quarta-feira, março 31, 2004

Novidades

Há novidades na coluna dos links. Mais catorze blogues para visitar.

Abrangente
Amor e Ócio
...Blogo Existo
Bota Acima
Food-i-do
Fora do Mundo
Ideias Soltas
Mais Coisa Menos Coisa
Ma-Schamba
Médico Explica Medicina a Intelectuais
No Quinto dos Impérios
Opiniondesmaker
Rua da Judiaria
Senhor Carne

terça-feira, março 30, 2004

SEF

Segundo a TSF, os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras poderão fazer greve durante o período do Euro 2004. A razão invocada prende-se com um atraso de três anos no pagamento das horas extraordinárias. As três hipóteses que o governo tem, avançadas pela TSF, passam por deixar entrar toda a gente sem qualquer controlo, não deixar entrar ninguém ou, finalmente, decretar requisição civil. Pagar os montantes em dívida é que não, não é? Vá-se lá saber porquê, nada nesta história me surpreende.

Vai um cafezinho

Foi inaugurado O Café e já está a funcionar em pleno.

Em defesa da importância das datas

O Adufe incita a uma reflexão sobre o pós 25 de Abril. O convite explicita que não se concentrem as atenções sobre a data concreta do 25 de Abril de 1974 e que se aborde sobretudo as suas consequências. A ideia é óptima, mas não vejo como é que se pode separar uma coisa da outra.
A História, ma medida em que produz e reproduz formas culturais, é uma parte fundamental da Sociologia. O país que somos hoje não é inteligível sem se analisar o país que temos sido nas últimas décadas, incluindo o período ditatorial. O Portugal do pós 25 de Abril ainda alberga muitas das lógicas nascidas e acarinhadas pelo Estado Novo. A pequenez, a falta de ambição, o conformismo, a preguiça empreendedora e outras características nefandas não nasceram de geração espontânea. Foram cuidadosamente implantadas e potenciadas pelo modelo social Salazarista. Certamente, a raiz dos inúmeros problemas nacionais não se funda somente aí. O mal já virá de outros tempos. Mas a contribuição da ditadura é fundamental para moldar a nossa realidade actual por duas razões especiais. Porque abarca um período de meio século de obstinado obscurantismo social e porque se encontra cronologicamente tão perto do momento actual.
É impossível aferir o que há de bom no período democrático sem o fazer utilizando como referência a realidade anterior. Por isso os ‘Rs’ têm mesmo muita importância. Mesmo que pareça que se discutem pormenores insignificantes, a carga simbólica do 25 de Abril não é susceptível de ser menosprezada. Falar de Revolução ou de Evolução não é a mesma coisa. A conotação que as palavras assumem é muito importante, sobretudo neste contexto em que se estão a utilizar. Abril representa uma evolução quantitativa e qualitativa na sociedade portuguesa. Mas é muito mais do que isso. Foi mesmo um processo revolucionário, por muito que isso custe a algumas pessoas. O regime não caiu de podre. Teve que ser empurrado. Isto é um facto inegável que alguns tentam escamotear, provavelmente devido à orientação política do processo revolucionário. A incoerência nesta argumentação é gritante. Nega-se a revolução, mas louvam-se as movimentações que se seguiram para reverter a orientação política que o país estava a levar. Como se a segunda não tivesse surgido como resposta à primeira.
Considerar que a utilização indiscriminada da terminologia não ajuda a esbater o significado das acções e dos momentos é, no mínimo, ingénuo. No caso específico do 25 de Abril, chega a ser insultuoso para todos os que participaram na construção de um Portugal livre e democrático. Sobretudo, é insultuoso para os que arriscaram a vida por essa causa, para os que perderam anos da sua vida nos calabouços do regime, para os que deram os melhores anos da sua vida, para os que trocaram o seu bem-estar pelo nosso, para os que deram a sua vida pela garantia da nossa. Sim, as palavras têm muito peso. São 48 anos de trevas, de sofrimento e de morte que estão em causa. Meio século que terminou às mãos de um grupo de homens armados dispostos a mudar tudo. Se isto não é uma revolução, então o que é uma revolução?
O Portugal de 2004 tem tantas limitações que é difícil enunciá-las, mesmo que superficialmente, sem cometer a injustiça de deixar algumas das mais significativas de fora. Ainda assim, cada dia que passa desde Abril de 74 é um dia melhor do que os que o antecederam. O que houve de bom nestes 30 anos de democracia? A resposta encontra-se na própria pergunta do Adufe. É a democracia, a liberdade de exercer os direitos com autonomia e responsabilidade. Essa liberdade, esses direitos, essa democracia, que só foram consagrados na madrugada do dia 25 de Abril de 1974.
Mesmo que o desejo manifesto não seja o de branquear o período ditatorial, certos jogos de palavras, certos raciocínios rápidos, têm como consequência a banalização das mudanças. Falemos do que Abril cumpriu, falemos do que Abril não cumpriu, falemos dos vícios e das virtudes. Mas não se banalize a liberdade e a falta dela. Não se banalize a importância das diferenças, sob pena de se banalizar as conquistas e o esforço dos que as alcançaram.

segunda-feira, março 29, 2004

Urra

Devia este post, desde sábado à noite, a um dos meus cogitadores. Espero que seja só o primeiro de uma série deles. Não sei se me estás a entender...

Finalmente

Os links voltaram cá para cima.

Duas histórias

Sensivelmente por esta altura, há quase três anos, tive a oportunidade de colaborar num estudo sobre o sector da saúde em Portugal. O trabalho envolvia uma componente metodológica que aconselhava o contacto directo com unidades hospitalares que variavam na sua dimensão, natureza e localização geográfica. Não me vou referir às dificuldades levantadas pelas Administrações Regionais de Saúde ao correcto desenrolar do estudo. Mas posso adiantar que este foi adjudicado por uma entidade pública, o que ajuda a ajuizar sobre a colaboração entre entidades do sector estatal. Queria somente referir, pelo que me foi dado a conhecer, o estado que pode atingir a gestão hospitalar e a avaliação profissional.
A certo momento foi marcada uma entrevista com uma pessoa responsável pelos Recursos Humanos de uma unidade hospitalar de grande dimensão da região Norte. Para registo da informação recolhida foi utilizado, com a devida autorização, um pequeno gravador. Durante a entrevista, a pessoa em questão solicitou diversas vezes que o gravador fosse desligado para apimentar, um pouco mais à vontade, as informações que estava a dar. Deixo dois exemplos que se contam em poucas linhas.
A primeira história diz respeito ao controle financeiro da entidade. Foi assegurado à equipa que se deslocou a essa unidade de saúde que tinham sido descobertos funcionários que, apesar de já não trabalharem no hospital há vários anos (!), continuavam a receber um cheque com a totalidade do valor do vencimento que auferiam. Os responsáveis estavam a tentar, naquela altura, solucionar a situação.
O segundo exemplo está relacionado com a avaliação do desempenho. Simplesmente não existia. Para não criar tensões, era atribuída nota máxima a todos os profissionais. A curto prazo, pelo menos, não se previa que houvesse alterações significativas ao ‘modelo’ utilizado.

