11-M), em Madrid, apresentou ontem as suas conclusões aprovadas na véspera. As maiores críticas vão para o Governo de José María Aznar, acusado de não ter valorizado a ameaça islamita antes do atentado que causou a morte a 192 pessoas e de ter passado "informação tendenciosa" sobre o ataque (insistindo na pista da ETA) para preservar as hipóteses de reeleição nas eleições de 14 de Março.

(...)

Num relatório de 466 páginas (218 de anexos) dividido em quatro partes - a última, aprovada por unanimidade, com recomendações para evitar novos ataques e melhorar a forma como as vítimas são tratadas - sublinha-se que os autores do atentado "são terroristas islamitas e não têm nenhuma relação com a ETA".

(...)

A forma como o Governo de Aznar lidou com a crise também é alvo de críticas. "É possível afirmar que a atitude do Governo foi exclusivamente motivada por interesses do partido", conclui a comissão parlamentar, lembrando que, mesmo perante "o mais grave atentado terrorista da história de Espanha", nem sequer foi reunido o gabinete de crise. Mais, que foi feita uma "gestão egoísta, centrada na manipulação informativa e no monopólio dos meios de comunicação".

Os media públicos são acusados pela comissão do 11-M de parcialidade ao manter apenas a versão oficial dos factos. A TVE, por exemplo, terá ignorado o telefonema da ETA ao diário basco Gara para negar a sua responsabilidade no atentado e também não terá difundido as declarações do porta- -voz do ilegalizado Batasuna, Arnaldo Otegi, logo dia 11, nas quais este negava que os etarras estivessem implicados nos ataques."


Aquilo de que já todos os espanhóis desconfiavam, mas que em Portugal alguns ainda insistem em negar.

quinta-feira, junho 23, 2005

Quero o meu dinheiro de volta

Órbita mais próxima da Terra em 18 anos, ilusão óptica que a fazia parecer maior e mais não sei o quê. A verdade é que a lua-cheia de ontem não foi nada de extraordinário. Foi bonita, foi cheia, mas não foi nada de extraordinário. Neste país até a astrofísica desilude.

Silly season II

Mal posso esperar pelos inquéritos ridículos, pelos suplementos especiais da imprensa e pelos programas emitidos em directo da praia.

Silly season

O Verão começou no dia 21. A silly season, diz-se. Logo no dia seguinte, Pedro Santana Lopes teve destaque nos serviços noticiosos. Some things never change.

quarta-feira, junho 22, 2005

Boas respostas

Respondendo à acusação de Jorge Sampaio, Artur Santos Silva afirmou que, para quem é empreendedor, a banca apresenta boas respostas. Concordo inteiramente. A mim, apesar de não perceber nada de banca, parece-me que não podia ter mais razão. Porque, de facto, é como se ASS dissesse que se relaciona bem com as pessoas que se relacionam bem com ele. Ou não é?

terça-feira, junho 21, 2005

Sim ao referendo

Estou, desde ontem, a dever uma resposta à interpelação do LNT. Por estranho que possa parecer, tendo a responder-lhe que sim, que se mantenha a pergunta, mesmo conhecendo a inviabilidade do actual Tratado. Aliás, como o Tratado Constitucional tem de ser ratificado por todos os estados-membros para ser aplicado, o actual problema resolve-se alterando a sua formulação ou, por estratagemas diversos, impondo a opção do Sim. Não será muito arriscado afirmar que nos países em que os referendos ditaram ou prometem ditar o Não como resposta, muitos destes votos revelam uma crescente insatisfação com os processos decisórios na UE e com as transferências de soberania.
Sendo necessário tomar medidas para implementar este ou outro Tratado, e tendo alguns Estados assumido o compromisso de ouvir as suas populações para fundamentar a decisão, resulta incompreensível que se interrompa sem apelo este processo. Não tanto pelo incontornável facto de ter de se fazer qualquer coisa para romper o impasse criado com o Não francês e holandês, mas antes pela desconfortável sensação de estar a ver uma proposta ser, em vez de referendada, imposta. Defendo, assim, que o processo de ratificações continue, mantendo os referendos nos países que já os tinham decidido realizar e que os governos se comprometam a respeitar os resultados. Desta forma, os países que se decidissem pela ratificação estariam comprometidos a defender alterações menos profundas ao actual Tratado, ao passo que os restantes estariam comprometidos com uma posição inversa.
Esta hipótese assenta, então, num processo que envolva de forma responsável e transparente as populações da UE. De outra forma, em hipotéticas negociações para alterar o Tratado, como é que se pode incorporar a vontade das populações se se interrompe assim o processo de consulta? Não me parece que se possa construir a integração europeia à revelia dos europeus. Até porque fazê-lo representaria muito mais que uma contradição de termos.

segunda-feira, junho 20, 2005

Off with his head

Através do Terras do Nunca e do Torre de Babel, uma história de contornos muito preocupantes e nada edificantes para o Secretário de Estado da Administração Interna. Independentemente das alterações introduzidas por Ascenso Simões, é garantido que o seu "perfil pessoal e político" não reúne condições suficientes para que ele continue a ocupar o actual cargo.

