Pode uma máquina produzir uma obra de arte? Foi esta a pergunta que me ocorreu a propósito do post Admirável Mundo Novo. E depois da troca de ideias com o
Lutz, que ele
publicou no seu blogue, surgiram ainda mais questões. Não sei muito bem como dar-lhes resposta, mas não se perde muito por tentar.
É possível imaginar, e um dia será realidade, uma máquina capaz de raciocinar, aprender e adaptar-se ao meio ambiente. Se admitirmos que o raciocínio é a capacidade de elaborar pensamentos que adaptem meios a fins, as três características referidas são comuns a muitas espécies animais à face da terra. A particularidade do ser humano está no facto de, a determinada altura do seu processo evolutivo, ter desenvolvido uma capacidade comunicacional altamente complexa, baseada em simbolismos e abstracções. É esta capacidade que define o ser humano enquanto espécie e enquanto ser individual. Portanto, uma máquina que replicasse a capacidade de pensamento lógico, aprendizagem e adaptação do Homem, aliada a uma capacidade comunicacional altamente elaborada, estaria muito perto de redefinir a nossa visão do mundo, na medida em que a hegemonia humana nesses campos estaria posta em causa.
Mas subsiste uma diferença de extrema importância entre Homem e inteligência artificial. Embora seja possível conceber uma máquina que replique e ultrapasse as capacidades lógicas e abstractas do Homem, é mais difícil supor que se consiga dotar uma máquina de capacidade emocional, ou de um sistema que a recrie. A emoção é fundamental para a formação da pessoa. Sem emoções não pode haver sentimentos. E sem estes é toda a capacidade de acção sobre a realidade que fica afectada.
Imaginando uma máquina que, após uma programação inicial, seja capaz de agir e interagir de forma autónoma, não se configura possível, para já (e enfatizo este para já), que tal aparelho seja capaz de se emocionar. Dessa forma, sem acesso directo à emoção, também não é de supor que seja capaz de gerá-la em terceiros. Pelo menos, não da mesma forma que o Homem é capaz de fazê-lo.
Ora, a arte, sendo uma forma de expressão, tendo uma componente simbólica e tendo uma audiência, é uma forma comunicacional. É uma forma comunicacional, sobretudo, na medida em que é dotada de sentido. O artista confere um sentido à sua acção. Marcel Duchamp, por exemplo, com os seus ready-made, chegou a demonstrar que a intervenção do artista podia ser reduzida a um mínimo e limitar-se a seleccionar objectos já fabricados. Ou seja, a chave não reside no objecto em si nem na acção transformadora sobre o material, mas sim no sentido que lhe é atribuído. O artista, para Duchamp, passa a ter por missão a busca da liberdade.
Poderá uma máquina programada atingir a liberdade criativa? Poderá uma máquina atribuir sentido a um objecto? Mais ainda, é plausível que uma máquina sem capacidade emocional se "interesse" e "compreenda" a elaboração de uma obra de arte? As respostas a estas perguntas, tal como as suas implicações, ainda são do foro da ficção científica. Contudo, e com toda a certeza, a construção de uma máquina que faça com que todas as respostas a estas perguntas sejam "sim" colocará em causa muito mais do que as noções de arte e de artista.