Cada um tira as conclusões que quiser.

Um desespero de país

Tenho, por defeito ou por virtude, uma enorme predisposição à tolerância perante as coisas que não domino. Não possuindo conhecimentos profundos sobre determinadas áreas, ou sobre determinadas situações em concreto, adopto, por princípio, uma posição mais resguardada e tolerante perante todas as partes envolvidas. Esforço-me, não sei se com sucesso, para não partir com preconceitos que toldem uma perspectiva pluralista e relativista das coisas. Cada caso é um caso. Os julgamentos são feitos perante o conhecimento que se vai obtendo, tantas vezes incompleto ou impreciso. Por isso, julgo que reconhecer o engano é um exercício não só de honestidade, mas também de racionalidade.
Os trágicos acontecimentos narrados por João Tilly são, muito provavelmente, do mais triste e desesperante que já li num blogue. Nunca parece haver palavras suficientemente adequadas nestas ocasiões.
Os comportamentos que lá estão relatados, independentemente da situação clínica que vier a ser apurada, constituem um insulto aos utentes do SNS, senão mesmo ao país. É certo que estruturas com a natureza e a dimensão de um hospital são extremamente susceptíveis de gerar uma forte impessoalidade nos seus profissionais. É certo que as condições em que os profissionais de saúde exercem a sua profissão estão longe de ser as mais indicadas e podem gerar muita desmotivação. Mas isso não pode explicar tudo. Não pode explicar como é que determinados profissionais atingem o grau de desumanização que já todos tivemos a oportunidade de presenciar num ou noutro momento. Não pode explicar o laxismo, o mau profissionalismo, o desinteresse e a negligência. Não pode. E não se compreende muito bem como é que se continua a pactuar com esta forma de estar na vida, em qualquer profissão que seja, mas sobretudo numa que pode fazer a diferença entre a vida e a morte. Como é que a cultura de irresponsabilidade, incompetência, compadrio e corporativismo continua a vingar, mesmo nos locais que se deveriam manter mais puros? Como é que se continua a deixar este país percorrer as valetas impunemente?
Com este post não se coloca em causa a actuação clínica dos profissionais de saúde envolvidos neste triste caso, muito menos da classe em geral. Não tenho condições, conhecimento ou autoridade para entrar por aí. As entidades competentes têm trabalho para fazer e aos leigos resta aguardar as conclusões. As minhas perguntas ficam-se somente pela parte humana da questão. Não será que o exercício da medicina comporta uma dimensão relacional demasiado delicada para ser descurada? Não é tempo de capacitar os profissionais de sectores críticos, como a saúde, a justiça e a segurança, que a sua actuação se referencia a pessoas em situações delicadas que merecem uma atenção especial? Será pedir demais?

Sobre este assunto, talvez valha a pena ler os posts do Médico Explica Medicina a Intelectuais.

sexta-feira, março 26, 2004

A Primavera? Qual Primavera?

Por que é que, das inúmeras características terceiro-mundistas que este país reúne, nenhuma delas é o clima? Será que este frio não passa?

A resposta é óbvia

Claro que há um motivo para Portugal ser assim. E esse motivo resume-se numa palavra: portugueses.

Mi casa es su casa

Por razões diversas, alguns bloguistas vão abandonando a nossa companhia. Apesar disso, resisto à racionalidade da organização da coluna dos links. Talvez pareça um pouco confuso manter o ordenamento alfabético da coluna de links, sem sequer diferenciar os blogues activos dos não-activos. Mas a relação afectiva que mantenho com esses links supera largamente qualquer ideia de reordenamento dos links permanentes. Mais de seis meses volvidos desde o primeiro contacto com este mundo, ainda sinto a mesma emoção ao visitar os primeiros blogues que conheci e linkei. Jamais serei capaz de os relegar para um lugar de menor destaque. Os seus links são uma parte integrante da história deste blogue tão importante como os posts que aqui são publicados.

O poder das interrogações

José Saramago chamou a atenção, nos últimos dias, para a subserviência dos poderes políticos em relação aos poderes económicos. No editorial de hoje no Público, José Manuel Fernandes vem fazer o democrático exercício da indignação contra os perigosos ataques do octogenário escritor. Ora, Saramago toca em dois pontos absolutamente óbvios da realidade actual: a preponderância da economia e a falta de capacidade do sector político para recuperar dessa perda de influência. Mais ainda quando a quebra de influência do poder político também se nota no progressivo afastamento dos eleitores.
O poderio económico é notório. A proliferação de organismos de dimensão nacional ou supra-nacional dedicados à (des)regulação económica é por demais evidente, não tendo qualquer comparação com a tibieza dos organismos de natureza política. A capacidade que organismos como o Banco Mundial, o FMI ou a OMC têm de impor as suas decisões, por exemplo, supera largamente a capacidade decisória e operativa de uma ONU. Ao mesmo tempo, os grupos económico-financeiros operam transnacionalmente sem entraves, chegando a deter mais poder que os próprios Estados onde operam. As consequências desta desproporção de influência têm sido negligenciadas, apesar da sua gravidade.
Por outro lado, também é notório o crescente desinteresse dos eleitores pela realidade política. As justificações para este facto não são simples. No entanto, é inegável que colocam em causa muitos conceitos que são dados como garantidos pelas alas mais conservadoras do sector político. Negar a pertinência deste debate é querer fugir a um problema central das sociedades contemporâneas. E, confesso, não me custa nada ver discutido o sistema democrático, o sistema eleitoral e o sistema partidário. Não me custa ver questionado o que está bem e o que está mal. A sensação de que já tudo foi pensado ou discutido costuma ser um mau sintoma democrático. E a perspectiva de estagnação no processo de desenvolvimento da democracia e dos sistemas participativos é assustadora. Por isso, é realmente importante que contributos para reflectir mais profundamente sobre o actual estado das democracias ocidentais não sejam menosprezados e muito menos ignorados.
É claro que é mais gratificante e enriquecedor apresentar propostas concretas de alternativa aos problemas diagnosticados. Mas questionar os fundamentos de uma determinada realidade sem apresentar uma alternativa não deixa de ser inteiramente legítimo. Se uma pessoa só puder colocar questões quando já possuir as respostas, estaremos a negligenciar uma parte muito significativa dos mecanismos de reflexão que as sociedades possuem.

