Encontra-se disponível on-line mais um abaixo-assinado. Desta vez, o motivo é a oposição a um programa que a SIC pretende transmitir brevemente, baseado num original americano intitulado Queer Eye For The Straight Guy. O programa gira em torno de um participante (heterossexual masculino) que se disponibiliza para alterar toda a sua imagem, tendo como objectivo tornar-se mais apelativo para o sexo feminino. Para tal, segue os conselhos de outros cinco homens, assumidamente gays. Segundo os subscritores do abaixo-assinado, este modelo destina-se a "promover e estimular o comportamento homossexual na sociedade e, em particular, junto dos mais novos". O texto considera ainda que "a homossexualidade é um comportamento não natural e socialmente inútil", "anti-natural do ponto de vista fisiológico e da própria anatomia sexual" e, portanto, "deve ser considerada como um desvio dos comportamentos normais, naturais, saudáveis e profícuos do Homem". Desta forma, as reivindicações da comunidade homossexual não só não devem ser reconhecidas, como toda a "promoção/propaganda pública do ‘estilo de vida’ gay afigura-se igualmente inadmissível."
Em primeiro lugar, e para que não restem quaisquer dúvidas, é preciso afirmar peremptoriamente que todas estas afirmações são falsas e se baseiam na ignorância, na má-fé ou nos preconceitos mais atávicos sobre a sexualidade.
O comportamento sexual tem muitas nuances e encerra muitos aspectos problemáticos. Mas nenhum deles inclui o efeito de contágio. Não está provado, de forma alguma, que o contacto com o estilo de vida gay, ou mesmo a convivência próxima com homossexuais, afecte o comportamento sexual do indivíduo, mesmo que se trate ainda de uma criança. De resto, definir o estilo de vida gay é uma ideia tão peregrina como definir o estilo de vida heterossexual. A orientação sexual de uma pessoa não lhe define o estilo de vida. Aquilo que uma pessoa é não pode ser definido tendo por base somente um traço da sua identidade pessoal e ignorando todos os restantes aspectos que influem nesta composição. Pode efectivamente acontecer que as crianças com relações de proximidade com homossexuais – nomeadamente, no interior da família mais chegada – não desenvolvam papéis de género tão rígidos. Mas isso não representa nenhuma deficiência de formação. Os papéis de género são socialmente determinados e é de uma arrogância inconcebível defender a priori que determinado modelo não só é o mais recomendável como também o único legítimo. O que se torna relevante para o indivíduo é que ele saiba reconhecer e interagir em diferentes contextos, sendo essa a chave da interacção em sociedade. A rigidez dos papéis sociais levanta mais problemas do que facilidades.
Outro ponto em que o texto do abaixo-assinado insiste é no factor contra natura da homossexualidade. Esta concepção resulta da sobreposição de duas confusões: uma entre sexo e sexualidade, que já abordei anteriormente, e outra entre normal e natural.
A sexualidade não tem nada de natural. Não só não é estritamente reprodutiva, como nem sequer é fundamentalmente reprodutiva. A sexualidade tem sobretudo a ver com os códigos simbólicos que as sociedades desenvolvem, e que são adoptados pelos indivíduos, para a sedução e o prazer sexual. E, na medida em que não violentem nem causem dano a ninguém (exceptuam-se, portanto, os casos de abuso e as parafilias), não existe nenhuma razão plausível para serem criticados, por mais estranhos que possam parecer. De qualquer forma, se se quiser repudiar a homossexualidade por não cumprir uma função reprodutiva, é preciso também repudiar todas as outras práticas de índole sexual, incluindo as heterossexuais, que não tenham por finalidade a reprodução. Muito provavelmente, as intenções dos autores do texto estarão muito próximas desta vontade. Mas, nesse caso, precisam de deixar de confundir o normal e o natural. Porque se para a homossexualidade a confusão entre os dois termos lhes convém, na medida em que a homossexualidade é um comportamento minoritário, facilitando-lhes a associação falaciosa entre o que é pouco comum e o que é anti-natural, já em relação a determinados comportamentos heterossexuais sem finalidade reprodutiva o mesmo não se pode dizer. Assim, tal como o argumento da naturalidade, também o argumento da normalidade se encontra fundamentado em equívocos e incorrecções, revelando a extrema fragilidade destas concepções da sexualidade.
O que estes grupos fundamentalistas defendem é uma negação do direito à liberdade sexual. O que acaba por ser o mesmo que recusar o direito à realização sexual e à consequente realização pessoal. Esta perspectiva entra em conflito com as liberdades individuais e constitui uma ingerência no espaço privado do indivíduo. Não se trata apenas de uma visão ultra-conservadora. Trata-se de puro fascismo. É ela que se torna inadmissível por representar um retorno à intolerância, ao puritanismo hipócrita e à moral e aos bons costumes tão ao gosto dos totalitarismos. No mínimo, quem subscreve tal abaixo-assinado fá-lo com a leviandade do ignaro. No máximo, fá-lo alimentado por uma profunda má-fé. Em qualquer dos casos, nem uns nem outros possuem legitimidade para fazer reparos à orientação sexual de quem quer que seja.