Contra o oportunismo xenófobo dos Manuéis Monteiros da política

Constituição da República Portuguesa

Artigo 13º
(Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.

(...)

Artigo 15º
(Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus)
1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
(...)

sexta-feira, junho 17, 2005

A liberalização dos preços é sempre positiva para os consumidores, diziam eles...

O preço da gasolina aumentou cerca de 20 por cento. Um litro de gasolina sem chumbo 95 passou de 95 cêntimos para 1,14 euros.

No caso do gasóleo, a subida é ainda maior. No final de 2003, um litro deste combustível custava perto de 70 cêntimos. Hoje custa mais de 94 cêntimos. Contas feitas, aumentou 35 por cento.

Arrastão ou mito?

A história do arrastão que nunca existiu
Houve roubos, como sempre na praia mais perigosa do país, mas um «arrastão» como acontece no Brasil ninguém viu no dia 10 de Junho em Carcavelos


Uma notícia a seguir com atenção. Até porque as movimentações xenófobas e racistas já começaram.

quinta-feira, junho 16, 2005

Europa: o populismo no poder

Para ler no Ma-Schamba.

Sem fachada

Existem ideias que nos ajudam a formar uma visão da realidade. É através delas que interpretamos os acontecimentos e sobre eles formamos opinião. Por exemplo, Peter Berger, um dos mais esclarecidos sociólogos contemporâneos, defendeu que a análise da realidade implica ir para além das fachadas que se levantam ao olhar desprevenido do observador. Por isso, mais do que a queda das fachadas, que já se sabe existirem, o que causa verdadeira perplexidade é não chegar sequer a encontrá-las. Isto é, constatar que não houve qualquer esforço dos actores sociais em construir uma fachada, uma aparência mais socialmente conveniente.
É esse o caso com a ratificação do Tratado Europeu. Sabemos que esta proposta se encontra ferida de morte. Mas a vontade de suspender os restantes referendos resulta mais de não querer assumir as consequências das vitórias do Não do que de uma necessidade reconhecida de reflectir sobre o Tratado. O que se faz notar é que nem parece existir preocupação em construir a fachada. As evidências estão aí. O processo de consulta às populações deve parar porque não está a correr conforme planeado. Torna-se assim perfeitamente evidente que os políticos responsáveis por este processo queriam um único resultado e que a soberania do eleitorado é uma abstracção quando o resultado não promete ou não prova ser o desejado.
Votar para um nado morto não é o melhor exercício democrático que existe. Mas sempre é melhor que prometer um referendo e depois não o realizar com receio do resultado. Isso nem um mau exercício democrático se pode considerar. Não chega a ser um exercício democrático sequer. O mínimo que se pode pedir é que se se promete consultar as populações, se chegue efectivamente a fazê-lo. Apesar das consequências. Parece que é isso a democracia.

quarta-feira, junho 15, 2005

Bestiário

A RTP noticiou ontem o desmantelamento de uma rede pedófila com ramificações em vários países europeus, entre os quais Portugal. A reportagem alternou o discurso directo de investigadores da PJ com o discurso em voz off do jornalista a contextualizar os acontecimentos. A escolha de imagens para acompanhar a notícia passou, por diversas vezes e de forma absolutamente incrível, pela exibição do tipo de material apreendido. Ou seja, no principal telejornal da RTP foi exibido, sem qualquer discrição, material pedófilo. Não houve pudor em mostrar fotografias de adolescentes nus ou semi-nus, nem sequer de escamotear a sua identificação. Não foi utilizado qualquer dos inúmeros recursos que permitiriam dissimular a natureza explícita das imagens ou, no mínimo, a identidade dos jovens. A pornografia infantil teve carta branca para entrar pelas casas dentro sem pedir licença.
Não consigo se compreende como é que ninguém parou para pensar na obscenidade que emitiram, violando todas as regras de sensibilidade do espectador, já para não falar nos mais elementares direitos dos jovens. Há uns dias foi emitido em vários espaços noticiosos, também pela RTP, um assassinato a sangue frio. Agora podemos ver material pedófilo à hora de jantar. Uma pessoa tem o direito de se sentir ultrajada com tamanha falta de sensibilidade demonstrada. Uma pessoa ultrajada sente naturalmente uma ânsia de ver-se de alguma forma ressarcida, nem que seja sabendo que foram pedidas explicações a quem quer que tenha sido responsável por estas emissões. Num órgão de comunicação social decente, este tipo de coisas seria suficiente para fazer rolar cabeças. Mas na RTP já se sabe qual é o principal critério para mudar alguma coisa.