quinta-feira, março 25, 2004

Blitzosfera

Quem cresceu com a companhia mais ou menos regular do jornal Blitz lembrar-se-á certamente da secção dos Pregões. Consistia na publicação de curtíssimas mensagens dos leitores, muitas vezes de natureza insultuosa. A troca de mimos girava à volta, sobretudo, de gostos musicais. Mas também de bairrismos, clubites e outras afecções do género. Havia mensagens sem destinatário concreto, embora uma parte muito significativa identificasse o(s) alvo(s) visado(s). Apesar da lentidão previsível das respostas e contra-respostas (o Blitz era e é semanal), o sistema funcionava com surpreendente empenho dos envolvidos. Geravam-se diálogos, controvérsias, simpatias, inimizades, verdadeiras alianças de defesa e contra-ataque. Embora nunca tenha sido admirador da secção e do estilo literário que a caracterizava, reconheço algum interesse às dinâmicas ali criadas.
De certa forma, existe um paralelismo entre essa realidade e a realidade vivida na blogosfera. Por vezes penso que a essência das duas é até bastante semelhante, embora seja claro que os bloguistas têm uma agenda e uma capacidade argumentativa muito diferentes daquelas evidenciadas nas páginas do jornal. Nunca fui um especial apreciador da secção dos pregões. Por isso, custa-me sempre quando julgo reconhecer nalguns posts os mesmos maneirismos. A adjectivação descuidada, a categorização fácil, a absolutização dos argumentos, a agressividade mal disfarçada do discurso.
Pode parecer que este post assume um papel moralizador do exercício da escrita. Também se encontravam facilmente mensagens com esse propósito no Blitz. Mas não, não é minha intenção pregar normas de conduta a ninguém na blogosfera. Cada um escreve o que quer e lê o que gosta. Agora, que não tenho nenhum prazer em deparar-me com posts ‘a la Blitz’, isso, de facto, não tenho.

terça-feira, março 23, 2004

A Paixão do Cristo

O filme de Mel Gibson peca por ser demasiado explícito e redutor. Todo o filme se centra no sofrimento de Jesus. Sobretudo no sofrimento físico. O filme está tão centrado neste aspecto que descura todas as outras componentes. O sofrimento psicológico não é, de todo, abordado. A dúvida e a conflitualidade interna são superficialmente tratadas, aparecendo como pedaços soltos dentro do filme, sem qualquer articulação que se possa discernir. O pouco empenho na definição das personagens culmina no tratamento dado aos soldados romanos e aos sacerdotes que não passam de confrangedoras caricaturas de personagens.
A forma que Gibson encontra para abordar o supremo sacrifício de Jesus é a explicitação das sevícias a que este é sujeito. A exposição da violência passa a ser o veículo principal para a mensagem. A exploração do sangue, das feridas abertas, da carne martirizada, das imagens em velocidade lenta cumpre, através do choque visual e emotivo, o propósito básico de exemplificar a dor. Mas representa um recurso elementar, pouco imaginativo, de o fazer. A capacidade para suportar tanta violência depende do estômago e do bom gosto de cada um.
Assim, resulta que temos alcançada uma certa eficácia na demonstração do enorme sofrimento físico vivido naquela situação. Mas, quanto ao sofrimento específico de Jesus Cristo, ainda faltaram alguns passos para realçar essa singularidade. O sofrimento de Jesus Cristo é, neste filme, um sofrimento muito humano. O que não teria mal nenhum, muito pelo contrário, não fosse o facto de não parecer ter sido essa a ideia inicial do filme. O Cristo redentor acaba eclipsado por Jesus, o homem. A experiência religiosa, espiritual, mística, o que se quiser chamar, acaba relegada para segundo plano. No final sobra o sangue que não parece muito diferente daquele que podemos ver nos telejornais todos os dias.
O filme de Mel Gibson representa certamente uma forma diferente de mostrar Jesus Cristo. Poderá mesmo abrir portas para formas ainda mais inovadoras de o fazer. Mas não se assume como uma experiência cinematográfica particularmente bem conseguida. À saída da sala de cinema não se fala tanto do que o filme é, mas antes do que ele não é e poderia ter sido.

Perguntar não ofende

Será assim tão ingénuo pensar que a conduta se deve reger por princípios e defender que os fins não justificam os meios?

Sobre o assassinato do sheik Ahmed Yassin

Tudo o que gostaria de ter escrito está condensado aqui.

segunda-feira, março 22, 2004

Isto faz-me lembrar qualquer coisa...



Dedicado ao CMC.

Target

Sabemos que fazemos parte do grupo alvo de uma publicidade quando, mesmo usando barba há anos, não resistimos a exclamar no final de qualquer anúncio a gilettes ou máquinas de barbear eléctricas: ‘Uau... quem me dera ter uma coisa daquelas!’

É para te ver melhor

Viva Espanha emitido a partir de um monitor com 17 polegadas.

sexta-feira, março 19, 2004

Mudança de casa

O Cruzes Canhoto mudou de casa e passou a estar alojado na Weblog (http://cruzescanhoto.weblog.com.pt/). E com o patrocínio da alta finança (Millenium? Não enganam ninguém...). O link já está disponível aqui ao lado.

O paradoxo cubano

A grande fonte de receitas e de esperança para o regime cubano é o turismo. Paradoxalmente, pode tornar-se também um dos seus maiores problemas. A sociedade cubana encontra-se muito homogeneizada. As condições sociais e materiais são muito semelhantes para todos os cubanos. De facto, a teoria parece funcionar: abolindo a propriedade privada terminam as classes sociais. Infelizmente para os cubanos, isso significa que todos pertencem à classe baixa. As privações são mais que muitas, quer em termos materiais, quer em termos de informação e de liberdades. Não se notam crispações sociais baseadas na diferenciação do poder de compra, muito menos na ostentação de sinais exteriores de riqueza. Muito simplesmente, porque não há poder de compra que possibilite os sinais exteriores de riqueza.
No entanto, o turismo está a introduzir mudanças fundamentais na estruturação social de Cuba. São dois os eixos principais em que este facto ocorre. Em primeiro lugar, no nível de informação que passa a circular na ilha. Embora as autoridades não vejam com bons olhos o convívio entre cubanos e turistas, este não só acontece como se tornou mesmo inevitável. O nível geral bastante elevado de habilitações que os cubanos possuem contrasta fortemente com as possibilidades de acesso a informação independente. Desta forma, qualquer turista é transformado numa potencial fonte de notícias. O turismo passou a ser um grande veículo de divulgação de informação contrariando as limitações impostas pelas autoridades.
O segundo aspecto prende-se com as diferenciações socio-económicas que o turismo introduz. Os cubanos com acesso aos turistas têm oportunidade de aceder também aos dólares que estes pretendem gastar. A orientação para o turismo do quotidiano dos cubanos já é notória. Muitos cubanos procuram uma forma de transformar os contactos com os turistas numa oportunidade de negócio. O acesso aos turistas torna-se, assim, numa possibilidade de aceder aos desejados dólares. O que, por sua vez, introduz uma diferenciação no poder de compra entre os cubanos que contactam com os turistas e os que não têm essa oportunidade. Se até agora a igualdade social tem sido uma constante, a partir do momento em que se comecem a notar as estratificações, a sociedade cubana vai conhecer um outro nível de tensões sociais ao qual já não estava habituada.
A prazo as consequências do turismo far-se-ão notar. Parece inegável que ele permite uma abertura na sociedade cubana ao mesmo tempo que pode potenciar o processo de erosão do actual regime.

Agradecimento

Os pequenos gestos podem dizer muito. Obrigado ao Irreflexões pela boa vontade demonstrada.

Durão Barroso

A entrevista que Durão Barroso concedeu à RTP não lhe podia ter corrido melhor. Foi uma óptima oportunidade propagandística. Dos quatro entrevistadores, nenhum pareceu apostado em confrontar o PM com situações politicamente complicadas. Os temas podem ter sido sensíveis mas as perguntas nunca roçaram a acutilância que se impunha. Durão falou de tudo com a mesma superficialidade que tem caracterizado a actuação do seu governo perante a benevolência generalizada dos jornalistas presentes.
Os temas do desemprego e da saúde formam um bom exemplo da prestação do PM. O desemprego é uma grande preocupação, assim o afirma o PM, mas não se vislumbram quaisquer sinais de que haja uma inversão das políticas que fizeram disparar as estatísticas. Não foram anunciadas medidas fiáveis para combater o espantoso crescimento do desemprego. Durão chegou mesmo a cometer a insensatez de elogiar o trabalho de Bagão Félix e de Carlos Tavares sem que os entrevistadores esboçassem qualquer perplexidade.
O segundo aspecto a salientar é a política da Saúde. Para além do escandaloso ardil da separação das listas de espera ter passado relativamente impune, ficou a imagem de marca desta governação, que se baseia na alienação das funções do Estado. Enquanto ia fazendo juras da sua preocupação social, o PM não deixou nenhuma ideia que contrarie a notória impressão que este é um governo apostado em entregar o sector da saúde aos privados sem qualquer salvaguarda dos interesses dos utentes. A ingenuidade de pensar que o sector privado da saúde está imune à óptica economicista é gritante. Como se a orientação para o lucro não comportasse riscos para a prestação dos cuidados de saúde, quer no aspecto da qualidade quer no aspecto da acessibilidade.
Durão Barroso, ao longo da sua prestação televisiva, cimentou a ideia de que o político deve saber falar. Falar muito, falar sempre. Mesmo que não esteja a dizer nada, nunca se deve calar. Teve sucesso.

quinta-feira, março 18, 2004

A convergência é uma miragem

Com a troca de argumentos, um pouco por toda a blogosfera, relativa às eleições em Espanha, vários assuntos não têm registado o destaque que porventura merecem. É o caso dos resultados do último relatório da Comissão Europeia sobre a concretização dos objectivos definidos na ‘Estratégia de Lisboa’. Os dados nacionais, divulgados num artigo do Público, são assustadores.

quarta-feira, março 17, 2004

Love is...

Estando consciente de que nem sei quantificar as consequências de ter perdido deinitivamente muito material de trabalho, neste momento, a única razão do aperto que sinto é saber que não voltarei a ler aqueles mails que começavam assim: 'Olá amor da minha vida'.

Não há-de ser nada

Acabei de apagar por engano todos os e-mails de trabalho que recebi nos últimos dois anos.

Voltou

E a falta que estava a fazer. Mais de dez posts para meter a escrita em dia. Todos óptimos, como sempre.

Ainda fico mal habituado

Obrigado ao Maizumpomonte pelas amáveis palavras.

A importância da vitória do PSOE (conforme o solicitado)

Numa altura em que a direita assume um certo relevo, não se pode ignorar a bolsa de esperança que a vitória do PSOE constitui para as pretensões das esquerdas europeias. Nomeadamente, no cenário político nacional, a vitória do PSOE pode ajudar a dar um impulso à esquerda em geral e ao PS em particular.
A viragem à esquerda da Espanha lança uma séria ameaça à coligação PSD-PP. Convém não menosprezar o possível efeito de contágio. Embora as legislativas ainda venham longe, se o PS começar a construir resultados vitoriosos, não se augura nada de bom para os partidos da coligação. A vitória do PSOE pode ajudar o PS a capitalizar a crescente insatisfação dos portugueses com o desempenho do executivo, gerando uma dinâmica ascendente que culminará daqui a dois anos.
Aliás, os ataques da direita a Sousa Franco mostram bem que os resultados de Espanha fizeram mossa. Já começaram os discursos a privilegiar os factores de segurança e estabilidade. E ainda restam algumas cartas que seguramente serão jogadas nos momentos mais oportunos. Como, por exemplo, a esperada remodelação governamental, assim como os indicadores da sebastiânica retoma económica. Mas nem estes trunfos serão suficientes se a saturação e a desconfiança dos eleitores já forem generalizadas.
O triunfo do PSOE recorda ao eleitorado que há formas diferentes de fazer política. Recoloca a esquerda na parte visível e elegível do mapa político europeu. A proximidade geográfica, histórica e até, de certa forma, cultural que temos com Espanha pode funcionar como catalizador da mudança política em Portugal. É impossível não estar satisfeito.

terça-feira, março 16, 2004

Certo?

Certíssimo. Aliás, isso nem é novidade nenhuma. Pois não? Assim de repente, consigo lembrar-me logo de um ou dois nomes que personificam esta forma de estar na política. Por exemplo, sem querer estar a fazer acusações em concreto, posso adiantar um político bastante conhecido, que ainda há poucos dias comemorou o segundo aniversário de uma vitória eleitoral e cujo último nome começa por B e acaba em O e pelo meio tem as letras ‘arros’. Ou outro que, apesar dos esforços, nunca conseguiu ser candidato às eleições legislativas e que, traumatizado, se vai candidatando a tudo e mais alguma coisa que lhe apareça à frente, desde clubes de futebol a Câmaras Municipais, até a cargos para os quais as eleições mais próximas só terão lugar daqui a uns dois anos. Mas a lista podia continuar. Se podia...