terça-feira, junho 14, 2005

Maus caminhos

A campanha de Manuel Maria Carrilho atinge mais um mau momento. Um filme promocional com a família é uma má opção em qualquer circunstância imaginável. Nos EUA estas coisas são muito apreciadas, mas nem estamos nos EUA nem o objectivo de MMC é o mesmo dos candidatos americanos. MMC não está tão interessado em promover o valor da família como em promover a sua imagem e notoriedade. O filme publicitário já foi criticado por misturar a esfera pessoal e familiar com a esfera pública e política. É uma estratégia eticamente condenável e de proveito eleitoral duvidoso.
No entanto, o pior é a reincidência nessa opção. O filme é o segundo momento infeliz, sendo o primeiro a frase escolhida para as variações do outdoor que estão espalhadas por Lisboa. "Um projecto com princípio, meio e fim" remete imediatamente para o actual presidente da CML. Se a intenção era uma demarcação em relação a Pedro Santana Lopes, algo tão necessário quanto desejável, o melhor caminho teria sido um corte radical. Ora o cartaz de campanha de MMC prefigura uma alusão óbvia a PSL. Desta forma, acaba por ser uma frase menos afirmativa que opositiva. Perde impacto e perde substância. Mais ainda, estabelece um ponto de conexão onde se impunha distância higiénica. Um político inteligente e experiente tem o dever de se colocar a salvo deste tipo de comparações.

quinta-feira, junho 09, 2005

UE vs EUA

Tem razão o João Castro quando afirma que "sem diferença, não existe identidade". A construção de uma identidade é sempre uma construção por oposição a algo, portanto, um processo de diferenciação. Não há um "nós", nem um "eu", sem ser por referência a um "eles". Aliás, a coesão da identidade de um grupo passa muito pelo sucesso da diferenciação em relação a outros grupos. Daí resulta, por exemplo, que a visibilidade da criminalidade suscite reacções tão fortes da generalidade da população.
No entanto, se a afirmação está correcta, é preciso admitir que a identidade europeia vai necessariamente construir-se, mesmo que apenas parcialmente, também contra os EUA. É evidente que a Europa e os EUA partilham valores fundamentais ao nível político, económico e, embora menos, social e cultural, mas há diferenças que não podem deixar de se fazer sentir.
Mas, mais do que isso, a questão principal é que se a UE tem o objectivo de se transformar na sociedade do conhecimento mais competitiva do mundo, isso acontecerá contra a actual potência no sector, precisamente os EUA. Os EUA e a UE, e as respectivas economias, estão já envolvidos numa luta pela hegemonia nos processos de crescimento.
O que é necessário entender é que a diferença na construção da identidade não tem forçosamente que corresponder a uma hostilização das outras identidades.
Nem se deve tomar como verdadeiro o mito da homogeneidade cultural e identitária, subjacente a determinadas interpretações da globalização, nem se deve acreditar nos cenários negros que prevêem um futuro de guerras civilizacionais. Algures pelo meio andará o fio condutor das mudanças que vivemos.

quarta-feira, junho 08, 2005

Os restos da noite

Não cessam de dizer que está calor. Têm razão. Mas o calor insuportável é o da noite. De dia só sobra o sono.

O começo II

Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas recordava-lhe sempre o destino dos amores contrariados.

Gabriel García Márques, O Amor nos Tempos de Cólera

O começo

The studio was filled with the rich odour of roses, and when the light summer wind stirred amidst the trees of the garden, there came through the open door the heavy scent of the lilac, or the more delicate perfume of the pink-flowering thorn.

Oscar Wilde, The Picture of Dorian Gray


O prefácio inicia com esta preciosidade:

The artist is the creator of beautiful things.

Branco

Inevitavelmente, com o calor chegam as insónias.

terça-feira, junho 07, 2005

Final infeliz

Instado a comentar as declarações de Alberto João Jardim, Jorge Sampaio não se limitou a encolher os ombros. O Presidente da República invocou a vaca sagrada do encolher de ombros em política e afirmou que ninguém se podia esquecer que "são as pessoas que votam". O encolher de ombros de Sampaio ainda se torna mais ofensivo quando o Presidente da República se presta a legitimar a falta de nível do Presidente da Região Autónoma da Madeira.
Alberto João Jardim não dignifica nem a Madeira, nem as autonomias, nem o país, nem a política, nem a democracia. Conseguiu, infelizmente, habituar-nos a isso. Pior do que isto, conseguiu que o mais alto representante da nação se furtasse a denunciar este tipo de comportamentos extremamente lesivos para a saúde do sistema democrático. Aliás, desde que decidiu não convocar eleições antecipadas que Sampaio é muito mais uma fragilidade do que uma garantia. A sua capacidade para avaliar as legitimidades e os riscos que o sistema corre está tão seriamente abalada que é penoso assistir a este final de mandato. Que acabe depressa.