O exemplar comportamento da TVE

Ou: por que razão faz todo o sentido dizer que os espanhóis castigaram a falta de ética do PP.

Vital Moreira

Não é muito ousado, nem sequer original, elogiar a clarividência dos artigos de Vital Moreira. Mas o que é justo, é justo. E os artigos de Vital Moreira são uma referência para compreender a actualidade nacional e internacional. Hoje, no Público, um texto em defesa dos eleitores espanhóis.

Estranha forma de análise

Por cá continua a ser debatida a tese de que a derrota do PP espanhol se ficou a dever aos atentados terroristas. Como já referi, não posso estar menos de acordo com esta interpretação. Aliás, uma consulta aos meios de informação internacionais permite cruzar pontos de vista que corroboram a gestão governamental da informação após os atentados como o ponto crucial para definir o resultado eleitoral. E as sondagens que atribuíam a vitória ao PP, nos dias que antecederam os atentados, aí estão para provar que a Espanha estava preparada para perdoar a intervenção no Iraque.
Seria extremamente interessante que se realizasse um estudo sobre o sentido de voto nestas eleições e as motivações do eleitorado. Desta forma, ficar-se-ia definitivamente a saber quem votou em quem e porquê. Assim, só ficaria por esclarecer por que é que alguns tentam escamotear o comportamento do governo no período entre os atentados e as eleições, preferindo explicar os resultados com uma ‘natural’ saturação após oito anos de PP ou com uma reacção amedrontada dos eleitores aos atentados.
Até que se prove o contrário, continuo a pensar que domingo foi um grande dia para o sistema democrático.

segunda-feira, março 15, 2004

Afinal é possível

Fio-me na descrição da personalidade política de José Luís Zapatero que consta do Público de hoje:

(...) tem uma linguagem fácil e repetitiva. A pose demonstra demasiada sinceridade. "Falta-lhe malícia". (...) Zapatero tem uma vantagem: num Congresso traumático, quando o "barco socialista" andava à deriva, ganhou a sua liderança. (...) À justa, com um discurso memorável. Não pela ênfase ou gestos, mas pelos argumentos. Contudo, o quotidiano de gestão dos socialistas evidenciou debilidades. Porventura tácticas, para garantir o cimento partidário. (...) O que os conservadores aproveitaram para um desenho tosco da sua personalidade: sobretudo, acentuando a sua falta de autoridade no seio do PSOE. (...) Mas afirmou, em tempos difíceis, a sua vontade e seriedade.

Embora não esconda a satisfação com a vitória de Zapatero, tenho plena consciência de que esta deve ser encarada mais como uma derrota de Aznar e de Rajoy do que outra coisa qualquer. Mesmo assim, foi em Zapatero e no PSOE que os eleitores espanhóis decidiram confiar para suceder ao PP. Afinal, contra todas as previsões, parece que é possível a um político ganhar eleições mesmo não sendo um rio transbordante de carisma e apoiando-se sobretudo na sua vontade e nas suas convicções.

Hoje sou eu que fico à espera de ver as reacções que este post possa suscitar.

Lust for life

Dos maiores prazeres que Lisboa pode proporcionar são estas tardes primaveris a convidar ao deleite pedonal deste sol e desta luz inigualáveis.

As eleições em Espanha

Muito embora não tenha o hábito de comentar a actualidade internacional, não resisto a escrever sobre o último fim-de-semana na vizinha Espanha. Num cenário eleitoral dominado pelos trágicos atentados terroristas de quinta-feira, o PSOE, com alguma surpresa, alcançou uma vitória concludente. Tal como refere José Manuel Fernandes no Público, este resultado, muito provavelmente, tem mais de castigo ao PP do que mérito do PSOE. Ainda que assim seja, o regresso da esquerda ao poder em Espanha resulta de um sinal de maturidade política do eleitorado. A forma desastrosa como o PP e o governo geriram e manipularam descaradamente a informação, a relembrar episódios anteriores que conferem ao comportamento uma marca distintiva do seu carácter político, foi fortemente penalizada pelos eleitores.
Ao contrário do que afirma José Manuel Fernandes no final do seu editorial, ou do que está escrito no Acanto, a vitória do PSOE não constitui qualquer cedência ao terrorismo ou aos objectivos dos terroristas. O voto dos espanhóis não foi um castigo à intervenção no Iraque nem uma resposta amedrontada aos atentados. Foi antes um castigo do aproveitamento político eleitoralista que tresandava das posições oficiais do governo. O que se pode concluir é que o eleitorado espanhol soube dar uma magistral lição de respeito pelos princípios mais elementares da democracia.

sexta-feira, março 12, 2004

Homenagem às vítimas do terrorismo

Liberdade e segurança

O Blasfémias lança o debate sobre o binómio liberdade-segurança. Estaremos dispostos a abdicar de determinadas liberdades em favor de mais segurança? A esta pergunta responderia com outras interrogações. Podemos assegurar que menos liberdade é igual a mais segurança? Se recuarmos, não estaremos a dar razão aos que acham que através da violência e do terror conseguirão impor a sua vontade?
Para alcançar os seus objectivos, o terrorismo recorre à globalização do medo. O medo é a principal arma dos que querem estrangular as liberdades alheias. É assim que funciona. O dia em que começarmos a prescindir das nossas liberdades será o dia em que o terror terá ganho.

Cuidado com as palavras

Temos uma responsabilidade acrescida quando falamos do 25 de Abril. Porque, eventualmente, também estamos a falar para uma audiência que não viveu o 25 de Abril (eu próprio ainda não era nascido), muito menos conheceu Portugal antes dessa data. O simbolismo da data começa, assustadoramente, a desvanecer-se. Para muitos, quer pela desilusão quer pelo desconhecimento, o 25 de Abril estará realmente reduzido à condição de feriado. Mesmo assim, não consigo evitar o desconforto ao ler, no Tugir, que ‘nem se evoluiu, muito menos se revolucionou’. Julgo que até percebo onde é que o CMC quer chegar. O crescimento registado nestes 30 anos podia ter sido muito maior. Continuamos a padecer das maleitas herdadas dos 48 anos de ditadura. O caciquismo, os maneirismos anti-democráticos, o analfabetismo funcional, a irresponsabilidade e a incompetência, o compadrio que tira lugar ao mérito e à excelência, substituindo-os por interesses obscuros. Todos desejaríamos que fosse diferente, que fosse melhor. Mas o caminho entretanto percorrido afasta-nos muitíssimo da realidade vivida antes da revolução. Por isso, é necessário ter cautela com os termos empregues. Portugal teve uma revolução e teve uma evolução. O nível de vida está muito melhor do que no tempo da ditadura. Os direitos conquistados não podem ser esquecidos, nem a sua importância pode ser negligenciada. Por muito mal que estejamos agora, pelo menos podemos expressar livre e publicamente a discordância com as linhas políticas seguidas pelos governos e escolher os representantes nas instituições de poder político.
Temos a obrigação de trabalhar para dissipar as brumas que ainda nos envolvem. Não podemos é confundir os dias de nevoeiro com o breu das noites passadas, sob pena de despoletarmos um efeito perverso que contribuirá ainda mais para encobrir o significado de Abril.

Com a dor

Hoje sinto-me tão espanhol quanto me sentia ontem ou anteriormente. Como também sempre me senti americano, israelita, palestiniano ou iraquiano. Para mim, tomando em atenção o essencial, resulta perfeitamente igual que a autoria do atentado de Madrid seja imputável à ETA ou à Al-Qaeda. Na sua essência, também resulta igual que a mortes tenham sido em Madrid ou noutro local qualquer. Nem o nome do assassino nem o nome das vítimas altera os seus estatutos. Uns matam, outros morrem.

Novo dia

A noite terminou calma, apesar de tudo. Erguendo copos entre amigos para restaurar a fé no mundo e nos homens.

quinta-feira, março 11, 2004

Informação

Dois sites onde se pode acompanhar os trágicos acontecimentos desta manhã, em Madrid:

El País

El Mundo

Acordei a pensar em regressar a um registo mais trivial. Como é que se escreve sobre trivialidades num dia assim? Como é que se escreve, de todo?

quarta-feira, março 10, 2004

Não tirem o R à Revolução

O 25 de Abril é revolucionário. Representa uma transição que só foi possível por força das armas. O 25 de Abril é ideológico. Representa uma ruptura com um regime ditatorial de direita. Representa um salto quantitativo e qualitativo do leque de oportunidades disponíveis para os portugueses. Representa a conquista de direitos inalienáveis, expressos na Constituição, que pertencem claramente a um campo ideológico que se costuma preocupar mais com as pessoas do que com os números. O 25 de Abril é único. Não se pode banalizá-lo ou tentar reduzi-lo ao mínimo denominador comum. Foi uma revolução feita com o povo e com flores. Tombassem diariamente no mundo tão poucas pessoas como nesse dia e estaríamos certamente numa situação bem melhor. O 25 de Abril, felizmente, é para todos. Mesmo para os que lá não estavam. E até mesmo para os que não quiseram estar.
No seu legado de democracia e liberdade reside uma satisfação acrescida. Quando se levantam as vozes daqueles que o querem ver diminuído, isso só é possível justamente porque o 25 de Abril foi tudo aquilo que eles acham que não foi.

O sabor das vitórias

Tanto a noite em que o PSD perdeu para o PS, Fernando Nogueira perdeu para Guterres e a direita perdeu para a esquerda, como, mais tarde, a noite em que Cavaco perdeu para Sampaio, foram passadas estendido sozinho no sofá, com a alegria calma mas profunda que me invade nos bons momentos. O sabor a vitória não se esquece.
Se Guterres se tivesse aplicado um pouco mais, os seus governos teriam facilmente durado pelo menos doze anos. O lado positivo é que, assim, sempre temos a agradável oportunidade de expurgar o pomar nacional da acidez da laranjeira com muito mais frequência. Daqui a sensivelmente dois anos lá estarei deitado no sofá, à espera que se abra novamente o sorriso.

A marca ambígua do cavaquismo

A multiplicidade de artigos de opinião, reportagens e debates sobre Cavaco Silva é mais do que a minha sensibilidade política de esquerda consegue suportar. A verdade é que a figura de Cavaco sempre me provocou arrepios. O timbre da voz, a forma paternalista do discurso, a arrogância.
Curiosamente, este recente confronto com a imagem de Cavaco também me traz uma certa melancolia. As minhas primeiras memórias políticas estão-lhe associadas. O acontecimento político mais distante que consigo recordar é o final do seu primeiro governo e a subsequente primeira maioria absoluta. Foi sem dúvida com os governos de Cavaco que começou a despertar e a crescer a minha consciência política. Bom, de facto, não foi com os governos de Cavaco, foi contra eles.
Lembro-me bem desses tempos. Por essa altura costumava partilhar as tardes soalheiras de Lisboa com um ou dois amigos. Íamos descobrindo as melhores esplanadas, os recantos mais pacíficos, o desenho das ruas e dos prédios. Passei longas e pachorrentas horas na esplanada da Graça a ver o sol desaparecer lentamente a Oeste. Recordo os jantares adolescentes num quinto andar do cruzamento da Av. de Roma com a João XXI. Verdadeiros aperitivos para os sabores da noite que se seguia. Tudo acompanhado pela banda sonora do Independente, apostado em constituir-se na referência dos que não disfarçavam a alegria com os estertores semanais do executivo.
Desta forma estranha (tudo é estranho na adolescência), enquanto o cavaquismo agonizava no exagero do betão, na arrogância autista e na prepotência política, revelando um país de conveniências e de atropelos, pouco a pouco eu ia também aprendendo a crescer e a gostar de uma cidade. São realmente curiosas as associações com que a memória nos brinda.

Pequeno parêntesis para falar de futebol

O F.C. Porto provou que continua a ser um dos melhores produtos feitos em Portugal. Estão todos de parabéns.

O candidato

Cada um faz a leitura que quiser do futuro político de Cavaco Silva. Alguns pequenos pormenores, no entanto, lançam uma dúvida mais que razoável sobre a sua hipotética falta de vontade para regressar. Cavaco chamou a atenção para a falta de elegância, em relação a Jorge Sampaio, que seria pronunciar-se sobre as presidenciais com toda esta antecedência. Ora, não se compreende muito bem qual seria a deselegância de afirmar que não é candidato a ocupar o lugar deixado vago pelo actual presidente. E se não é deselegante dizer que não é candidato, então a deselegância deve ser a resposta contrária. Mas Cavaco afirmou ainda que, olhando para a vida político-partidária portuguesa, é compreensível que não exista vontade de regressar à actividade. Mas, por outro lado, a candidatura à presidência também não é partidária, pois não?
A bola agora está no campo de Santana Lopes.

terça-feira, março 09, 2004

O problema é com a forma ou com o conteúdo?

Eu até concordo que Sousa Franco não seja o tipo mais apelativo a que se podia ter recorrido para liderar uma lista de candidatos. Mas também não se pode ignorar que é uma pessoa capaz de articular um discurso consequente sobre vários temas, quer se concorde com as suas posições ou não. Sousa Franco demonstra ainda que é possível uma participação política activa como independente. Este pormenor não deve ser menosprezado, sobretudo numa altura em que se critica tanto os aparelhos partidários.
Tenho a certeza de que o Paulo Gorjão percebe o perigo de se confundir a forma com o conteúdo. Em última análise, abre-se a porta para a Santanização da política. A forma é excelente. Mas conteúdo, nem vê-lo.