segunda-feira, junho 06, 2005

Depois dizem que não há dinheiro (ou bem-vindos ao maravilhoso mundo do III Quadro Comunitário de Apoio)

Portugal tem de executar 9,6 mil milhões de euros do III Quadro Comunitário de Apoio (III QCA) até 2008, sob pena de perder acesso a estes fundos comunitários, segundo contas do Diário Económico editadas esta segunda-feira.

Para além do obsceno desperdício que as taxas de execução provam, não se percebe com que autoridade pode o governo português reivindicar mais ajudas à UE, quando nem sequer mostra capacidade para gastar aquelas que recebe.

Encolher os ombros

O estado de normalidade do Presidente do Governo Regional da Madeira é um caso especial. Um estatuto excepcional do qual mais ninguém parece usufruir. O Presidente do GRM permite-se liberdades que mais ninguém, com responsabilidades semelhantes, possui. Uma excepcionalidade que resulta do facto de o desfasamento entre o seu comportamento e o que se espera de um alto dignitário do Estado ser amplamente compensado pela sua coerência em proceder assim. Parece, e é, paradoxal. De uma forma geral, as pessoas esforçam-se por corresponder às expectativas. Alberto João Jardim conseguiu furtar-se com sucesso a este constrangimento precisamente pela frequência com que rompe com o bom senso e com as regras de educação.
Por vezes – a maioria das vezes – parece existir um gigantesco encolher de ombros, como se toda a gente suspirasse em uníssono. Um “que é que se há-de fazer” colectivo. Alberto João Jardim pode reivindicar a proeza de ter promovido a uma categoria socialmente tolerável a boçalidade, o insulto, o disparate e a alucinação. Uma estratégia assente na duplicidade da forma como é visto: caudilho na Madeira e bobo-da-corte no continente. Enquanto no arquipélago a sua influência tentacular se estende praticamente sem obstáculos, para o resto do país, AJJ, a Madeira e o seu défice democrático estão demasiado longe para representarem uma ameaça real.
Acontece que AJJ é um destacado membro do PSD. Não pertence a um obscuro partido regionalista, nem é uma personalidade marginal dentro do partido em que milita. Um dia AJJ cansa-se do Carnaval madeirense e decide transportar a sua forma de estar para o centro da vida política nacional. Não vai ser o PSD, como nunca foi, a fechar-lhe a porta. No dia em que esta realidade nos venha bater à porta talvez já seja tarde demais para a evitar. Nesse dia hão-de relembrar-se que encolher os ombros nunca resolveu nenhum problema.

sexta-feira, junho 03, 2005

Manias

Se fosse viável, coleccionava pão e sotaques. Começava pelos nacionais e depois partia à descoberta do mundo.

A morte banalizada

A RTP anda a emitir a notícia da descoberta de uma filmagem que documenta os massacres verificados na guerra da Bósnia. Nas imagens transmitidas assiste-se, quase em primeiro plano, à execução de um homem. Em nenhum dos noticiários foi feita qualquer advertência sobre o conteúdo violento das imagens.
Há uns anos, Sophie Marceu revelou numa entrevista, após a sua participação num dos filmes da saga "007", o seu espanto por, numa história em que são mortas dezenas de pessoas, ter sido obrigada a repetir inúmeras vezes uma cena até que o enquadramento da sua movimentação permitisse ocultar-lhe o mamilo.
Estranha hierarquia de sensibilidades: a morte está amplamente banalizada, mas o corpo (nem sequer é de sexo que falamos) é assunto tabu. No caso da RTP, ninguém se lembrou de advertir os espectadores para o fuzilamento a que iam assistir. No caso da indústria cinematográfica, a violência armada é facilmente tolerada, enquanto meia dúzia de fotogramas de um mamilo justificam uma censura feroz.
Os problemas das sociedades com o campo sexual e erótico são sobejamente conhecidos. O que causa perplexidade é que se esteja a chegar a um tempo em que a morte violenta não suscita reacções de monta. Um filme não passa de um filme, mas o assassinato a sangue frio a passar em horário nobre como apenas mais uma notícia já é assustador.

quinta-feira, junho 02, 2005

O post que eu teria escrito hoje

Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Blá, blá, blá...

quarta-feira, junho 01, 2005

Respirar fundo

Se tem direito, tem direito. Tudo bem, certamente não é o primeiro nem o último. Mas não compreendo muito bem como é que se pode ser reformado de uma actividade que ainda se exerce.