Novidade

Novo link para o Estaleiro. Um destes dias, assim que haja tempo, actualizo a lista de links. É que a lista de espera já está a atingir proporções assustadoras.

Uma ajuda preciosa

O trabalho de Mário Soares é precioso para o PS. Desgasta o PP e, por arrasto, toda a coligação. Tem ainda a grande vantagem de ser feito por uma das suas figuras políticas mais prestigiadas e com maior margem de manobra. Deste modo, o PS vê protegidos os seus líderes, que se podem poupar para os cenários eleitorais, enquanto o duro trabalho de ir minando a coligação vai sendo paulatinamente efectuado por um dos melhores.

Soares vs Portas

A troca de palavras entre Mário Soares e Paulo Portas continua. O que é surpreendente é o facto de Paulo Portas se estar a deixar enredar nas armadilhas tecidas por Mário Soares. É bastante claro que o ex-presidente está apostado em fazer a vida negra ao CDS-PP e ao seu líder. E Paulo Portas está a deixar que a sua imagem sofra o desgaste natural destas picardias. Porque Soares tem uma dupla vantagem. Primeiro, é um dos políticos portugueses com maior poder de encaixe e de contra-ataque. Segundo, está muito mais à vontade neste jogo do que Paulo Portas. O líder do PP ainda tem muito que aprender. E enquanto não aprende, talvez o melhor fosse calar-se para não piorar as coisas.

segunda-feira, março 08, 2004

Dia Internacional da Mulher

Com indesculpável atraso, venho juntar a minha voz aos que acham que ainda faz sentido assinalar estas datas.

Alguém lhe pode explicar?

Parece que anda por aí uma personagem que não sabe bem para que é que serve o clítoris. Como o discernimento deste senhor parece bastante afectado, eu avanço uma primeira lição de bom senso biológico. Se não prejudica e está a funcionar, não é para cortar. Até rima e tudo, para facilitar a memorização.

Em nome dos pais

Muito obrigado. Em meu nome e em nome dos que me cogitaram. Bem merecem os elogios que lhes faço.

Os riscos acrescidos

Assumir que uma criança será infeliz se vier a desenvolver determinada orientação sexual é admitir que essa orientação é, em si, causa de infelicidade. Assumir que educadores com determinada orientação sexual podem interferir com o normal curso do desenvolvimento sexual de uma criança é admitir que existem orientações sexuais que caem no campo da anormalidade e da patologia. Este é um peditório para o qual não contribuo nem nunca contribuirei.
O grande risco acrescido que uma criança enfrenta ao fazer parte de uma família homossexual é o preconceito. Este deve ser o factor principal a ter em atenção e a merecer profunda reflexão. Uma família homossexual, para além das ameaças normais a que uma família está sujeita, tem que lutar diariamente contra o preconceito social. Luta contra os olhares de desdém, os comentários jocosos, a segregação social.
Quem quiser referir estes problemas como um dos factores que pode colocar sérias dúvidas sobre a adopção por homossexuais está a tocar num ponto realmente sensível. Julgo que é este o ponto mais complexo da inserção de crianças num ambiente familiar homossexual. Porque é certo que elas vão estar igualmente sujeitas a todos os preconceitos que recaem sobre a homossexualidade. Porque vão estar sujeitas aos mesmos olhares desdenhosos, aos mesmos comentários jocosos, aos mesmos preconceitos sociais, e isto independentemente da orientação sexual que venham a desenvolver. Ora, se contextualizarmos a adopção por homossexuais desta forma, é fácil verificar que o problema não reside tanto na família em si mas antes no universo de ideias feitas e preconceitos que grassam na mentalidade de cada um de nós. E não vejo como é que se pode suportar uma limitação dos direitos de uma pessoa, quer na qualidade de adoptante quer na qualidade de adoptado, simplesmente baseado nos preconceitos generalizados da sociedade. Porque se o que está mal é a fraca capacidade de tolerância à diferença e a discriminação que lhe está associada, não é justo que sejam os discriminados a pagar a factura. Não se pode ceder terreno neste campo. É da igualdade de direitos e de oportunidades que estamos a falar. A solução deve passar pela imposição, o mais rápido possível, de uma igualdade de facto. Algo que não permita ambiguidades em relação ao lugar que o preconceito tem nos fundamentos de uma sociedade.

sexta-feira, março 05, 2004

Parabéns

Sinto um natural orgulho quando me dizem o tão parecido que sou contigo. Muitas vezes me pergunto, antes de fazer qualquer coisa, como procederias no meu lugar. Não porque pretenda decalcar as escolhas. Mas antes porque és um ponto de referência incontornável. Porque permaneces um modelo de integridade, de articulação de pensamento e de eloquência, tal como sempre te conheci. Mesmo essa fraqueza em tons de verde só serve para salientar que nem os grandiosos estão imunes aos pequenos defeitos.
Conta muitos e bons. E toma lá um Picasso, enquanto não compras o livro.


quinta-feira, março 04, 2004

Não é por aí

Na Janela para o Rio está um texto sobre o caso Dutroux. Como nesta altura já será claro, a minha posição está muito longe da que ali é defendida. A reacção ao crime que a sociedade organiza tem de estar acima duma concepção bíblica ao estilo ‘olho por olho’. É natural que as penas sejam proporcionais à ofensa. Mas uma coisa será a proporcionalidade entre a infracção e a sanção e outra será adoptar penas que rivalizam em crueldade com os próprios actos que se pretende punir. A resposta não se pode alicerçar na imposição do sofrimento. Não é através da desumanização que as sociedades evoluem.
Se é certo que existem criminosos para os quais a reabilitação social é um mero conceito abstracto, tal não implica que se procurem soluções dentro dos limites desejáveis do civismo.

Os argumentos contra a pena de morte

Ser contra a pena de morte tem de ser uma questão de princípio. Não é suficiente esgrimir o argumento da possibilidade de erro, muito embora, pela relação directa com a realidade, esse seja o mais palpável. Evidentemente, condenar um inocente é sempre uma injustiça que afecta a vida da pessoa em causa, neste caso, de forma irreparável. Também quando o erro não pressupõe uma consequência tão grave como a morte se pode perceber que a vida das pessoas fica indelevelmente alterada e que os danos sofridos dificilmente são ressarcidos. Mas no caso da pena de morte não há qualquer forma de sequer tentar reparar o erro cometido. Este facto, por si só, devia ser suficiente para afastar esta medida dos códigos penais. Porque não há sistemas infalíveis e o preço a pagar pelos erros é demasiado elevado. Tão elevado que é impossível pagá-lo.
Mas a questão de princípio mantém-se. Mesmo que se pudesse atingir um sistema perfeito, com agentes perfeitos e leis perfeitas, ficava a questão da legitimidade. Esta deve ser a questão central para quem não defende a pena de morte. O Estado não tem o direito de dispor da vida dos seus cidadãos desta maneira. Ao Estado não compete, como não compete a ninguém, tirar a vida aos seus membros, qualquer que seja a justificação. O Estado é um promotor do bem-estar dos seus cidadãos, incluindo os que se guiam por códigos de conduta altamente desviantes. As medidas resultantes da acção policial e judicial não podem constituir atentados à dignidade e à integridade física e psicológica dos seus alvos. A preservação da dignidade e da vida devem ser princípios fundamentais respeitados pelo Estado. Até porque uma das melhores formas de exigir um determinado comportamento é servir de modelo.

Pena de morte

Através do Bomba Inteligente acompanha-se uma interessante troca de posts sobre a pena de morte.

quarta-feira, março 03, 2004

Enquanto uns adiam, outros sofrem

Sempre que aqui escrevi sobre o aborto procurei adoptar um discurso ainda mais cauteloso do que o habitual. A razão é simples. Não é um tema simples e facilmente se pode ferir susceptibilidades. Evitei, talvez nem sempre com sucesso, as categorizações fáceis. Tenho quase a certeza que passei sempre ao lado da ofensa e do insulto, quer nos textos que escrevi quer nas respostas que me endereçaram. Palavras comuns neste tema, como hipocrisia, nunca ocuparam lugar nestes textos. No entanto, começa a ser difícil manter o mesmo registo. Ao ler o Público de hoje fica a saber-se que o PSD admite mudar de posição sobre o aborto na próxima legislatura, adoptando uma posição próxima das propostas de Freitas do Amaral.
Não se percebe onde é que poderá estar a coerência desta tomada de posição. O PSD continua a invocar o compromisso eleitoral assumido para não flexibilizar a sua posição. Se era para cumprir compromissos mais valia optar por outros cavalos de batalha. Desconfio que uma boa parte dos portugueses preferiam ver o governo privilegiar outras áreas de actuação. Mas o PSD, entre tímidos sinais de avanço, logo seguidos de abruptos recuos, vai adiando a possibilidade de conferir outras condições de saúde e de dignidade à prática do aborto. E eu, que nem sequer sou pessoa de certezas inabaláveis, não consigo entender porque é que o direito à dignidade e à saúde pode ser adiado mais uns anos.

terça-feira, março 02, 2004

Pequenas batalhas

O restaurante onde habitualmente almoço disponibiliza para os seus frequentadores a consulta de dois jornais, um generalista e um desportivo. Existe, por isso, uma natural competição pela posse dos títulos. O número de interessados, traduzindo uma tendência nacional, não é muito alto. A contenda reduz-se às mesmas quatro ou cinco caras de sempre, sendo que uma dessas caras é a minha. Esclareça-se que concorro exclusivamente pela edição generalista. Já há uns meses que troquei o DN pelo Público pelo que assim tenho a oportunidade, sem custos acrescidos, de não perder completamente o contacto com o primeiro. Do leque de concorrentes, nutro uma especial antipatia por um deles. Calculo que seja mútua. Há trocas de olhares que não deixam margens para dúvidas, chegando mesmo a roçar a soberba ou o desprezo, consoante se esteja ou não na posse do DN. Os dias vão passando assim. Umas vezes vitoriosos, outras derrotados. Mas hoje foi diferente. Hoje, estando o DN na minha posse e o Record nas mãos de um dos outros concorrentes, sobrou-me ainda o supremo prazer de ver o alvo das minhas antipatias reduzido à leitura da revista Caras. O repasto teve um gosto ainda mais especial.

Sobre o medo

O Paulo Gorjão perdeu os links. Nunca me aconteceu, mas só o receio que surge ao ler este tipo de posts, que não são tão raros como isso, já me fez criar, há algum tempo, uma lista de segurança com todos os links e respectivos comandos guardada num documento de Word. Se algum dia a desgraça me bater à porta, espero que um simples Copy-Paste resolva o assunto rapidamente.

Novidade

Já está disponível o link para o Blasfémias, blogue resultante da fusão entre o Cataláxia, o Cidadão Livre e o Mata-Mouros.

segunda-feira, março 01, 2004

Funciona mesmo

É sempre um prazer ser útil. Mesmo que involuntariamente.

A luta entre o essencial e o acessório

No Tugir, Luís Novaes Tito dá boa réplica aos que querem reduzir a política a uma feira de vaidades. Argumentar sobre as qualidades estéticas dos candidatos é não só idiota mas também perigoso. E é perigoso porque se confunde uma análise da realidade, em que a estética ocupa inegavelmente um lugar destacado, com a acção que se deve operar sobre a mesma realidade. Ou seja, uma coisa é constatar que a forma tem, nestes tempos, preponderância sobre o conteúdo. Outra, completamente diferente, é pactuar com isso e ajudar a perpetuar essa distorção. O foco da questão deve estar sempre centrado nos conteúdos. Não é produtivo, e chega a ser pernicioso, discutir o circo que se gera à volta de determinados políticos da mesma forma que se discutem os conteúdos políticos. Como se o espectáculo mediático complementasse ou substituísse a escassez de ideias, por vezes escassez de ideais, de propostas, de acção política.
É perfeitamente impossível evitar a mediatização da política. Lamentavelmente não se podem ganhar eleições à revelia dos meios de comunicação. Sabemos que, para a eficácia da comunicação, a forma como a mensagem é transmitida chega a ser tão importante como a própria mensagem. No entanto, nenhuma destas verdades é comparável à injustiça que se comete ao privilegiar a forma sobre o conteúdo. Quando se ataca candidatos pela sua menor habilidade em dominar as técnicas essenciais à sobrevivência mediática, estamos a descer aos níveis mais baixos da reflexão sobre a realidade política. De facto, muitas vezes nem sequer estaremos a reflectir sobre política mas sim sobre espectáculo.
LNT afirma ‘que se o objectivo é ganhar eleições, mais importante é saber para quê, como fazer e com que competência’. Tem razão. Mas eu colocaria ainda mais a tónica na acção transformadora das sociedades que a política constitui. Porque, apesar de sabermos que sem vitórias eleitorais dificilmente se alcança esse objectivo, demasiada atenção sobre o resultado eleitoral abre as portas à dominação do acessório sobre o essencial.